21 abr, 2017 - 21:52
O Estado poderá ser chamado a pagar, em 2018 e 2019, as indemnizações aos clientes lesados do papel comercial do BES, caso o fundo criado para o efeito não tenha dinheiro disponível, segundo um diploma do Governo.
O executivo enviou ao parlamento na quinta-feira a proposta de lei para a constituição de fundos de recuperação de créditos, legislação que visa enquadrar a solução que compensará parcialmente os 4.000 clientes que investiram, aos balcões do Banco Espírito Santo (BES), 434 milhões de euros nas empresas Espírito Santo Financial e Rio Forte, e cujo investimento perderam com o colapso do Grupo Espírito Santo (no Verão de 2014).
Segundo o mecanismo de compensação acordado ao longo do último ano por um grupo de trabalhado criado propositadamente, os clientes que aceitem a solução irão recuperar 75% do valor investido, num máximo de 250 mil euros, isto se tiverem aplicações até 500 mil euros. Já acima desse valor, irão recuperar 50% do valor investido.
Por exemplo, quem fez uma aplicação de 400 mil euros receberá 250 mil euros, o valor máximo possível para esse montante, ainda que seja abaixo dos 75%. Já para uma aplicação de 600 mil, serão pagos 300 mil euros.
Ou seja, os clientes assumem perdas, mas recebem dinheiro por que teriam de esperar anos, provavelmente, para recuperar em processos em tribunal e de forma incerta.
O pagamento será feito por parcelas, sendo que 30% do total será recebido logo após o cliente assinar o contrato de adesão, que agora se prevê que aconteça entre Junho e Julho, enquanto o restante valor será pago em mais duas parcelas, em 2018 e 2019.
Segundo o acordo, as indemnizações serão pagas aos clientes lesados pelo fundo.
Contudo, como este não terá dinheiro, terá de se financiar junto da banca, referindo o diploma que o Estado pode prestar garantias quando "se afigure indispensável à obtenção de financiamento".
A legislação também refere outro mecanismo de financiamento, com intervenção mais directa pelo Estado.
"Em alternativa à celebração de um contrato de financiamento, e sendo isso também indispensável ao cumprimento de determinadas obrigações legais e contratuais do fundo de recuperação de créditos perante os participantes, o Estado pode ainda assegurar aos participantes a satisfação dos créditos pecuniários correspondentes", refere o ponto 2 do artigo 70.º do documento.
De acordo com informações recolhidas pela Lusa, o que se passará é que na celebração do contrato de adesão será concedida aos clientes lesados uma garantia estatal que assegura que receberão as segunda e terceira tranches da indemnização acordada.
Ou seja, se nessa altura o fundo não tiver dinheiro para pagar, cada cliente lesado pode accionar essa garantia e o Estado paga-lhes directamente, ficando depois o fundo em dívida perante o Estado.
A proposta de lei enquadra a criação de fundos de recuperação de créditos (desde já para fazer face à questão dos lesados do papel comercial, mas que poderá servir para constituir novos fundos de lesados no futuro), sendo justificada a sua necessidade com o facto de os mecanismos actualmente existentes serem "insuficientes para assegurar o enquadramento de soluções destinadas a minorar as perdas sofridas por investidores".
Estes fundos terão de ser aprovados pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que é quem faz a sua supervisão, terão a duração de 10 anos (pode ser prolongada), e terão isenção de custas judiciais.
Quanto ao valor que será pago pelo fundo aos lesados, este será isento de IRS até "ao limiar do capital originariamente investido".
Na quinta-feira, o grupo de trabalho dos lesados do papel comercial (constituído por Associação de Indignados e Enganados do Papel Comercial, CMVM, Banco de Portugal, 'banco mau' BES, com mediação do Governo, através do advogado Diogo Lacerda Machado) divulgou um comunicado no qual indicava que os lesados do papel comercial do BES terão de decidir até 26 de maio se aceitam ou não o mecanismo que visa compensá-los parcialmente pelas perdas sofridas.
Esses clientes deverão começar a receber os documentos com a proposta de solução no início de maio, tendo então cerca de 20 dias para tomarem a decisão.
Isto significa um novo atraso face ao calendário que previa que essa documentação fosse enviada até final de Março. Aliás, este processo tem tido atrasos sucessivos.
Em Março de 2016 ano passado, quando houve uma cerimónia pública para selar um compromisso entre a associação de lesados, CMVM e Banco de Portugal para chegar a uma solução, o primeiro-ministro, António Costa, estabeleceu o início de maio de 2016 como a data limite para ser encontrada uma solução, mas essa só chegaria em Dezembro, estando desde então a serem criadas as condições para ser executada.
Os clientes que queiram aderir a esta solução terão de cumprir uma série de obrigações.
Desde logo, os que puseram processos em tribunal contra entidades e administradores ligados ao GES deverão ceder os direitos judiciais ao fundo de indemnizações, que assumirá a litigância desses processos na Justiça e receberá as eventuais compensações.
Os clientes terão ainda de comprometer-se a renunciar a reclamações e processos judiciais contra uma série de entidades, entre elas o Banco de Portugal, a CMVM, o Fundo de Resolução bancário, o Estado, o Novo Banco e o comprador (a Lone Star).
A solução para os lesados do papel comercial poderá não ser aceite por todos os clientes, nomeadamente os que têm valores mais altos, acima dos 500 mil euros, que têm considerado que ficam prejudicados.