23 dez, 2015 - 18:24 • João Carlos Malta
José Ferreira Machado tem 58 anos. É um economista que se transformou num “gestor académico”. Dez anos à frente da escola de negócios da Universidade Nova tornaram-no num histórico da instituição, que sucessivamente tem sido líder em Portugal nos “rankings” mundiais de mestrados, levaram-no a procurar outro desafio.
Londres foi o passo seguinte. Ferreira Machado está agora à frente da Regent’s University London. Finalmente, diz, tem “um patrão visível” e que exige resultados.
Foi em Londres que começou a ver o desenrolar do caso Banif, mas foi já em Portugal, onde passa o período de férias natalícias, que assistiu à intervenção do Estado português em mais um banco.
Em entrevista à Renascença, este economista defende que a impossibilidade de falência dos bancos é um mito: “Deveriam poder fechar como qualquer empresa”. O académico acredita ainda que o Governo de Passos Coelho “tem má consciência sobre este caso”.
Sobre Carlos Costa, diz que o governador do Banco de Portugal é responsável pelo que sucedeu no BES e Banif, mas não “o culpado”.
BPP, BPN, BES, Banif. Banco atrás de banco, o sistema financeiro português parece um castelo de cartas a ruir. O que justifica esta sucessão de casos?
Um banqueiro experiente, Horta Osório, colocou essa questão acerca do Banif, mas que se pode colocar a respeito de todos os bancos. Como é que, banco após banco, se chega a esta situação, sem se ter percebido muito bem em todos os casos qual a natureza dos casos que estiveram na origem desta situação. Alguns são casos de polícia – o BPN e o BPP e, nalguns casos, o BES.
No Banif é uma questão interessante: qual é a natureza da exposição e qual o conjunto de decisões que permitiram que o banco estivesse exposto a estes riscos?
Penso que a causa é muito anterior à crise financeira e muito anterior a este governador do Banco de Portugal. Vivemos muitos anos em que o regulador foi muito leniente para com os regulados, privilegiando a estabilidade financeira, e não se queria olhar para debaixo do tapete. Essa era a atitude do Vítor Constâncio.
Debaixo do tapete estava um elefante…
Estava um elefante. Fazia-se tudo com paninhos quentes para não perturbar o equilíbrio do sistema.
Aponta-se muitas vezes o dedo ao doutor Carlos Costa, mas ele está na realidade a apanhar com o rebentar de uma ondulação que já vinha de trás.
Como é possível que uma instituição que não representava mais do que 4% do mercado bancário português possa vir a impor aos contribuintes uma perda de três mil milhões de euros?
É uma perda potencial que é da ordem da magnitude da que resulta do Novo Banco, que era uma instituição completamente diferente.
Como é possível?
É muito estranho. Não percebo como é que uma exposição de 700 milhões, mais os 125 milhões que tinha a haver, de repente passa para uma dimensão três vezes superior. Não percebo. Sei que o Banif tinha uma grande exposição ao imobiliário, cerca de dois mil milhões, que em consequência da resolução leva um "haircut" de 75%. Os portugueses não podem ser instados constantemente a pagar a insensatez.
Justifica-se que o Estado invista dois mil milhões de euros para entregar um banco a um privado?
Esta alternativa é melhor do que a liquidação? Alguma coisa se tinha de fazer. Como o doutor Carlos Costa relembrou, houve oito planos de reestruturação que falharam e não houve ninguém que comprasse os activos e assumisse os passivos sem uma intervenção do Estado, o que me parece ser sintomático de um negócio que não é sustentável. A escolha era entre a resolução e a liquidação. Até onde é que os credores ficam queimados?
O valor que os depositantes acima dos 100 mil euros detinham é menor do que o que se está a pedir aos contribuintes. A alternativa que se põe é sermos todos nós a pagarmos 3 mil milhões ou ser um grupo restrito a pagar uma quantia menor. Esta é a verdadeira opção que se colocava.
Será que este banco tem implicações sistémicas de tal maneira que o "bail in” – accionistas e credores seniores [depositantes avultados] a suportar a falência do banco – criaria um problema de risco moral significativo? E explica por que é que algumas decisões bancárias são erradas: se todos percebem que são os contribuintes a pagar, a ligeireza é maior.
