17 nov, 2016 - 00:01 • Raquel Abecasis (Renascença) e Vítor Costa (Público)
O líder da Associação Portuguesa de Bancos (APB) passa a bola para o lado das empresas. A banca tem liquidez, até em excesso, e quer dar crédito às empresas, mas estas precisam de reduzir o seu nível de endividamento para passar nos critérios de risco de crédito.
Em entrevista à Renascença e ao “Público”, Fernando Faria de Oliveira revela ainda que a APB não foi ainda chamada a participar no grupo de trabalho liderado pelo Governo para a criação do chamado “banco mau”, uma solução para o problema do crédito malparado. E apela à resolução urgente do impasse vivido na Caixa Geral de Depósitos devido à não entrega das declarações de rendimento e património dos novos gestores do banco público.
Já há condições para que os bancos voltem a dar crédito às empresas ou esta é uma falsa questão?
O problema do financiamento à economia tem de ser olhado do lado da oferta e do lado da procura. E conforme é bem notório em três recentes estudos, um do Instituto Nacional de Estatística (INE), outro do Banco Central Europeu (BCE) e outro da Comissão Europeia, não é o acesso ao crédito que constitui neste momento em Portugal uma preocupação relevante por parte das empresas produtivas.
Qual é então o problema?
Numa primeira fase, a desalavancagem da banca conduziu a que o acesso ao crédito se tivesse tornado mais difícil. Depois passou-se o período de uma fortíssima recessão em que o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 7,3% em três anos, entre 2010 e 2013, e com isto o crescimento do endividamento das empresas atingiu o seu limite e levou a um aumento brutal do incumprimento. Depois, com a entrada em vigor da União Bancária também se reforçaram enormemente os mecanismos de avaliação de risco. Mas entretanto desapareceu por parte dos bancos o problema fundamental, que é o problema da liquidez. Os bancos têm neste momento conforto total em termos de liquidez, excesso de liquidez. E faz parte da sua actividade a concessão de crédito como a fonte principal dos seus proveitos, portanto, para melhorar a rentabilidade, os bancos têm mesmo de conceder crédito e não há nenhuma dificuldade hoje em dia em conceder crédito às empresas que tenham condições de acesso ao crédito, que passem o crivo de risco de crédito.
É então, um problema das empresas?
Temos de trabalhar em duas frentes: sem dúvida que o sistema bancário necessitou de desalavancagem e recapitalização. Uma grande parte deste trabalho está feito, ainda falta completá-lo, mas está feito. Mas o sector empresarial precisa exactamente dos mesmos dois objectivos: desendividar-se, desalavancar e reforçar os seus capitais. Isso facilitaria, sem dúvida, o acesso ao crédito e o sistema bancário é o primeiro interessado em que isso aconteça. O programa “Recapitalizar” vai seguramente dar alguns contributos para a tentativa de resolução de um problema, que é um problema de fundo da economia nacional. Diria mesmo que é o problema mais importante da economia nacional.
Como é que os bancos vão resolver os problemas com crédito malparado?
O sistema bancário português recapitalizou-se em 26,4 mil milhões de euros desde 2008, um montante extremamente elevado e este esforço de recapitalização vai ter de ser continuado, porque é através de aumentos de capital que se consegue acelerar a recuperação do balanço das instituições. O crédito malparado não é de todo um problema exclusivo de Portugal, o conjunto da União Europeia (UE) tem neste momento mais de um trilião de euros de crédito malparado. Portugal terá cerca de 18 a 20 mil milhões de euros, o que corresponde sensivelmente à nossa dimensão no conjunto da UE. Mas é preciso resolver o problema.
Como?
Os bancos têm trabalhado na tentativa de acelerar a resolução deste problema. Mas há também a necessidade de procurar eliminar um conjunto de bloqueios que atrasam a resolução da recuperação de crédito ou dos processos de insolvência. E por isso há dois grupos de trabalho em funcionamento, um que tem muito a ver com propostas que a APB fez ao Governo para acelerar a resolução de restrições de natureza legal, judicial e fiscal. Um processo de insolvência em Portugal leva entre quatro a seis anos a ser resolvido e durante todo este período os bancos têm no seu balanço créditos não produtivos e completamente improdutivos. Há países europeus em que isto se resolve em três ou quatro meses e a média anda na ordem dos dois anos.
Quando haverá medidas concretas desse grupo de trabalho?
No grupo de trabalho estão envolvidos os ministérios das Finanças, da Economia, da Justiça, o Banco de Portugal e a APB que tem vindo a trabalhar praticamente desde Maio por iniciativa do primeiro-ministro depois de termos chamado à atenção de que era absolutamente necessário resolver este problema. Espero que ainda este ano saiam medidas concretos que auxiliem esta política.
Depois há a segunda parte da questão, o eventual veículo ou banco mau que possa vir a ser criado. Nós estamos envolvidos no primeiro grupo, não estamos envolvidos no segundo, portanto não tenho informação.
Está fora desse processo?
De momento ainda não fui chamado a esse processo.
Mas que opinião tem a APB sobre o assunto?
Cada vez há um entendimento mais global no seio da UE de que faria todo o sentido adoptar um mecanismo que permitisse criar uma solução sistémica. Isso seria o ideal. Que servisse praticamente todos os Estados-membros que enfrentam o mesmo tipo de problema, mas, como isso é muito difícil e como também é muito pouco provável que haja da parte do Estado português capacidade para poder conceder garantias, a construção deste veículo é de concepção que não é fácil. Mas vamos aguardar porque se há um grupo de trabalho alguma coisa poderá surgir.