29 mar, 2016 - 06:40 • João Carlos Malta
Em menos de uma década, é a terceira história de ruína no sistema financeiro português que é discutida na Assembleia da República. Depois do BPN e do BES, os deputados começam esta terça-feira a discutir o colapso do Banif.
Joaquim Marques dos Santos, presidente do Banif entre 2010 e 2012, será o primeiro a ser ouvido, às 9h30 desta terça-feira. Para as 15h00 está prevista a audição de Jorge Tomé, o último presidente executivo do banco.
A contagem em comissões de inquérito cujo tema são os bancos já vai em cinco. No passado, os deputados expressaram sempre a vontade de fazer com que aquela fosse a última vez que apuravam responsabilidades. Nunca foi. Será desta?
Ao contrário do que aconteceu na última comissão de inquérito, a do BES, em que foi elogiada a cooperação entre todos os grupos parlamentares, no caso do Banif tudo deverá ser diferente, a julgar pelo que já foi dito sobre o caso. O actual Governo e os partidos de esquerda tentarão explorar a tese da “inépcia” e “desleixo” da coligação CDS/PSD que governou o país entre 2011 e 2015. E a direita tentará capitalizar o processo de venda do banco que já considerou nebulosa.
No centro da polémica estará outra vez Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal. Atacado por toda a esquerda, o CDS juntou-se ao coro de críticas. No espectro político, apenas o PSD continua a defender Carlos Costa.
Para melhor acompanhar a comissão, a Renascença resume factos, números, protagonistas e polémicas de mais um caso de um banco que vai ao fundo.
Factos que precipitaram o fim:
- Em 2011, ano de pedido de ajuda externa, as contas do Banif entram no vermelho. O Governo de Pedro Passos Coelho nacionalizou a instituição, injectando 1.100 milhões dos quais recuperou 275 milhões;
- Jorge Tomé, ex-presidente executivo do Banif, enviou oito planos de viabilidade à Direcção Geral da Concorrência (DGCom) da Comissão Europeia. Foram todos chumbados. A DGCom esteve inclinada para que o banco fosse liquidado.
- A TSF divulga uma carta da comissária europeia Margrethe Vestagen, datada de 10 de Dezembro de 2014, na sequência de uma reunião com a então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque. A carta diz que o problema do Banif vinha sendo adiado “devido à estabilidade financeira” e, mais recentemente, “para não colocar em causa a saída de Portugal do Programa de Assistência Económica e Financeira”.
- A notícia de rodapé da TVI, a 13 de Dezembro de 2015, a dar conta do fim do banco ajuda a tornar inevitável esse mesmo fim. Fica a questão de quem é responsável pela fuga de informação.
- Nos quatro dias seguintes, segundo Jorge Tomé, presidente executivo do banco à época, foram levantados mil milhões de euros em depósitos.
- A 14 de Dezembro de 2015, o Ministério das Finanças diz que está a acompanhar a situação do Banif e a Comissão Europeia afirma que qualquer solução para o banco tem de "assegurar a plena protecção dos depósitos garantidos".
-A 16 de Dezembro, o ministro das Finanças, Mário Centeno, comunica ao Banco de Portugal que, face às dificuldades em vender o Banif e encontrar uma solução que garantisse a viabilidade do banco, "não parecia restar outra alternativa que não passasse pela resolução”. As responsabilidades têm sido passadas do Ministério da Finanças para o Banco de Portugal e do Banco de Portugal para o Ministério das Finanças.
-O Banif é comprado por 150 milhões de euros pelo Santander Totta.
-Já este ano, em Janeiro, o “Público” noticia que o fundo de investimento Apollo fez uma proposta para comprar o Banif que implicava perdas máximas para os contribuintes de 700 milhões de euros (quase quatro vezes menos do que o dinheiro que o Estado tem agora em risco na operação). O Governo afirma que a Apollo não era opção, uma vez que a proposta chegou fora do prazo de entrega (depois de 20 de Dezembro) e que não era vinculativa. O “Público” diz que a documentação contraria essa informação, uma vez que mostra que foi a 19 de Dezembro que a Apollo concretizou a sua proposta.
