05 jun, 2018 - 16:59 • Sandra Afonso
As metas ambientais não serão cumpridas enquanto os países pobres tiverem carbono a custo zero. O aviso é de Jean Tirole, Nobel da Economia em 2014, que acabou de lançar em Portugal o seu mais recente livro, "Economia do Bem Comum", com chancela Guerra & Paz.
Em entrevista à Renascença, defende que os países desenvolvidos fizeram um "esforço limitado" nos últimos 30 anos para reduzir as emissões de carbono. O que falhou, aponta o economista, foi não ter sido definido à partida um preço único para as emissões, o que fez com que o problema passasse para outros países, ainda que o impacto no planeta seja o mesmo.
Crítico das taxas aduaneiras que Donald Trump decidiu aplicar sobre importações da UE e de outros parceiros comerciais dos EUA, Tirole também avisa que a revolução digital vai ser dolorosa. Os salários vão baixar e muitos deverão perder os seus empregos, o que deverá alimentar populismos, "como já estamos a assistir".
Sobre a teoria de que a redução do horário de trabalho cria mais empregos, ressalta que não há dados que o confirmem. Alerta também para a necessidade de se corrigirem as falhas do mercado e de se criar regulação inteligente para controlar os monopólios.
Diz que o mercado tem falhas que devem ser corrigidas. Quais considera mais graves?
Bem, existem várias falhas e deficiências, uma delas a possibilidade de as empresas terem poder de mercado, daí existirem políticas para prevenir monopólios, existir regulação, inspeções de qualidade na alimentação, regulação prudencial na banca e seguros para garantir o retorno do dinheiro aos consumidores. Mas também existem internalidades, o que significa não responder aos meus melhores interesses, não poupar o suficiente ou consumir demasiado álcool ou cigarros. As externalidades, pelo contrário, é quando estou a poluir e a emitir demasiado carbono. A desigualdade salarial é também uma falha do mercado e, por isso, cabe ao Governo corrigi-la.
Defende que, para as negociações de proteção do ambiente regressarem ao bom caminho, deve ser estipulado um preço único para o carbono. Porquê?
Primeiro temos de dar incentivos. Enquanto as pessoas não tiverem de pagar pelas emissões, vão continuar a emitir, vão fazer pequenos esforços, mas aquilo a que assistimos nos últimos 30 anos é que não existem compromissos sérios. A maior parte das reduções das emissões de carbono vieram da substituição do carvão, do gás de xisto e esse tipo de coisas. Isso é fortuito, em vez de ser uma política deliberada de redução de emissões. O que precisamos é de uma política de preços no carbono.
Agora, porquê um preço único? Porque uma tonelada de carbono emitida na Índia equivale a uma tonelada de carbono emitida nos Estados Unidos, não depende do país, não depende da fonte de emissão e tem exatamente o mesmo impacto no planeta. Se as pessoas se querem responsabilizar pelo mal que fazem ao planeta, estamos perante um problema de desigualdade enquanto não fixarmos um preço para o carbono na Índia, na China, no Brasil, em África.
A maior parte das emissões virá destes países nos próximos anos e nós nunca vamos conseguir manter os objetivos. O que temos de fazer é ser generosos de outras formas, mas não com o carbono a custo zero, isso é um grande erro. Devemos ter o mesmo preço de carbono e ser generosos com transferências, por exemplo.
Grandes multinacionais, em setores como banca e energia, estão a crescer na Europa e no resto do mundo. Isso pode ser prejudicial para os consumidores?
Há tendência para a formação de grandes empresas, para se formarem monopólios, e isso exige que pensemos em novas formas de legislar. Desde sempre tivemos, nas telecomunicações, energia e transportes, tanto a regulação como o direito da concorrência, que aplicamos em diferentes mercados. Eles estão obsoletos e temos de reinventar a regulação para garantir que não abusam da posição dominante. Não queremos matar a inovação, precisamos é de regulação inteligente.
