04 jan, 2017 - 11:24 • João Carlos Malta
O presidente demissionário da Caixa Geral de Depósitos (CGD), António Domingues, acusou esta quarta-feira o accionista Estado de ter mudado de opinião sobre as condições que colocou em cima da mesa para que pudesse exercer o cargo. Em causa está a obrigatoriedade de entrega da declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional (TC).
Durante a audição na Assembleia da República, Domingues assinalou ainda o debate político que se gerou à sua volta como motivos para a sua saída.
"Fui mandatado para formar equipa em determinadas condições e essas condições não se mantiveram e isso teve consequências", disse António Domingues na Comissão de Orçamento e Finanças.
"Lei é lei", disse o gestor, acrescentando: "O accionista tem direito não só a tomar decisões como a mudar de opiniões".
Em relação aos interlocutores com que negociou as condições para aceitar o convite, Domingues disse que os encontros foram sempre com o ministro das Finanças, Mário Centeno, e o secretário de Estado das Finanças, Mourinho Félix. "Só em Junho, falei com o primeiro-ministro".
"O ministro das Finanças não me deu o acordo por escrito", disse o presidente demissionário. No entanto, Domingues conclui que da troca de comunicação com o governante ficou a ideia de que concordava com a exclusão da figura do estatuto de gestor público (ou seja: não seria necessário entregar a declaração ao TC). "A maior parte do meus acordos são de palavra", salientou.
António Domingues acrescentou ainda que bateu com a porta porque "ia ficar sem equipa". "Demitiram-se nove dos 11 [administradores]. Eu sem equipa teria dificuldade em gerir a Caixa. Mas podiam ser substituídos e vir outros. Eu pessoalmente senti que não tinha condições para o fazer. Eu no meu melhor juízo entendi que não tinha", afirmou perante os deputados.
Porque não ficou até Macedo entrar?
Em relação à última polémica, a do braço-de-ferro com Centeno sobre as razões que o levaram a não ficar até à chegada de Paulo Macedo, Domingues voltou a reiterar que transmitiu ao ministro das Finanças para contar com a disponibilidade dele, mas com a salvaguarda de "uma solução jurídica".
"Se encontrarem a solução jurídica capaz, falem com advogados". E isso, explicou Domingues, nunca chegou a acontecer.
No dia seguinte, 30 de Dezembro, Domingues disse que foi surpreendido com o que foi saindo na imprensa e enviou mensagens telefónicas a Centeno a dizer: “Tenha paciência, mas o que está a ser veiculado na imprensa não me parece adequado, talvez queira corrigir”. Naquela altura, foi noticiado que o ex-administrador do BPI não ficava porque não queria apresentar declaração de rendimentos.
Património e tablóides
Nesta audição parlamentar, no âmbito da comissão de inquérito ao banco público, Domingues afirmou que disse “ao Governo que não se devia aplicar à CGD o estatuto de gestor público”. Ou seja: os administradores seriam isentados de entregar a declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional. Antes revelou que a primeira reacção ao convite do executivo “não foi de grande entusiasmo”. "Aliás nem aceitei à primeira", revelou.
António Domingues alegou entender que o modelo de governo da Caixa “devia ser alterado” e que não acredita conseguir “atrair pessoas com a declaração de património”.
Para o gestor, é diferente pedir a declaração de rendimentos e a declaração de património. “Isso em Portugal significa tê-los depois publicados nos tablóides.”
Nas respostas ao social-democrata Duarte Pacheco, acrescentou ainda que acabou por apresentar a “declaração ao Tribunal Constitucional para defender” o seu “bom nome”. “[Mas só o fiz] Depois de todos os meus colegas que convidei me darem autorização”, afirmou. “Eu respeito os meus compromissos.”
O presidente demissionário afirmou ainda que não negociou com as autoridades europeias enquanto ainda era gestor do BPI. O que aconteceu foi uma reunião para perceber quais as condições de recapitalização da Caixa.
Saída de 2.200 trabalhadores
Em relação ao plano de recapitalização, António Domingues diz que o plano é verosímil. "Apresentei o plano em Maio e foi discutido com o Governo e no dia 7 de Julho estava aprovado", afirmou, defendendo que o plano tinha como objectivo responder às exigências de rácio de capital.
Domingues diz que o plano de recapitalização implica a redução de custos, a saída de 2.200 pessoas (75% das quais que estejam a três, quatro ou cinco anos de reforma), mas também o aumento de rentabilidade da operação do banco.
Ligada à redução de trabalhadores está também a redução de agências, que o plano prevê que sejam entre 150 a 200 balcões.