23 fev, 2017 - 12:29 • Pedro Mesquita e Marta Grosso
O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio poderá ser “a chave absoluta” para resolver o mistério dos 10 mil milhões de euros que saíram de Portugal para paraísos fiscais.
“É a chave absoluta, porque todas estas questões atravessam o mandato do Dr. Paulo Núncio", afirma à Renascença o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, Paulo Ralha.
“Esta estatística [sobre a transferência de dinheiro para ‘offshores’], que era obrigatório publicar a partir de 2010, é publicada em 2010 e tem um hiato de tempo que coincide na íntegra com o mandato do Dr. Paulo Núncio. A estatística não é publicada e volta a ser publicada em 2015”, justifica.
Paulo Ralha acrescenta que, durante esse mandato, houve três directores-gerais, o último dos quais uma mulher, Helena Borges.
“Já estava a trabalhar na casa antes de 2015 e essa estatística não foi publicada. Depois, ainda em 2015, com um novo secretário de Estado, recomeça a ser publicada e a directora-geral é a mesma”, sublinha o sindicalista, concluindo que “isto é uma questão que pode ser justificada, objectivamente, por factores políticos".
O presidente do STI não avança o objectivo que poderá ter estado na origem da omissão das estatísticas, mas deixa um raciocínio: “O que é que isto envolve? Envolve muitos milhares de milhões de euros. De quem? De pessoas que os querem por em territórios com legislação opaca. Ou seja: pode indiciar fuga aos impostos e estamos a falar de pessoas que têm muito dinheiro. Agora é fácil fazer as contas e qualquer um pode deduzir que se estará aqui a ocultar a investigação ou qualquer tipo de análise a estes montantes, à sua origem e destino.”
Paulo Ralha nota ainda que “parece agora claro qual o objectivo da ‘lista VIP’: instituir um clima de medo dentro da casa, para impedir os trabalhadores de fazer o seu trabalho como faziam até então”.
Contactado pela Renascença, o antigo secretário de Estado Paulo Núncio recusa comentar estas declarações de Paulo Ralha por não lhes atribuir qualquer crédito e acrescenta que terá "muito gosto" em deslocar-se ao Parlamento, quando for convocado, para prestar todos os esclarecimentos que forem considerados necessários.
Assis: “Este assunto deve ser esclarecido rapidamente”
O caso dos 10 milhões que saíram para “offshores” é um caso grave ou um acto de propaganda, considera o eurodeputado socialista Francisco Assis.
“Das duas uma: ou estamos perante um erro grosseiro e gravíssimo da parte do anterior Governo ou estamos perante uma acção de propaganda que vai para além dos limites admissíveis por parte do actual Governo. Este assunto deve ser esclarecido rapidamente e é bom que assim seja”, defendeu esta quinta-feira na Renascença.
O fiscalista e parceiro de debate de Francisco Assis no programa Carla Rocha – Manhã da Renascença, Taborda da Gama, tem uma visão diferente do assunto.
“O fisco não investiga sempre tudo. Não estamos num estado policial em que o fisco tem que autorizar qualquer movimento cambial ou financeiro. O sistema está a funcionar bem”, começa por dizer.
Pequenas ou grandes, as transferências “são o que são. Elas não têm que ser investigadas todas”.
Taborda da Gama questiona mesmo “o timing da notícia: antes do debate quinzenal”.
“É claramente algo que permite a especulação de que [a notícia] é posta para ‘desinsuflar’ o balão Caixa Geral de Depósitos”, avança.