24 fev, 2017 - 20:31 • João Carlos Malta
Zeinal Bava gosta da fábula “Um Pavão numa Terra de Pinguins”, uma popular obra de BJ Gallagher Hateley e de Warren H. Schmidt, que faz parte dos manuais de gestão. Perry, o Pavão, colorido, inteligente, criativo, prático e sensível, foi convidado para a Terra dos Pinguins, aves monocromáticas e sem pretensões a voarem. A história é contada no livro “A Implosão da PT” das jornalistas Alexandra Machado e Alda Martins.
Zeinal até recomendava esta leitura talvez por ele próprio se identificar com Pavão, sobretudo quando entrou na PT, uma cinzenta terra de pinguins.
“Encontrou uma estrutura monocromática, com os pinguins todos iguais, que olharam para Bava intrigados, mas sem esconderem a admiração”, escrevem as jornalistas.
O gestor, que era considerado o Messi das telecomunicações, era um ícone da gestão em Portugal. Um país que no início do milénio queria abraçar os desafios do futuro e das tecnologias. Bava foi intocável durante muito tempo. Na imprensa, na gestão, nas teias do poder.
Um homem tão sofisticado que pontuava todas as intervenções com expressões em inglês. Outra imagem de marca.
Bava coleccionou amigos e fiéis, ganhou influência e o prestígio ganhou asas internacionais. Venceu prémios, muitos. Hoje há quem diga que foram encomendados para lhe alimentar o ego e fazer crescer o corpo de séquitos que tinha no país.
“Competente, inteligente, metódico, organizado, mas também maquiavélico e dono de uma enorme ambição, é um dos administradores mais acessíveis e afáveis no trato dentro da PT”. Era assim que o gestor era descrito num perfil da revista Visão em 2008.
Em 2014, o jornal "Público" ouve uma série de pessoas que conviveram com Bava, que depois de rebentar o escândalo da PT não lhe pouparam críticas. Nessa peça, a jornalista escreve que “curiosamente ou não, há quatro anos, no tal primeiro perfil de Bava, o 'Público' não conseguiu pessoas que assumissem as críticas que agora se apontam ao gestor”.
Mais tarde, houve quem o acusasse de ter ganho confiança e poder porque foi de extrema generosidade em termos de dividendos e "transformou a PT no Euromilhões dos accionistas", chegou a dizer a Comissão de Trabalhadores da empresa.
À conquista da PT
Zeinal nasce em 1965 em Moçambique e estudou na University College of London, onde se formou em Engenharia Electrónica. Fez carreira na banca de investimento, com passagens por bancos como o Merryll Lynch. Chegou à PT em 1999, pela mão de Eduardo Martins, um dos históricos que, em 2001. Martins acabou por ter de sair da empresa em conflito com o antigo protegido.
Zeinal Bava teve uma ascensão meteórica. Foi acumulando cargos. Além de administrador financeiro da PT SGPS alcançou, em 2003, a presidência da PT Multimédia.
Seguiu-se a liderança da TMN, e quando em 2007 os negócios da Multimédia foram separados, assumiu a liderança da concorrente directa, a PT Comunicações, que, aos poucos, juntou com a TMN (agora são a Meo).
Passou por todas as áreas de negócio. Passo a passo, o caminho até à liderança foi-se fazendo. O pavão começou a ter a confiança dos pinguins. Em 2008, alcança a liderança do grupo o que mereceu de Henrique Granadeiro o seguinte comentário, citado pelo "Diário de Notícias": "Temos defeitos compatíveis". Granadeiro passou a não executivo.
A influência de Bava foi crescendo e com ela ficou cada vez mais perto do poder, daqueles que mandavam mesmo no país. Salgado, aquele que foi "dono disto tudo", e José Sócrates, primeiro-ministro durante seis anos.
A cara do choque tecnológico
Em a “Implosão da PT” é descrito que Bava deu a cara por projectos acarinhados por José Sócrates, como o da expansão da banda larga, o das redes de nova geração e o programa e-escolas. Em todos eles, a PT surgiu como um dos principais impulsionadores.
A tentativa de compra da TVI pela PT foi outro um dos momentos em que a relação entre Bava e Sócrates mais foi falada. A estação de Queluz de Baixo e especialmente o jornal apresentado por Manuela Moura Guedes tinham sempre as objectivas apontadas para o ex-primeiro-ministro. E é neste contexto que aparece a vontade da empresa de telecomunicações comprar a estação de televisão.
“Ninguém acreditaria que, no contexto das eleições legislativas e do conflito entre o primeiro-ministro e a TVI, aquele negócio não fosse um frete ao primeiro-ministro”, chegou a dizer Henrique Granadeiro, ex-presidente da PT, durante a sua audição na Comissão de Ética no Parlamento.
Zeinal negou tudo. "Somos uma empresa, a nível executivo, indiferente à política", sublinhou.
Outro momento marcante da recente biografia do gestor é a compra pela PT de 900 milhões de euros de papel comercial da Rioforte, "holding" do grupo GES, e o envolvimento que teve na decisão. A questão deu origem a um dos momentos mais marcantes da Comissão de Inquérito à queda do BES com a deputada Mariana Mortágua a criticar Zeinal pelo “amadorismo”.
Arguido na operação Marquês
Já em Junho do ano passado, os investigadores da “Operação Marquês” saíram à rua para realizar novas buscas, à casa de Granadeiro e de Zeinal Bava. Em causa, estava à época, segundo a Procuradoria, eventuais ligações entre circuitos financeiros investigados neste inquérito e os grupos PT e Espírito Santo.
Oito meses depois, os dois homens fortes da PT são constituídos arguidos suspeitos de "fraude fiscal, corrupção passiva e branqueamento de capitais".
Recentemente, foi noticiado que na investigação da Operação Marquês, Salgado teria pago luvas a Sócrates e Bava para que o beneficiassem directamente naquilo que dizia respeito às decisões da PT.
O ex-banqueiro disse que o pagamento de mais de 18 milhões a Zeinal era apenas uma forma de o segurar na empresa de telecomunicações e não permitir que saísse para uma concorrente.
Zeinal, que teve o país mediático, político e económico aos seus pés, caiu. E com estrondo. Para ele que tinha conquistado a fama de exigente, implacável para os que erraram com ele e defensor da cultura de mérito, a forma como a PT se desfez em pedaços também acabou por lhe desfazer a imagem que construiu ao longo de 20 anos. Agora parece condenado nos próximos anos a defender nos tribunais a sua honra e idoneidade em vários processos.