Mas voltando aos depositantes, dado que foi levantado um milhão de euros desde dia 13, não sei quantos depósitos acima de 100 mil euros estão agora no Banif. Mas claro que a liquidação podia ter impacto nas economias regionais, Açores e Madeira.
Faria mais sentido a liquidação?
Gostaria de ter visto as contas. Mas estes processos são sempre feitos com a espada contra a parede. Aí importa esclarecer qual o papel do anterior Governo. A história está mal contada.
A incorporação do Banif na Caixa, que o ministro das Finanças disse ter sido a primeira solução do Governo, impossibilitado pelas exigências europeias, era a melhor solução?
Acho que só faria diferença contabilisticamente. Os prejuízos que as imparidades que estão realmente no balanço do Banif não são limpas num passe de mágica.
Mas pelo menos o erário público podia fazer alguma coisa com os activos bons...
Podia, certamente que podia. Algum deste imobiliário [que está nos activos tóxicos] vale alguma coisa. Na Suécia, quando houve a crise bancária, os activos dos bancos maus foram reestruturados e vendidos. Mas a Caixa já tem tantos problemas em si mesma. Na Caixa também já vimos o BPN e vimos créditos concedidos a empreendimentos turísticos. Não tenho certeza de que os processos de decisão empresariais do banco público são os melhores.
Depois de Vítor Constâncio e do caso BPN, Carlos Costa chegou com a missão de arrumar a casa e de dar uma nova credibilidade ao regulador. Conseguiu?
Claro que não. A resposta só pode ser negativa, porque estes factos continuam a ocorrer e as explicações continuam a ser ténues. A ideia de na altura de Vítor Constâncio haver uma supervisão frouxa e amiga desapareceu. Há uma divisão maior em relação à supervisão comportamental e a supervisão prudencial. Mas se medirmos a supervisão pela identificação atempada, a avaliação só pode ser negativa.
Carlos Costa tem condições para continuar no cargo?
Certamente que tem. Ele é responsável...
Isso não é paradoxal?
A culpa é muito mais vasta. Ele é certamente o responsável porque é o líder da organização. Não estou convencido que pôr estes processos mais à mão de um qualquer governo garanta melhores resultados. O que se critica nos casos do BPN e do Banif é a excessiva politização dos processos. Acho que se o governador se sentir cansado vai demitir-se, ele deve retirar as responsabilidades e deve falar com franqueza sobre o que é que correu mal. Mas isto vai além das pessoas. Na altura de Vítor Constâncio, a estabilidade sistémica levava a que os problemas fossem dirimidos no silêncio dos gabinetes.
Não estou seguro que se Carlos Costa se demitisse o problema da regulação em Portugal se alteraria substancialmente. Este caso não correu bem, o do Novo Banco também não está a correr bem...
Mas ainda assim o governador deve manter-se à frente do Banco de Portugal?
Coloca-me numa posição difícil porque o governador é uma pessoa pelo qual tenho um grande apreço e estima pessoal. É um homem íntegro e imune aos interesses que circulam nestas coisas, custa-me vê-lo numa posição fragilizada.
Em relação à dimensão política do caso, sabe-se agora que desde 2014 que a Comissão Europeia pedia ao Governo celeridade na resolução do caso. É normal que ao longo dos últimos três anos não se tenha resolvido o caso? Não é normal, a não ser que a situação do banco seja muito pior do que aquela que nós julgamos. Houve sucessivos planos de reestruturação que falharam. Este é o processo de uma morte anunciada. Até levou a que a Guiné Equatorial entrasse na CPLP à conta de potenciais investidores. Este é um processo que correu muito mal.
A não resolução do caso pelo anterior governo deveu-se à vontade de não prejudicar a saída limpa?
Não sei se foi, mas foi claramente para não ter esta discussão em cima da do Novo Banco e ter outro problema. Há várias explicações que têm de ser dadas. Qual a verdadeira natureza dos problemas económicos do Banif? Por que é que não foram detectados?