Com políticas protecionistas, como as tarifas de Trump sobre importações, corremos o risco de uma nova crise mundial?
Não estou preocupado com uma crise mundial. Mas acho uma má ideia e uma política egoísta. Pode ajudar ligeiramente, a curto prazo, as indústrias que estão protegidas nos EUA, mas os outros países vão acabar por retaliar, o que já está a acontecer, e isso significa que as indústrias americanas exportadoras vão acabar por despedir trabalhadores. No final ninguém vai beneficiar [disto] e haverá tendência para se criarem monopólios nos países, porque já não têm armas para competirem. No longo prazo é uma má solução, cada país por si não é o mais acertado.
Porque é que a entrada massiva de imigrantes num país não afeta a taxa de emprego?
Pode afetar a taxa de emprego a curto prazo, não temos dados suficientes sobre isso, mas é claro que não devemos tomar o número de empregos como fixo, pode expandir. É normal que haja um pouco mais de investimento nas fábricas que contratam, mas há várias análises em que nada mudou.
A mais famosa é dos anos 1980, durou alguns meses, quando muitas pessoas se mudaram de Cuba para Miami por um curto período de tempo. Isso não criou desemprego nem reduziu os ordenados dos locais, porque a indústria têxtil chegou a Miami e novos empregos foram criados. Não digo que seja sempre assim, a curto prazo pode haver um efeito negativo para quem compete com os migrantes, mas no final o número de empregos ajusta-se.
O importante é ter um mercado de trabalho que consegue receber os migrantes. Se pensarmos na crise da Síria, apesar de um milhão de pessoas terem ido para a Alemanha em 2015, apenas 80 mil foram para França, isto porque em França as leis laborais dificultam o acesso dos migrantes ao emprego.
Portugal, tal como muitos países europeus, está a envelhecer. Abrir as portas à imigração é uma solução?
Não sou especialista em Portugal, mas o Japão tem o mesmo problema há muito tempo e eles não são muito abertos à imigração, estão a tentar mudar agora. É verdade que um dos benefícios da imigração é que os migrantes chegam em idade ativa, contribuem para a segurança social e para o pagamento das reformas, o que em países envelhecidos pode ser uma solução.
E a redução do horário de trabalho, como vai afetar a taxa de emprego?
Não cabe aos economistas decidir se devemos trabalhar 35 horas, 20 horas ou 10 horas. É uma escolha da sociedade. Provavelmente nem deve ser um número uniforme, as pessoas são diferentes e têm diferentes trabalhos, precisamos de alguma flexibilidade. Em França entendeu-se que, ao ter uma semana de trabalho mais pequena, seriam criados postos de trabalho, mas o custo de trabalho aumentou. Isso foi suportado com dinheiro público, o que levanta um problema, e não existem provas claras de que isto reduza o desemprego noutros locais.
Diz que com a liberalização e a globalização os bons talentos estão destinados a rumar a países que lhes oferecem melhores condições. Há forma de impedir isto?
Sendo atrativos. Não podemos manter as pessoas, sobretudo se pensarmos em investigadores, professores, empreendedores, etc. Hoje são pessoas altamente móveis, todas falam inglês, veem-se como cidadãos do mundo. Preferem trabalhar no próprio país, como eu, que voltei dos EUA para criar alguma coisa no meu país, mas se a diferença é muito grande as pessoas emigram e, obviamente, isso gera preocupação, porque os empregos são criados noutro lado.
Vemos agora as novas empresas de biotecnologia, de novas tecnologias, de Inteligência Artificial e por aí fora... É verdade que estão a ser criadas sobretudo nos EUA e na China e, se olharmos para os Estados Unidos, a maioria está a ser criada por estrangeiros. A maioria dos cientistas de topo europeus está nos EUA. Temos pessoas formadas, com custos elevados, que trabalham bastante bem mas que saem do país. Isto é uma tendência que não vai passar. No início da minha carreira era invulgar migrar para os EUA, talvez para estudar, mas não para ficar, quando agora é vulgar. A única forma de reter talentos é tornar os países atrativos.
