01 fev, 2016 - 10:08
Bagão Félix considera que o esboço do Orçamento do Estado para 2016 é "relativamente modesto" e tem "algumas contradições", considerando natural que Bruxelas tenha "alguma descrença" e que este será "um bom teste" para Mário Centeno.
Em entrevista à agência Lusa, o antigo ministro das Finanças afirma que o esboço do OE2016 é "relativamente modesto do ponto de vista técnico e do ponto de vista da fiabilidade das previsões" e acrescenta que "dá a sensação de que é um exercício feito pela necessidade de entregar algum documento em Bruxelas".
Para o economista, "há números que, pelo menos, carecem de demonstração" e, ainda que se trate apenas de um esboço e não do documento final, é um documento "relativamente primário e relativamente feito em cima do joelho".
Questionado sobre se acredita nas previsões de crescimento e orçamentais do Governo, Bagão Félix respondeu que "são optimistas", mas salvaguardou que "não quer dizer que não seja possível", considerando ser "mais provável que não se atinjam" aquelas estimativas.
O antigo governante disse ainda que "há algumas contradições nas variáveis macroeconómicas", entre as quais o facto de se antecipar um crescimento através da procura interna ao mesmo tempo que se prevê uma aceleração da redução das importações.
No esboço do OE2016, o ministério tutelado por Mário Centeno previu que a economia cresça 2,1% este ano, antecipando que a procura interna tenha um contributo positivo de 2,4 pontos deste crescimento e que a procura externa líquida corte 0,3 pontos a este desempenho. O executivo prevê ainda que as exportações aumentem 4,9% (depois de terem crescido 5,9% em 2015) e que as importações cresçam 5,9%, abaixo do aumento de 7,6% do ano passado.
Optimismo nacional vs descrença europeia
Também o facto de se assistir a "uma retracção dos mercados emergentes e alguma redução de crescimento na China", as "questões relacionadas com Angola e com o preço do petróleo" e a projecção de "manter os custos unitários do trabalho através da moderação salarial e da produtividade" são aspectos que Bagão Félix considera não fazerem muito sentido.
Do mesmo modo, no plano orçamental, o economista identifica "algum optimismo" e espera que Bruxelas, "se agir de acordo com o que está no tratado orçamental, vai ter alguma descrença a não ser que o Governo tenha a capacidade de negociar isso".
Para o antigo ministro, relevante é cumprir o tratado orçamental naquilo que é "a medida mais certa do esforço de consolidação orçamental, que é o défice estrutural", que exclui as medidas extraordinárias e também os efeitos do ciclo económico.
"Parece-me que o Governo terá alguma dificuldade em ultrapassar isso e também as previsões macroeconómicas [junto da Comissão Europeia]. Acho que [o documento] tem de ser muito mais trabalhado", reiterou o economista, antecipando que "a discussão no contexto europeu seja forte" e que este será "um bom teste para o Governo e, em particular, para o ministro das Finanças".
Que impostos aumentar?
Quanto às medidas incluídas neste primeiro documento, que a Comissão Europeia está a analisar, Bagão Félix concorda que, "a ter que aumentar impostos", isso se faça através do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), considerando que esta é "uma forma de aproveitar a conjuntura, mas não em termos estruturais".
Bagão Félix concorda também com o aumento de 50% do Imposto do Selo no caso do crédito ao consumo, mas considera que é uma medida "contraditória com o que o Governo vem dizendo, de que é preciso estimular o consumo para estimular a procura interna e criar postos de trabalho".
Relativamente à descida do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) na restauração para os 13% a partir de Julho, Bagão Félix diz não compreender a medida agora, tal como não compreendeu quando se subiu o imposto pago pelo sector dos 13% para os 23%.
"Parece confuso e paradoxal, mas acho que não devia ter havido o aumento de 13% para 23%, que gerou de facto situações de aumento de preços, diminuição de margens, prejuízos, encerramento de estabelecimentos, aumento do desemprego num sector que gera muito emprego. Mas, uma vez estando em 23%, não me parece muito ajustado voltar para os 13% porque isso não vai alterar os preços do consumidor", argumentou.