Que responsabilidades devem ser assacadas ao anterior Governo?
São sempre eleitorais.
Só?
Há decisões que são criminais e há outras que são erradas. Acredito que estamos no domínio das decisões erradas. Mas nós precisamos de pessoas que tomem decisões.
A anterior ministra das Finanças e o ex-primeiro ministro têm condições políticas para assumirem novamente cargos de poder?
Isso serão os eleitores a decidir. Os planos de reestruturação falhados ocorreram entre Janeiro e Julho, as eleições foram em Setembro. Isto é da natureza dos processos políticos. Já vimos muitas pessoas renascerem, já vimos o braço-direito do engenheiro José Sócrates a ser primeiro-ministro e a não se colocar a questão das responsabilidades políticas.
Parece-me que não se quis tomar decisões antes das eleições, há decisões que são eleitoralistas por acção, como a de 2009 de fazer aumentos para a Função Pública, e há outros que o são pela omissão. Sou visceralmente contra uma visão justicialista da política.
Na sua faculdade, nas cadeiras de gestão, passaria alunos que tomassem estas decisões como Maria Luís Albuquerque e Passos Coelho tomaram?
[risos] Sem saber qual era a informação que tinham, não posso dizer que os passaria ou reprovaria. Acho que em democracia devem explicações. A precipitada decisão de Passos Coelho de viabilizar esta solução através do Orçamento Rectificativo pode indiciar alguma má consciência.
O que nos diz este sucessivo falhanço nos bancos e nas principais empresas portuguesas, como é o caso da PT, da qualidade da gestão em Portugal? Se no topo é assim...
A qualidade em Portugal está abaixo dos países mais desenvolvidos, sobretudo pelo número de empresas mal geridas. Há empresas tão bem geridas como as melhores países do mundo, mas depois há um conjunto grande que é mal gerido. A verdadeira questão é por que é que elas sobrevivem. Essas deviam fechar e os recursos passarem para outras empresas. Devia haver um processo darwiniano pelo qual a má gestão é penalizada. Isto leva-nos outra vez à banca e ao "crown capitalism", capitalismo de compadrio, que existe em Portugal, e que está associado a um conjunto de regras que dificultam as falências e o aparecimento de novas empresas, mas também a uma legislação laboral proteccionista.
Depois, há a relação muito próxima entre as empresas e os bancos. Será isto típico de países em que as elites são pequenas e se regeneram pouco? Se calhar.
Considera que a impossibilidade de falência de um banco é um mito?
Acho que devia acontecer. É um mito. Não percebo que alguém que tenha 500 mil euros depositados num banco considere que o destino desse dinheiro não é da sua responsabilidade. Uma quantia dessa dimensão aplicada num banco é uma decisão de gestão de activos. Não há forma de termos empresas exigentes se não tivermos “stakeholders” exigentes.
As falhas de gestão são falhas de governo das empresas, de pessoas que acharam que o Zeinal [Bava] era um génio, da imprensa, que lhe dava prémios de gestor do ano, que ele comprava com publicidade. Tendemos a elevar as pessoas a heróis sem vermos os mecanismos de governo e controlo das decisões.
O compadrio de que falava e que estava presente no caso do BES e da PT, ao nível do pequeno empresário acontece entre o gestor e o empregado de balcão da dependência bancária.
Como é que a partir de Londres se vêem estes casos e a economia portuguesa?
O caso em concreto do Banif, acompanhei-o em Portugal. Somos muito pouco falados. Há os artigos no “Financial Times” do Peter Wise, que são também feitos a partir de Lisboa. O que se está a falar é do “Brexit” [saída da Inglaterra da União Europeia]. O debate é intenso. A solução do governo em Portugal mereceu muitas reacções no “Daily Telegraph”.
Parece que não há um seguimento apurado da nossa realidade. Não será que reagimos de forma demasiado histérica em relação ao que as nossas decisões têm sobre os investidores estrangeiros?
Não sei se se pode tirar essa conclusão. É ousada, não estou certo de que os investidores apenas tenham apenas a imprensa para ter a informação.