29 out, 2017 - 12:30 • José Carlos Silva
A bateria do veículo eléctrico, através da sua capacidade de armazenamento, pode ser capaz de disponibilizar energia à rede pública. Em "situações críticas de operação" a energia armazenada pode apoiar o abastecimento da rede, explica João Peças Lopes, professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).
Em entrevista à Renascença, o catedrático debate a substituição do petróleo pela energia eléctrica e a adaptação da economia às mudanças.
O tema da mobilidade vai estar em destaque na Web Summit, que decorre entre 6 e 9 de Novembro, em Lisboa.
Qual é o principal desafio da mobilidade eléctrica?
A mobilidade eléctrica vai exigir carregar as baterias, seja o carregamento feito através de carregadores rápidos - que é o que mais se aproxima do modelo que temos hoje - que é irmos à bomba de gasolina e carregarmos a bateria rapidamente, ou seja, enchermos o depósito. Mas aquilo que temos de diferente na mobilidade eléctrica, é que está estudado, as pessoas preferem mais carregar o seu automóvel em casa, que numa instalação pública, se o puderem fazer.
Mas isso já fazemos, mas a vossa visão é diferente...
Não, o que quero dizer é que, para conseguir o carregamento controlado que não venha a sobrecarregar as infraestruturas da rede e as infraestruturas do sistema electroprodutor, é preciso haver algum controlo sobre o carregamento. E esse controlo tem de ser feito à custa de uma rede de comunicação com os pontos de carregamento. Estamos a universalizar o conceito, levando-o para as instalações domésticas, para os condomínios, enfim, para todo o lado.
Porque até agora carregamos os veículos em casa, poderemos passar a fazer o contrário, dar energia às casas.
Exactamente, podemos ter uma situação em que a bateria do veículo eléctrico, sendo um elementos de armazenamento de energia, é capaz de disponibilizar a energia à rede eléctrica, dando-lhe apoio em situações criticas de operação. É o tal conceito a que chamei, de "veicule to grid", que é o veiculo apoia a rede eléctrica, mas para isso é preciso um pouco mais. Não chega o conceito, é preciso que os inversores, ou seja, os sistemas de carregamento dos veículos eléctricos sejam bi-direccionais.
Ou seja, comuniquem nos dois sentidos.
Exactamente, ou seja, absorvam energia, que é o que fazem hoje, absorvem a energia eléctrica, mas é preciso que sejam capazes de fornecer energia eléctrica quando são solicitados para esse efeito.
Ou seja, o meu carro eléctrico poderia ajudar-me fazer o aquecimento eléctrico da minha habitação...
Perfeitamente. Ou da sua habitação, ou a dos vizinhos do lado no caso da energia eléctrica estar condicionada a montante, e ser preciso descongestioná-la. Então eu vou utilizar as baterias de alguns consumidores na zona para evitar um pico de consumo que só se resolveria no futuro, reforçando a rede, aumentando os custos de investimento que são transferidos para a tarifa, e que no fim vão fazer com que a energia eléctrica paga por todos seja superior.
Acha que é inevitável esse caminho da bi-direcionalidade?
Acho que esta situação vai ter lugar no futuro.
Os cenários apontam para, no caso de haver um boom na compra de carros eléctricos, os consumidores, quer tenham um carro eléctrico ou não, vão pagar por isso.
Não concordo com isso. A infraestrutura da rede tal como a temos hoje e a rede da infraestrutura do sistema electroprodutor, como a temos hoje, e desde que utilizemos estratégias inteligentes das baterias, ou seja privilegiando os carregamentos nocturnos, ou quando há maior folga nas redes, não vai ser necessário reforçar a infraestrutura, e assim não tenho sobre-custos do sistema eléctrico, e como tal não vou aumentar o preço da electricidade aos consumidores finais.
Mas há outro cenário...
O outro cenário é se todos adoptarmos uma estratégia de não cooperação com os outros, fazendo o carregamento quando bem nos apetecer, à hora que quisermos, aí vamos pagar. Porque o sistema não tem capacidade, vai obrigar a reforço e então, sim, teremos um aumento do preço da electricidade por necessidade de mais infraestruturas do sistema electroprodutor, para produzir energia às horas de ponta, como também a rede não terá capacidade de satisfazer a procura, sem violar as restrições de operação.
Fala também de novos operadores ou novos parceiros de negócio?
Bem, esse parceiro já existe, a Mobi-e. O que digo é que no futuro podem ser vários.
Fornecendo energia para os automóveis?
Sim, e serviços de flexibilidade. Ou seja, se o utilizador do veiculo eléctrico, estiver disponível para modular o carregamento da sua bateria, e até fornecer energia em certos períodos, pode ganhar dinheiro, e reduzir a sua conta de energia eléctrica, porque forneceu serviços.
E este futuro é para daqui a quantos anos?
Os próximos 10 anos vão levar a que tudo isto aconteça.