O antigo governante diz discordar da aplicação da medida em 2016, por se tratar de um ano "de grande volatilidade e de grandes incertezas", mas considera "salutar daqui a um ou dois anos pensar-se nisso".
Bagão Félix lamentou ainda que Portugal "ande sempre numa visão errática" e que não se preserve a estabilidade e a previsibilidade do sistema fiscal, dando como exemplo o quociente familiar, introduzido pela reforma do IRS e aplicado pela primeira vez a 2015 mas que o Governo quer eliminar, e que o economista disse ser "quase um nado morto".
"Não há sistemas fiscais que resistam, o elemento patrimonial do sistema fiscal é a sua estabilidade. As pessoas têm de perceber, para uma década pelo menos, qual é o ambiente fiscal que as rodeia e que pode influenciar as suas decisões", insistiu.
Um “filet mignon” para o Santander
Bagão considera que a venda do Banif foi "uma forma de recapitalizar o Santander", que comprou "um excelente filet mignon", e não compreende que "o problema seja deixado para uma instituição que não é democraticamente escrutinada".
O antigo ministro diz ver "com muita preocupação" a solução encontrada para o Banif, que foi comprado pelo Santander Totta por 150 milhões de euros, no âmbito de uma medida de resolução determinada pelo Banco de Portugal (BdP) em Dezembro do ano passado.
Bagão Félix entende que "há muito nevoeiro que tem de se dissipar" e lamenta o "jogo do empurra" de culpas e de responsabilidades, considerando que "todos se empurram uns para os outros, o Banco Central Europeu [BCE] para o BdP, o BdP para o BCE, o Governo para o BdP", o que faz com que seja "uma responsabilidade muito diluída e muito difusa".
O antigo vice-governador do BdP afirmou que a solução encontrada para o Banif foi "uma coisa feita à pressa porque no dia 1 de Janeiro entrava [em vigor] o sistema de resgate interno".
Explicações precisam-se quanto ao Novo Banco
O ex-governante considera que também quanto ao Novo Banco "se exige alguma explicação", depois de o BdP ter decidido, a 29 de Dezembro, passar para o Banco Espírito Santo (BES) a responsabilidade pelas obrigações não subordinadas ou seniores destinadas a investidores institucionais e que, na resolução do BES, a 3 de Agosto de 2014, ficaram sob a responsabilidade do Novo Banco.
Bagão Félix afirmou que, nos testes de stress feitos pelo BCE aos maiores bancos europeus, "só nas condições devastadoras é que o Novo Banco entrava numa situação de não cumprir os rácios", mas "nas outras cumpria perfeitamente".
"A maior parte dos bancos europeus, os too big to fail [demasiado grandes para falir], também não resistiriam a esses testes de `stress` nas condições devastadoras, o que me leva a crer que tem de haver uns banquinhos relativamente mais pequenos que servem de cobaia, de teste, de experimentalismo e para robustecer esses mesmos bancos europeus", lamentou.
O economista referiu ainda que, no caso português, os quatro bancos que tiveram dificuldades acabaram por ter soluções diferentes: "o BPN foi nacionalização, o BPP foi liquidação, o Banif, que não chega a 4% do mercado, é uma mistura de resolução por via de `bail-out` e também de algum `bail-in` [resgate interno], e o Novo Banco é um bail-in", disse, reiterando que "é demasiado experimentalismo".
De quem é a culpa?
Quanto à prestação do BdP, Bagão Félix começa por dizer que "imputar ao BdP uma cultura de negociação é um erro".
"Fui vice-governador do BdP há 20 anos e o BdP não tem cultura negocial. Portanto, não é que seja mais ou menos competente, não tem essa cultura", explicou, lamentando, no entanto, que haja a ideia de que, "quando as coisas correm mal, a culpa nunca é dos governos, é do BdP".
Bagão Félix disse ainda não compreender que, "havendo custo para os contribuintes, o problema seja deixado para uma instituição que não é democraticamente escrutinada, na Europa, o BCE, em Portugal, o BdP".
"De repente, o BdP diz que vamos ter de pagar dois mil a três mil milhões de euros por um banco que não chega a 4% do mercado, imputando aos contribuintes. O BdP imputando aos contribuintes? Como é isso? A última palavra tem de ser dos poderes democraticamente eleitos", defendeu.