06 abr, 2017 - 00:00 • Raquel Abecasis (Renascença) e Vítor Costa (Público)
Bagão Félix na Hora da Verdade:
Bagão Félix não alinha no clima de tranquilidade em relação ao universo Montepio e diz mesmo que no ministério que tutela a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) não há capacidade para fazer a supervisão dos produtos que são vendidos aos balcões da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG).
O economista, que já foi ministro do Trabalho e da Segurança Social, ministro das Finanças e administrador do Banco de Portugal, concorreu às últimas eleições para a Associação Mutualista, para o conselho fiscal, mas perdeu. Bagão Félix diz que uma mudança de nome na CEMG não resolverá nada e está contra a entrada das misericórdias no capital da Caixa.
Preocupa-o a actual situação vivida em torno da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG)?
Estou preocupado enquanto português, cidadão e contribuinte. É uma instituição que tem um passado, uma história e um acervo daquilo que é a ideia de mutualismo e estou preocupado com o que isso possa significar de erosão desta mesma noção de mutualismo.
O primeiro-ministro, ainda esta semana, em entrevista à Renascença, deu sinais de tranquilidade, designadamente tendo em conta a tutela feita pelo Ministério da Segurança Social. Também está tranquilo ou há motivos para preocupação?
Devemos estar preocupados. No princípio é uma situação que não preocupa ninguém, mas o que temos verificado em todos os casos do sistema bancário e financeiro é que aquilo que começa apenas por ser o verbo no fim é uma grande verba. E as notícias recentes sobre a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) – que é detida na totalidade pela AMMG –, sobre a possibilidade de outras entidades, como a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, poderem vir a fazer parte do capital da CEMG é um absoluto contra-senso, um disparate.
Porquê?
O espírito fundacional e os estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – uma pessoa colectiva de direito privado, mas de utilidade pública administrativa –, tanto quanto sei, é favorecer as pessoas que têm mais dificuldades, construir estruturas sociais para apoiar os grupos mais vulneráveis, do ponto de vista etário, relacional e económico, e não propriamente fazer parte do capital de um banco. Espero que não venha a acontecer. Além do mais, seria uma nacionalização parcial de um banco, neste caso da Caixa Económica, por via da Santa Casa, que tem o exclusivo dos jogos sociais.
Parece-lhe uma tentativa desesperada de resolver os problemas da CEMG?
Parece-me uma ideia um pouco peregrina.
A ideia era transformar o Montepio num banco social.
Num banco destinado, ou potenciado, fundamentalmente para a economia social. Não sei o que é um banco potenciado para a economia social. Preciso que me expliquem. Provavelmente é uma insuficiência da minha parte. É por haver uma instituição, dita "de solidariedade social", ou mais, porque até se põe a hipótese de serem também outras misericórdias ou outras instituições sociais [a entrar no capital da Caixa Económica], que torna o banco, a sua gestão, o seu propósito, os seus objectivos, destinados à economia social? Já é. Ele é detido a 100% por uma mutualidade, que é uma instituição da chamada "economia social".
Uma das questões que se têm discutido tem que ver com a real capacidade do Ministério da Segurança Social, nos termos das suas competências, conseguir supervisionar a AMMG, designadamente os produtos emitidos por esta e vendidos nos balcões da Caixa Económica. Já foi o ministro com esta tutela. Há no ministério essa capacidade?
Não. Obviamente que não há. A supervisão – chamemos-lhe assim –, o acompanhamento, a fiscalização, que é a linguagem mais própria do ministério, sobre entidades sociais, neste caso a AMMG, é fundamentalmente formal, processual e de pura fiscalização, no sentido mais estrito do termo. Quanto à supervisão relativamente aos produtos que são vendidos nos balcões, evidentemente que não há ninguém... Não é uma crítica, é uma questão factual, sempre foi assim, não há ninguém nos serviços do ministério que esteja preparado para se articular em termos desta supervisão. Nesse sentido é mais adequado que a supervisão desses produtos, que são produtos de operações de capitalização, de planos de poupança e de reforma e outros similares, seja realizada pela autoridade de supervisão dos seguros e fundos de pensões.
Mas essa conversa já a ouvimos há dois ou três anos e a alteração legislativa não avança.
Isso é muito típico em Portugal. Até agora não avançou porque, verdadeiramente, enquanto não houver problemas, enquanto não houver fantasmas, as coisas continuam.
Já há fantasmas. Estamos numa situação parecida com a vivida no Banco Espírito Santo (BES) que vendia aos seus balcões produtos do Grupo Espírito Santo?
Não quero comparar, nem com a magnitude, nem com a natureza do incesto financeiro que havia entre o BES e os accionistas a montante. Em todo o caso, se fizer um inquérito aos sócios da AMMG sobre os produtos que têm na CEMG, verá que não sabem distinguir entre o depósito que têm na CEMG e um produto de capitalização pertencente à AMMG que foi vendido na CEMG. Esta distinção devia ser mais clara e é bom que o seja. Portanto, nesse domínio, não estou a falar da supervisão comportamental, mas da supervisão dos próprios produtos. Há algum caminho a fazer antes que seja tarde.
Numa tentativa de acabar com a ligação entre a AMMG e a CEMG, o Banco de Portugal terá posto em cima da mesa a obrigação de a Caixa Económica mudar de nome. O que lhe parece a ideia?
Como bom seria mudar o nome e resolver os problemas. No anterior regime mudava-se o nome para aparentar ser diferente o que era igual e agora mudam-se os nomes mais ou menos com a mesma finalidade. Isso não resolve nenhum problema. É uma questão adjacente e apenas de estética financeira. Não resolve o problema da ética financeira e não resolve o problema material dos problemas. Até acho que não se deveria mudar o nome.
Há mais a perder do que a ganhar?
Exactamente. Montepio é Montepio, é uma marca forte.
Face aos processos judiciais em que o presidente da AMMG, António Tomás Correia, é acusado, parece-lhe que ele devia sair?
É uma questão que depende de cada um. Se me perguntar o que faria numa circunstância dessas, obviamente, no dia seguinte não estaria em funções, independentemente de me considerar inocente. A pessoa fica mais limitada, não só pessoalmente. Em termos de gestão e numa situação dessas, qualquer pessoa tem o dever de olhar primeiro para a instituição que serve e só depois olhar para si.