29 jan, 2016 - 20:00 • Ricardo Vieira
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Portugal não corre, neste momento, o risco de um novo resgate, defende o economista Pedro Lains, que condena o “ambiente de medo” que se está a criar em torno das negociações entre o Governo e Bruxelas por causa do Orçamento do Estado de 2016.
Em entrevista à Renascença, o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa desdramatiza o facto de a agência de rating DBRS, a única que ainda não desceu o rating para lixo, ter colocado Portugal em vigilância.
Licenciado em Economia e doutorado em História, Pedro Lains acredita que Bruxelas estará aberta a uma “alteração responsável” de políticas e que “grande parte das negociações já teve lugar”.
A DBRS vigia Portugal para ver se “será necessário fazer ajustamentos ao 'rating'”. Que leitura faz deste alerta?
Devemos olhar para o essencial. E o essencial é que o Governo português está em negociações com Bruxelas e há razões para que elas cheguem a bom porto. Está a haver uma negociação, é difícil, é preciso ter em atenção que este Governo quer mudar coisas herdadas da governação anterior e isso obriga a um processo de negociação muito difícil, que é preciso levar a cabo com grande preocupação e com grande atenção.
À volta desta negociação está a criar-se um ambiente em Portugal de medo, para variar. Muitos jornalistas e órgãos de comunicação social seguem essas dúvidas, e muitas pessoas não acreditam ainda hoje em dia que aquilo que foi feito pode ser revertido, que as políticas podem ser alteradas, não de forma radical, mas de forma gradual. E é isso que este Governo está a tentar fazer. É difícil, mas é possível. As notícias que têm saído são para pressionar as negociações num sentido, mais do que propriamente notícias a que devemos dar muita importância.
Até onde é que acha que pode ir a flexibilidade de Bruxelas nestas negociações?
Acho que há aqui um elemento que está um pouco na retaguarda, que é o papel do Banco Central Europeu. O BCE está muito preocupado, quer continuar com a política de dinheiro barato, porque a economia ainda não atingiu um grau de retoma satisfatório e isso, no fundo, significa que continua a progredir este ambiente na Europa contra a excessiva austeridade que foi imposta aos países da periferia. Parece que Bruxelas estará aberta a uma alteração responsável - não é uma alteração qualquer - do rumo que tem sido seguido até agora. Acho que o resultado vai ser positivo.
Penso que grande parte das negociações já teve lugar. Nós agora estamos apenas a assistir a negociações em aberto, mas penso que o resultado já está decidido. Agora é mais uma questão política e de debate na opinião pública. Acredito que o Governo português, o ministro das Finanças e o Banco de Portugal já tenham, mais ou menos, a percepção da reacção da Comissão Europeia, das instituições europeias, em relação a este novo Orçamento e que essa reacção é, globalmente, positiva.
Mas tem havido uma série de alertas em relação ao Orçamento.
A Comissão Europeia decorre de um Parlamento Europeu em que o Partido Popular Europeu ganhou. A Comissão não é uma instituição extrapartidária e que não tem nada a ver com eleições, nem com partidos. Não. Também o é. Aquilo que a Comissão diz também é político. Há um debate político. Não é o Governo português contra a Comissão. É um Governo de centro-esquerda em Portugal contra em diálogo com uma Comissão que é de centro-direita, mas dentro da Comissão, à volta da Comissão e em vários governos europeus [há actores que] são solidários com o Governo português. É um debate político genuíno. Não devemos entrar nesta onda de pânico.
Portugal pode beneficiar do facto de França e Itália já terem dito que não vão cumprir algumas regras do pacto orçamental?
Exactamente. Vários países na Europa, sobretudo no Sul, têm feito o mesmo tipo de luta política com a Comissão. Ainda por cima não é inédito no caso português. Portugal tem um problema: é um país mais fraco, mas não tem menos direitos que os outros. E o facto de ser um país mais fraco e uma economia mais pequena é um problema, por um lado, mas também é um benefício, porque as instituições europeias podem ser um pouco mais generosas com um país que é mais pequeno e que as decisões não têm tanto impacto a nível comunitário. Neste concerto das nações no quadro europeu, Portugal tem muitas vantagens que precisa de explorar, que nos últimos três ou quatro anos não foram exploradas.
O que pode acontecer se a agência DBRS cortar o "rating"?
É difícil responder a essa questão, porque não conhecemos muito bem os mecanismos. Mas vejam só o absurdo de o Estado estar dependente do "rating" de uma agência no Canadá, que é a quarta, quinta, sexta ou sétima agência ao nível internacional. Há aqui qualquer coisa que não faz sentido. Não é possível que seja assim. Inclusivamente, parece que essa agência canadiana quase tem servido, ao longo destes quatro ou cinco anos, porque é a única que não põe Portugal no lixo, como uma bengala para o BCE continuar as políticas dos últimos anos. É algo de artificial nessa agência canadiana que tem salvo Portugal.
Agora, as agências de "rating" estão a mandar um sinal e é preciso olhar para isso, mas não me parece que o sinal venha a ter consequências. Parece-me que as coisas se vão resolver porque, olhando para o quadro macroeconómico apresentado no Orçamento, olhando para o que está a acontecer na economia europeia, aquilo que o Governo se propõe fazer é exequível e faz sentido do ponto de vista macroeconómico. Só não faz sentido para aquelas pessoas, como a anterior ministra das Finanças [Maria Luís Albuquerque], que não sabia mais do que fazer um Orçamento. Não entendia o que era o papel a política orçamental no quadro macroeconómico.
Se a DBRS cortar na classificação de Portugal há o risco de um novo resgate?
Neste momento, não há o risco de um novo resgate. É aqui que a imprensa portuguesa tem estado muito mal. Nós sabemos que, nestes últimos dois ou três dias, os juros têm vindo a cair, porque os mercados estão com confiança no Orçamento e no Governo? Não. Porque o BCE continua a intervir. O BCE está a dizer que vai continuar a intervir nos mercados financeiros e ajudar os países endividados a financiarem-se.
Há aqui sinais muito claros das instituições europeias, dos governos europeus, incluindo o BCE e alguns membros da Comissão, das instituições europeias, dos governos europeus, há sinais muito claros de que o quadro de forte austeridade imposto à periferia, que o Governo anterior abraçou de uma forma que vai ficar na história como sendo muito exagerada, está a mudar.