04 mai, 2016 - 18:00 • Paulo Ribeiro Pinto (Renascença) e Nuno Aguiar (Jornal de Negócios). Imagem: Inês Rocha (Renascença) e Catarina Rodrigues (Jornal de Negócios)
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O Nobel da Economia em 2008 considera que Portugal ainda está numa situação “terrível”, mas melhor do que há alguns anos.
Em entrevista à Renascença e ao “Jornal de Negócios”, Paul Krugman diz que há “alguma folga orçamental” para aliviar a austeridade, mas sublinha que uma mudança real só poderá acontecer por vontade da Alemanha e da França. Insiste que a economia está “diabética”, ligada aos estímulos monetários do Banco Central Europeu, e acredita que a Comissão Europeia não vai sancionar Portugal por causa de algumas décimas de derrapagem nas metas do défice.
O norte-americano está em Lisboa para participar no congresso da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição.
Afirmou recentemente que a situação em Portugal, que reflecte toda a Zona Euro, era terrível. Quão terrível é?
Julguei que tinha sido bastante claro. O desemprego continua muito alto, o desemprego jovem é muito elevado, muitas pessoas continuam com graves dificuldades financeiras. Se, em 2007, dissesse a alguém que Portugal estaria nesta situação em 2016, essa pessoa diria que você é incrivelmente pessimista. A situação continua, objectivamente, terrível, mas não um desastre. Apenas muito má.
Estivemos à beira do abismo, mas não caímos?
É isso mesmo. Em geral, a Europa não se desmembrou. A vontade política para ficar juntos tem sido mais forte do que o esperado. O Banco Central Europeu tem sido muito mais eficaz do que eu esperava, com mecanismos de resgate muito mais eficazes do que eu esperava. Por isso, é terrível, mas não é catastrófico. Houve uma ligeira melhoria.
Saímos do Programa de Ajustamento. Disse que não caímos no abismo, mas olhando para os últimos cinco anos, pode dizer-se que foi um sucesso porque não saímos do euro, conseguimos o acesso aos mercados de financiamento, ou foi um grande falhanço porque temos bancos a falir, só conseguimos financiamento com a ajuda do BCE...
Nem uma coisa, nem outra! Houve um enorme sacrifício, os maus momentos ainda não chegaram ao fim e o contexto continua muito arriscado, mas o pior não aconteceu. Por isso, não sei se devemos chamar a isso um sucesso ou um falhanço: se no início pensámos que o desastre era iminente, então foi um sucesso, mas se considerámos que a Europa estava num caminho de recuperação da crise, também não aconteceu.
Costumo brincar com a situação nos Estados Unidos. Nas últimas eleições presidenciais sugeri que o slogan do Obama fosse "não tão mau como na Grande Depressão". Felizmente, ele não seguiu o meu conselho. Se quiser dizer que a situação não é tão má como na Grande Depressão ou como nos anos 30 do século passado, isso é verdade, mas não lhe consigo dizer se significa um sucesso ou um falhanço.
Em Portugal, o novo Governo que tomou posse há poucos meses, está a tentar um novo caminho para a recuperação económica.
Não consigo avaliar os detalhes. Se me pergunta o que acho que um país na situação de Portugal pode fazer? Não vai abandonar o euro, não vai anular a dívida... O máximo que poderá fazer é tentar aliviar a austeridade, tornar que o custo humano seja menor. Parece que é isso que este governo está a tentar fazer. Julgo que as linhas gerais vão no sentido certo. Há alguma margem de manobra, o Governo está a tentar aproveitar esse pequeno espaço. Não vai transformar a situação, mas é um caminho...
Espaço orçamental?
Existe alguma folga orçamental. Portugal ainda não pode alinhar num programa de estímulo económico. Mas pode ter menos austeridade. E mesmo que os dados actuais sugiram que não está num caminho para a sustentabilidade da dívida, acho que não há nenhuma maneira que possa fazer isso, a menos que haja uma muito mais forte recuperação na Europa como um todo, algo que está fora das mãos de Portugal. Dada esta situação, esperamos por melhores políticas nos países do centro da Europa. Não acredito que as políticas agora seguidas por Portugal criem uma crise de confiança. Julgo que existe espaço para 1 ou 2 pontos percentuais de excedente do saldo estrutural primário. Claro que o que realmente importa está nas mãos da Alemanha e da França, mas também aqui há espaço para alguma folga.
Então deveríamos ignorar as regras europeias? Ou esperar para ver se as regras são alteradas ou se a Alemanha muda de políticas?
Julgo que temos de ver para que lado vão "cair" as regras europeias. Considero que existe alguma folga. Não acredito que Portugal vai ser sancionado de forma severa por falhar as metas por meio ponto. Não estamos perante um governo que desafia ao estilo Syriza. No fundo, as perspectivas para a Europa como um todo continuam muito negras a menos que se verifique uma reviravolta ou uma alteração nos países do centro. Mas estou esperançado que isso aconteça.
