03 fev, 2017 - 14:20 • Eunice Lourenço
O relatório sobre a contratação temporária na Administração Pública ainda “é precário”. A expressão é do deputado do CDS Filipe Anacoreta Correia, em declarações à Renascença. Mas resume aquilo que o próprio relatório assume logo na sua introdução: “ainda não é possível identificar em concreto qual a dimensão de precariedade que existe na Administração Pública e no sector empresarial do Estado”. Esse é um trabalho que o Governo pretende concluir até Março.
O relatório, divulgado esta sexta-feira pelo “Diário de Notícias” e a que a Renascença também teve acesso (consulte em PDF), faz um levantamento de toda a contratação temporária, dividindo-a por tipos:
A soma de todos esses tipos de contratos existentes na administração central, na administração local e nos respectivos sectores empresariais ultrapassa os 116 mil (116.391). Contudo, não se pode falar propriamente em tal número de trabalhadores precários e da necessidade de os inserir nos quatros do Estado.
Muitas “nuances”
O relatório tem muitos dados já desactualizados ou porque se referem a números de há seis meses ou porque o enquadramento legal de alguns sectores já foi alterado.
É o que se passa, por exemplo, com as bolsas de investigação. Os números do relatório (3.662) são de 30 de Junho de 2016. Em Agosto, entrou em vigor um decreto do actual Governo que diz respeito à celebração de contratos de trabalho com os investigadores doutorados, os quais, por consequência, deixam de ser bolseiros.
Noutros casos, os contratos temporários têm a ver com a própria natureza da função. Por exemplo, na área da Segurança Social, há 4.460 contratos, mas 3.888 são prestações de serviço de formadores do Instituto do Emprego e Formação Profissional. O relatório salienta que é importante que as acções formativas “sejam flexíveis e ajustáveis às variações conjunturais do mercado de emprego e às dinâmicas empresariais, pelo que se exige do perfil ou habilitações dos formadores a mesma adaptabilidade”. Ou seja, os formadores têm de ir mudando consoante as necessidades.
Já na área da Defesa, são identificados mais de 12 mil contratos a termo, mas correspondem, na sua quase totalidade, a efectivos militares que prestam serviço nos ramos das Forças Armadas em regime de voluntariado ou de contrato, pelo que “não podem ser consideradas como relações laborais precárias, mas sim um instrumento de recrutamento devidamente regulado e indispensável e idóneo para assegurar o bom funcionamento e cumprimento das missões das Forças Armadas”.
Outro exemplo, este de sazonalidade, passa-se no Ministério da Administração Interna, onde 920 contratos celebrados pela GNR são com vigilantes florestais que reforçam as torres de vigia de Maio a Outubro de cada ano no âmbito das fases “Bravo” e “Charlie” de combate a incêndios.
Educação com tantos precários como administração local
Do total de relações precárias, mais de 26 mil dizem respeito à administração local (24.090 nas autarquias e 2.895 no sector empresarial local), um número pouco acima de um só sector da administração central: a Educação, onde há 26.133 contratos precários.
Do total de precários no sistema educativo público, quase 5 mil dão resposta a necessidades temporárias de professores para substituições em baixas e licenças de parentalidade. Já no plano do pessoal não docente, há quase 3 mil pessoas que cumprem funções necessárias e permanentes e com horário de 35 horas, mas sem vínculo duradouro com o Estado.
Relatório apurado em Março
Este relatório, que chegou a estar prometido para Outubro, foi apresentado na quinta-feira pelo Governo aos seus parceiros de esquerda (PCP, BE e PEV), mas é apenas a base para um relatório mais apurado que a secretária de Estado do Emprego Público, Carolina Ferra, já prometeu para o fim do primeiro trimestre do ano – ou seja, Março.
Esta semana, no Parlamento, tanto Carolina Ferra como o ministro das Finanças, Mário Centeno, remeteram ainda para Outubro medidas para resolver os casos de falsos precários que devem passar a ter vínculo permanente com o Estado.
Os números agora apurados não são muito diferentes dos que há muito tempo são avançados pelo PCP e pelo economista Eugénio Rosa que apontavam para a existência de cerca de 110 mil precários no Estado.
O PCP já marcou para 16 de Fevereiro um debate no Parlamento sobre precariedade. Mas esta é uma bandeira que o Bloco também quer levantar. A existência deste relatório faz, aliás, parte do acordo entre o Governo e o Bloco de Esquerda.