09 jul, 2016 - 09:42
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O secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, considera que o “Brexit” deveria fazer com que as autoridades europeias “pensassem duas vezes” sobre a aplicação meramente mecânica das regras orçamentais.
Em entrevista à Lusa à margem do Fórum Global para a Competitividade da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que decorreu em Lisboa na quinta e na sexta-feira, Angel Gurría afirmou que, apesar de não haver uma ligação entre a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia (UE), de 23 de Junho, e a eventual aplicação de sanções a Portugal e Espanha pelo não cumprimento dos objectivos orçamentais entre 2013 e 2015, o chamado “Brexit” deveria ser tido em conta.
“Deveria o ‘Brexit’ fazer com que as autoridades da UE pensassem duas vezes sobre como aplicam as medidas? Sim, acho que devia, porque isso complica o ambiente. Mas isso quer dizer que devem abandonar a disciplina? Não, mas há espaço para alguma flexibilidade”, afirmou o secretário-geral da OCDE.
Para Angel Gurría, a eventual aplicação de sanções a Portugal “é improvável e é desnecessária”, defendendo, por oposição, que “neste momento a resposta deve ser flexibilidade e criatividade”.
A flexibilidade de que Gurría fala poderia passar, por exemplo, por não suspender o acesso aos fundos europeus por parte de Portugal e Espanha.
O secretário-geral da OCDE apontou que o próprio plano Juncker “já dá alguma flexibilidade”, uma vez que “a participação [neste programa europeu de investimento] não considera o défice” dos países.
Angel Gurría diz ainda que, neste momento, a discussão não deve limitar-se apenas à aplicação ou não de sanções, mas antes ter em conta os vários desafios que a Europa enfrenta.
“Hoje temos terrorismo, hoje temos migrantes, hoje temos refugiados, hoje temos o ‘Brexit’. Devia [Bruxelas] aplicar as mesmas regras mecanicamente, desconsiderando tudo isto? Não. Devia eliminar a disciplina? Não. Então como é que fazem as coisas no meio? Adaptando-se às novas circunstâncias sem perder a disciplina fundamental e o enquadramento que fez da UE bem-sucedida”, sustentou.
Sublinhando que “a Europa é um esforço bem-sucedido” e que “o mundo inteiro gostaria de imitar” o exemplo europeu de integração, Angel Gurría defende que o caminho não pode ser “afastar [os países] por causa da aplicação mecânica” das regras orçamentais.
Para isso, é preciso que haja vontade política, afirmando Gurría que é necessário esperar para ver: “O que recomendamos é que haja [vontade política]. Se vai haver ou não, vamos descobrir nos próximos dias. Espero que sim”.
O secretário-geral da OCDE afirmou também que o incumprimento da meta orçamental de Portugal em 2015 se deveu ao apoio ao sistema bancário e defende que este efeito deve ser isolado.
Angel Gurría diz que os governos devem fazer o que for preciso para proteger o sistema bancário para, “em primeiro lugar, garantir que os depositantes não perdem dinheiro, sobretudo os pequenos depositantes”, mas também para que “haja confiança no sistema financeiro, mesmo que à custa de alguma intervenção pública, o que pode ser resolvido depois”.
No caso de Portugal, que terminou o ano de 2015 com um défice de 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB), acima do limite de 3% exigido pelas regras europeias para encerrar o Procedimento por Défices Excessivos que o país deveria ter concluído com o desempenho orçamental do ano passado, Gurría afirma que este incumprimento “está mais relacionado com o apoio ao sistema bancário”.
“Conseguem identificar especificamente um problema. Se não fosse isso, teria estado bem. Então a questão é: por que não isolamos isto e pomos numa caixa ao lado?”, lançou.
O líder da OCDE considera ainda que “conseguir a consolidação orçamental já foi bastante difícil” em Portugal e, se Bruxelas “agora quer acrescentar isso", então “torna-se virtualmente impossível”.