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Self-service. Quando o cliente substitui o trabalhador

28 mai, 2015 - 08:00 • Ricardo Vieira

Em 1916, Clarence Saunders começou uma revolução. Hoje, passamos boa parte do dia em actos de self-service. No retalho, a revolução é galopante - e "ainda não vimos nada".

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Manuel sai de casa de manhã cedo. Atesta o automóvel num posto de combustíveis, lava a roupa numa lavandaria e segue para o trabalho através de uma auto-estrada com portagem automática.



Chega a pausa para almoço, mas não pára. Selecciona a refeição numa cantina e aproveita o tempo que lhe resta para consultar o saldo bancário, fazer uma transferência, marcar e imprimir uma passagem aérea. Tudo através da internet.



No final do dia, vai ao hipermercado e paga as compras numa caixa automática, sem a intervenção de qualquer funcionário. Faz a manutenção do automóvel numa oficina "self-service" e lava o carro. Todo o trabalho fica por sua conta. Por fim, leva a namorada ao cinema. Os bilhetes electrónicos são comprados através de uma aplicação móvel.



Este Manuel não existe, mas podia ser um de nós. A revolução "self-service" começou há quase um século numa pequena loja dos Estados Unidos e nunca mais parou. Está em todo o lado.



O pioneiro Saunders
O conceito de "self-service" nasceu em 1916, nos Estados Unidos.



Clarence Saunders, proprietário do supermercado Piggly Wiggly, em Memphis, Tennessee, foi o pai da ideia que mudou o mundo – ou, pelo menos, a maneira como fazemos compras.




Piggly Wiggly fez furor em Memphis



Até aí, os produtos estavam guardados atrás do balcão e o cliente limitava-se a dizer o que queria e a pagar. O empregado acompanhava todo o processo. Atendia o pedido, guardava as compras em sacos, fazia a conta e recebia o dinheiro.



Com a chegada do "self-service", o consumidor passou a ter a possibilidade de circular pela loja, retirar os produtos das prateleiras e levá-los em cestos até à caixa.



Clarence Saunders fez uma "revolução total", uma "inovação disruptiva", classifica José António Rousseau, antigo secretário-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED).



O sector do retalho continua a estar na dianteira da revolução "self-service". E "ainda não vimos nada", diz o consultor: há experiências em curso para substituir as caixas de supermercado por "tablets"; para fazer da voz uma ordem de pagamento; para transformar "apps" em instrumentos de compra e catálogos interactivos; e, cereja em cima do bolo, para entregar as compras em casa com aviões não-tripulados (os famosos "drones").



Consumidor faz-tudo
Demorou, mas a novidade introduzida por Clarence Saunders acabou por chegar a Portugal. A primeira loja de livre serviço abriu em 1961, no Saldanha, em Lisboa.



O panorama da distribuição e do retalho, diz Rousseau, "nunca mais foi o mesmo a partir daí". A produtividade e a capacidade de atendimento dispararam, abrindo caminho à criação do supermercado, do hipermercado e da grande superfície especializada.



As vantagens para os consumidores passam por uma oferta muito maior, refere o consultor. Diz que um hipermercado tem, em média, 95 mil produtos diferentes e um grande armazém cerca de um milhão e meio, números impensáveis no período pré-"self-service".



As empresas saem a ganhar e o consumidor também pode poupar, garante. O aumento da produtividade e das vendas que o livre serviço permite faz com que os preços ao público possam descer, sublinha.



Mas o "self-service" significa outras coisas também: "Uma redução muito grande dos trabalhadores", diz Manuel Guerreiro, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Escritórios e Serviços de Portugal; uma ameaça aos laços que ligam os membros de uma comunidade, adverte o sociólogo Casimiro Ferreira.



Retalho em permanente choque tecnológico
A actualização e o investimento em tecnologia são constantes no "self-service". No comércio, nos últimos anos, a face mais visível dessa evolução é a instalação de caixas automáticas ou de "self-checkout" nos hipermercados.



"É o próprio consumidor que faz toda a operação de leitura dos códigos de barras, de ensacamento dos produtos, de pagamento e depois de saída com as compras, sem haver necessidade, na maior parte das vezes, da intervenção de qualquer colaborador da loja", explica José António Rousseau.



O futuro é hoje: em Portugal, as caixas automáticas já representam "uma percentagem muito significativa das vendas".



A tradicional linha com dezenas de caixas de saída pode desaparecer do supermercado do futuro próximo. Os pagamentos serão feitos "em qualquer parte da loja" e "de uma forma que quase parece magia", prevê o antigo secretário-geral da APED.



Duas cadeias norte-americanas de supermercados já começaram a substituir as caixas por "tablets" que permitem pagamentos móveis em qualquer parte da loja.



Nos Estados Unidos "está a ser desenvolvido um sistema em que o consumidor paga dizendo apenas o seu nome, nada mais. Não tem que digitar nada", explica Rousseau.



"Como dizem os americanos: 'Nós ainda não vimos nada'. A loja do futuro será muito diferente da actual e onde todas estas tecnologias irão ser abundantemente utilizadas", afirma o especialista em distribuição e retalho.



O admirável mundo novo das "apps"
Para aumentar a interacção entre consumidores e lojas, a aposta passa pelas aplicações móveis ("apps").



As "apps" permitem comprar "em qualquer lado e a qualquer hora" e darão "uma maior liberdade ao consumidor que não necessite ou não queira, sequer, ter a participação de outra pessoa qualquer para efectuar as suas compras."



O futuro também pode passar por carrinhos de compras inteligentes, com "tablets" que fornecem informações sobre compras e promoções à medida que o cliente vai circulando pela loja.



Os bens encomendados nas lojas "online" (outro terreno moderno do "self-service") podem chegar a casa dos clientes nas asas de aviões não-tripulados. O gigante norte-americano Amazon já está a testar "drones" para substituir as carrinhas de entregas.



Os "drones" da Amazon mostrados num vídeo da empresa, de 2013



A tecnologia pode matar o atendimento personalizado? José António Rousseau não acredita: haverá sempre necessidade de um "contacto pessoal e directo entre consumidores e empresas nas lojas".

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