- A associação Lesados Banif, que reúne cerca de 500 clientes do banco madeirense, vai entrar com uma acção de impugnação da resolução e divisão de activos. Ao apresentar esta acção, os lesados asseguram que o fecho e posterior venda dos activos bons do Banif se tornem actos não definitivos, podendo desta forma avançar com acções cíveis contra o Santander Totta, "herdeiro" dos activos do Banif considerados pelo Banco de Portugal como transferíveis.
- A Procuradoria-Geral da República informou o Parlamento de que não existem inquéritos criminais abertos relativamente ao Banif, pelo que os trabalhos da comissão de inquérito vão decorrer sem restrições de segredo de justiça.
Números:
- 3.000 milhões de perdas para o Estado;
- 500 milhões a 1.000 milhões de euros de ganhos para o Santander (diferença entre o que foi pago e os activos que foram transferidos);
- 4%. É a quota de mercado de um banco que se dizia que não seria sistémico;
- Cinco. Desde 2008, já houve cinco comissões de inquérito a bancos (duas ao BPN, uma BCP e outra ao BES, agora é a vez do Banif);
- 4,4%. É o défice de 2015, mais 1,4 pontos percentuais do que o previsto graças ao Banif. Deixa Portugal sob a alçada de países em procedimento por défice excessivo.
Pessoas
Inquiridos: A comissão parlamentar de inquérito ao Banif irá ouvir Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, e Carlos Tavares, presidente da CMVM.
Maria Luís Albuquerque também será ouvida, tal como o actual detentor da pasta das Finanças, Mário Centeno, e do seu secretário de Estado Adjunto, Ricardo Mourinho Félix, que deram voz à resolução do Banif. O antecessor de Maria Luís na pasta das Finanças, Vítor Gaspar, diz que não recebeu qualquer convocatória para ser ouvido na comissão, mas espera ser contactado formalmente em breve, avançou esta segunda-feira o “Jornal de Negócios”.
Espera-se que os deputados se esforcem por obter depoimentos esclarecedores de Passos Coelho e de António Costa, os dois primeiros-ministros que acompanharam o processo que levou à queda do Banif.
Luís Amado, ex-presidente do banco, Jorge Tomé, ex-presidente executivo, Vieira Monteiro, presidente do Santander Totta, e António Varela, ex-administrador do Banco de Portugal, são outras figuras que serão ouvidas na Assembleia da República.
Os deputados da comissão são já conhecidos deste tipo de inquérito. O PSD terá Carlos Abreu Amorim, João Galamba representará o PS, Miguel Tiago o PCP, Cecília Meireles o CDS e Mariana Mortágua será o rosto do Bloco de Esquerda. Estreiam-se António Filipe (PCP) a presidir e Eurico Brilhante Dias (PS) como relator.
Polémicas:
- A 3 de Março, Maria Luís Albuquerque, a ex-ministra das Finanças foi nomeada para directora não executiva do Arrow Global, grupo britânico de gestão de crédito, que tem em Portugal clientes como o Banif, o BCP ou o Montepio. Foi acusada por toda a esquerda de falta de ética. A decisão de Maria Luís teve o apoio de Passos Coelho.
- O administrador do Banco de Portugal (BdP) António Varela, responsável pelo departamento de supervisão prudencial da entidade liderada por Carlos Costa (tem por objectivo “garantir a estabilidade financeira das instituições e a segurança dos fundos que lhes foram confiados”) foi o administrador não executivo representante do Estado no Banif entre Janeiro de 2013 e Setembro de 2014.
Aquando da resolução do Banif, em Dezembro passado, o nome de António Varela foi bastante falado, sobretudo por, conforme refere uma acta do Conselho de Administração do Banco de Portugal, ter pedido para não participar em decisões relacionadas com o Banif por ter depósitos no banco e ainda ser investidor de títulos emitidos pelo grupo, mas também por ter passado directamente da administração do Banif para a administração do supervisor e regulador bancário.