Ainda sobre o trabalho, escreve que a revolução digital, apesar de positiva, vai obrigar parte da população a aceitar salários mais baixos e vai aumentar as desigualdades.
Isto é apenas uma previsão e admito que os economistas não são bons a fazer previsões. Basicamente, nos últimos 30 anos tem-se assistido a uma polarização, ou seja, a classe média está a desaparecer, a classe alta está bastante bem, rica e a comprar bens a preços baixos, mas as pessoas menos qualificadas viram os salários estagnar nas ultimas décadas, o que é frustrante. A questão agora é se esta tendência vai continuar com a Inteligência Artificial.
Aquilo de que tenho a certeza é que as pessoas na fronteira, que sentem estar a sair-se bem, desde os artistas aos engenheiros da Inteligência Artificial e outros, vão continuar a sair-se extremamente bem, porque têm o mercado à disposição. Mas e os outros? Vão conseguir empregos tecnológicos? E não são só os jovens, há também os taxistas que, com os carros autónomos, deixam de ter táxis para conduzir, a par de outras tarefas que vão desaparecer. Profissões mais especializadas, como advogados e médicos, podem vir a ser substituídos por algoritmos.
Vai ser um ajustamento difícil. Não quero fazer muitas previsões, mas estou preocupado porque isto pode acontecer, acho que vai ser difícil para os políticos, porque as pessoas vão ficar legitimamente frustradas, vão pensar que não estão a fazer um bom negócio, vão acabar por tornar-se populistas, como já estamos a assistir. É uma preocupação.
O populismo é a derrota da razão?
Penso que os populistas são muito bons a jogar com os nossos preconceitos cognitivos, o facto de acreditarmos no que queremos acreditar, o facto de nos ficarmos pelas primeiras impressões, o que torna difícil passar a mensagem científica. Parte da frustração e dos medos é legítima e eles brincam com isso e propõem coisas completamente irrealistas, que não fazem qualquer sentido, conduzem para o desastre económico, são egoístas e, por vezes, racistas.
Gosto de criticar os especialistas, mas a sociedade sem especialistas não é uma boa sociedade, porque qualquer ideia vale. Pode dizer-se o que bem se entender, não existem factos, em medicina, em biologia, em ciência climática, em economia, em qualquer disciplina já não existem factos e qualquer coisa vale, já não existe razão. A sociedade sem razão caminha para o desastre.
Mas os especialistas não podem por vezes ter interesses próprios?
Os especialistas algumas vezes devem ser responsabilizados, sim. Podemos ter conflitos de interesse financeiros, podemos defender uma linha política por estarmos envolvidos em política, podemos querer ser reconhecidos como uma figura pública e aparecer na rádio. Há também a influência, claro. Também temos de disciplinar os especialistas, temos de garantir que fazem o seu trabalho e que não enviam a mensagem errada. Os especialistas também têm de ser modestos e dizer “o que sabem hoje”, porque amanhã pode mudar, estamos a aprender, mas é o melhor que sabem agora e é melhor do que o que dizem os populistas. Essa é a dificuldade, temos de ser simultaneamente modestos enquanto garantimos conhecimento. Ainda que seja impreciso, será extremamente útil em comparação com a alternativa.
Enfrenta este problema?
Tentamos explicar coisas. A economia tem este problema há muito tempo. Fomos acusados de não prevermos a crise de 2008, uma pequena parte é justificada, mas fundamentalmente foram também os políticos que não quiseram regular os bancos e que não fizeram o trabalho deles. Isso também é importante que se saiba. Temos de explicar melhor as coisas, normalmente usamos jargão. Como investigador, o meu incentivo é publicar artigos científicos, não explicar economia a um público mais alargado, mas nos últimos quatro anos sinto cada vez mais esta responsabilidade, não só de falar com governos, especialistas e bancos centrais, mas de ir mais além e explicar o que fazemos.