Falou dos países do centro - como a Alemanha e a França. Julga que o investimento nesses países pode ter efeitos positivos nos periféricos, como Portugal?
Sim! Tanto a teoria como as evidências nos mostram que mais despesa nos países do centro conduzem a uma economia mais forte, a uma inflação mais alta nesses países, que acabam por aumentar as exportações dos periféricos, tornando-os mais competitivos. Sigo de perto o trabalho de Olivier Blanchard que mostrou, de forma clara, que mais investimento nos países do centro tem grandes e positivos efeitos na periferia.
Num recente artigo do “New York Times” escreveu que Portugal se assemelhava a uma economia diabética. Sendo a diabetes uma doença que não tem cura, quer isso dizer que vamos continuar "ligados à máquina" do BCE por muito tempo?
É isso que os mercados pensam! Os mercados financeiros estão a apostar em taxas de juro baixas, ou mesmo negativas, durante muito tempo. As taxas de juro da Alemanha estão em terreno negativo para uma maturidade de oito anos. Eventualmente poderemos ter uma cura vai exigir alterações - não em Portugal - nas políticas em Berlim e de certa forma também em Paris que poderão fazer a diferença. Considero que as perspectivas de uma alteração de políticas não são tão remotas como as pessoas possam pensar. Têm existido movimentos "subterrâneos" nas ideias. Entretanto, será um longo caminho para a cura; é um longo período de doença crónica.
Continuando com a metáfora: diria que para "curar" a doença seria necessário algum tipo de estímulo orçamental na Europa?
A melhor aposta para uma saída envolveria uma expansão orçamental significativa nos países do centro - acima de tudo na Alemanha - para quebrar o ciclo de fracas expectativas, inflação baixa… ajudando a Europa a sair desta "doença crónica". Não sabemos se funciona, mas é a nossa melhor aposta.
Sendo a diabetes uma doença crónica, Portugal poderá ter de abandonar o euro ou a Europa vai desintegrar-se?
É melhor não abusar das metáforas [risos]. A economia não é medicina. Já reduzi bastante as minhas expectativas sobre uma desintegração do euro. Ainda pode acontecer, mas a vontade do sistema político europeu para se manter unido mostrou-se mais forte do que os EUA alguma vez imaginaram. É um sistema que funciona mal, mas ainda há esperança. Estou mais preocupado com o risco de eventuais choques sobre a economia europeia. Portanto, o problema não é tanto com a falta de um plano macroeconómico de contingência.
E os receios das pressões inflacionistas da Alemanha? Estamos com uma taxa de inflação longe do objectivo dos 2%. Faz sentido este receio?
Não faz sentido. É impressionante como este receio inflacionista se mantém ao longo do tempo quando não há inflação. Tenho a impressão – muito informal – de que o tom da discussão também está a mudar na Alemanha. Há muitos líderes empresariais que já falam da necessidade de investimento. E espero que haja uma mudança para política.
Falou das teorias económicas que são como a baratas: continuam sempre a aparecer! Quem são essas baratas na Europa?
O receio da inflação, a teoria orçamental de tudo – em que todos os problemas resultam de um "pecado orçamental". Essa narrativa continua a aparecer, apesar de não ser verdade. O medo de uma crise da dívida também faz parte. Quando eu falei das baratas, no caso dos EUA, estava a referir-me ao que lemos nas revistas da direita. Mas o debate mais lato não é assim tão mau. Temos verificado alguns progressos. E isso também é verdade na Europa.
Um dia teremos de escrever a história da Grande Recessão. Olhando para o passado, para 2008/09, quando começou a crise, o que é que correu mal? Que diferença identifica entre os EUA e a Europa?
A maior diferença foi ao nível dos bancos centrais. Num momento crucial, tivemos Ben Bernanke – que percebeu o problema – enquanto Jean-Claude Trichet na Europa tinha o modelo errado sobre o que se estava a passar. E isso foi crucial. A Europa perdeu o momento e acabou com uma inflação mais baixa. Em termos demográficos, a Europa tem problemas mais graves. Os EUA têm um crescimento lento da população em idade activa, mas o saldo continua positivo. Na Europa, continua a cair assemelhando-se ao Japão.
Em relação à política monetária da FED (Reserva Federal dos EUA), de subida da taxa de juro, considera que é muito cedo?
Sim! A FED não deveria ter aumentado a taxa de juro, nem sinalizar uma subida da taxa de juro. Em parte, porque os riscos são simétricos e porque a FED não está a pensar em termos internacionais. A Europa está a exportar parte dos problemas para os EUA através de um euro fraco. A FED apenas aumentou 25 pontos base, é pouco. Mas não o deveria ter feito.
E quanto à política do BCE? Considera que está a entrar em território perigoso?
Não considero que seja perigoso. Estou mais preocupado com a eficácia. É uma política complicada: taxas de juro negativas, compra de activos… mas não sei se, no final, isso vai ser suficiente. Julgo que a política do BCE tem sido inteligente. A questão é se tem tracção suficiente e receio que não tenha, de facto.