11 out, 2018 - 00:01 • Sandra Afonso (Renascença) e Raquel Martins (Público)
A menos de uma semana da apresentação do Orçamento do Estado (OE) para 2019, António Saraiva desafia o Governo a olhar para as empresas "como motores de desenvolvimento económico" e a avaliar as 50 propostas que a CIP lhe enviou, em particular as que visam reforçar a qualificação dos trabalhadores. O presidente da confederação que representa à volta de 115 mil empresas pede ainda que as decisões tomadas para a função pública não sejam compensadas por aumentos de impostos, alertando que as famílias e as empresas já estão no limite da carga fiscal. Em junho, António Saraiva surpreendeu tudo e todos ao declarar que os patrões poderiam aceitar que o SMN ficasse acima dos 600 euros em 2019. Mas, passados três meses, diz que os indicadores não são favoráveis para ir além dos 600 euros. Pelo caminho critica o PSD por estar envolvido em divisões internas em vez de fazer uma oposição assertiva ao Governo.
Há dias disse que o Governo não deve meter-se na política salarial dos privados. Como líder da CIP, o que aconselha para o próximo ano às empresas?
Que continuem a manter a resiliência, a inovar nos seus produtos e a acrescentar valor. Esse é o caminho para explorarem novos mercados, melhorarem as margens, aumentarem as vendas e, com isso, melhorarem as suas estruturas salariais o que, aliás, já está a acontecer.
Há trabalhadores que dizem que não têm aumentos há cinco ou dez anos.
Não sei se assim é. Admito que alguns sectores ou empresas mais fragilizadas e mais expostas à concorrência internacional e que, por qualquer razão, não tenham feito este caminho de modernização e de inovação tenham mantido os salários para não fazer perigar a sua sobrevivência. Na generalidade das empresas que a CIP representa temos assistido a aumentos salariais.
Em Junho disse que os patrões poderiam surpreender a sociedade portuguesa e aceitar um Salário Mínimo Nacional (SMN) acima de 600 euros em 2019. Continua a considerar que há condições para ir além dos 600 euros?
Em junho, disse-o por duas razões. Primeiro, porque até agora a discussão do SMN tem estado, invariavelmente, do lado do Governo e das centrais sindicais, enquanto às entidades patronais cabe apenas a subscrição dos valores que uns e outros vão dirimindo. É tempo de chamar as entidades patronais, que são quem paga os salários, a esta discussão. Sempre temos dito que o SMN tem de estar indexado a fatores mensuráveis: a produtividade, o crescimento económico e a inflação. Avaliando estes critérios e se os mesmos forem positivos – sendo certo que muitas empresas estão a vender mais e a exportar mais e porque nas 115 mil empresas que a CIP representa a esmagadora maioria já paga acima dos 600 euros – poderíamos admitir [ir mais longe]. Por outro lado, estávamos a querer introduzir na discussão do futuro OE para 2019 alguns novos critérios para que, em sede de negociação, pudéssemos ter alguns ganhos de causa. Lamentavelmente, isso foi mal compreendido e indicadores como a produtividade continuam a cair e o investimento não dá sinais de recuperação. De junho para cá, acho que não há condições para elevar o SMN além daquele valor que o Governo já nos apresentou e que será, em janeiro de 2019, os 600 euros.
Na função pública houve uma viravolta por parte do Governo. Em abril não havia intenção de aumentar os salários dos funcionários públicos e agora há 50 milhões de euros para esse fim. Como vê esta decisão? É uma medida eleitoralista?
É um lugar-comum dizer que os orçamentos são sempre momentos de escolha e de opções. O Governo, se tomou essa opção, terá feito os seus cálculos. O que gostaríamos que houvesse preocupação e atenção é que aumentos de salários, chamar ao quadro os precários ou os horários de 35 horas acarretam inevitável aumento da despesa. Defendemos que os orçamentos devem ser feitos tentando reduzir a despesa e não aumentando-a, porque quando se aumenta a despesa, inevitavelmente vai-se captar receita para compensar. Não desejamos que, mais uma vez, as despesas - sendo que algumas possam ter critérios legítimos e socialmente aceitáveis - venham a ser compensadas por aumento de impostos; porque quer as empresas, quer as famílias estão exauridas na capacidade de suportar novos impostos.
Na última entrevista que deu à Renascença e ao Público disse que o novo PSD devia libertar o Governo da dependência que tem da esquerda. Ainda se revê nesta frase? A liderança de Rui Rio caminha neste sentido?
De alguma maneira revejo, porque de então para cá não vejo grandes alterações no comportamento parlamentar do PSD. A democracia ganharia com alternâncias e com oposições assertivas, construtivas, que intervenham, que façam propostas, que de uma maneira consequente melhorem a democracia. O PSD - pelas divisões internas, por esta liderança e pela contestação a esta liderança de Rui Rio - tem andado envolvido em questões internas e isso não lhe terá permitido um trabalho político mais consequente e mais assertivo em sede parlamentar. O grande desejo que alimento é que o Parlamento possa ter, num quadro eleitoral futuro, uma maioria que permita que o país possa produzir as reformas de que necessita e que lamentavelmente têm sido adiadas.
Além da eliminação do Pagamento Especial por Conta (PEC), tem indicação de mais algumas propostas, das que foram apresentadas pela CIP, que possam vir a ser contempladas no orçamento?
Em conversa com o atual Governo percebemos que entre a apresentação das nossas propostas e a sua aceitação por parte do Governo há um delay de 12 meses. Há dias, o ministro [adjunto] Pedro Siza Vieira dizia-nos que algumas das 14 propostas que apresentámos no ano passado vão estar contempladas no OE para 2019.
Quais?
A que permite que os lucros retidos e reinvestidos tenham benefícios fiscais, outras relacionadas com o acesso a melhores condições de financiamento por parte das empresas no programa Capitalizar. Gostaríamos que não houvesse este atraso e que algumas das 50 propostas que apresentámos este ano sejam contempladas no OE.
Tem havido reuniões entre a CIP e o Governo?
Tem havido reuniões e temos pedidos de audiências. Na última reunião de Concertação Social, o ministro das Finanças [Mário Centeno] apresentou as linhas gerais do OE e trouxe-nos a notícia da eliminação do PEC; a melhoria do tratamento das horas extra, uma velha pretensão das empresas, para agilizar a disponibilidade dos trabalhadores para realizar trabalho extraordinário sem grande penalização em sede fiscal, e pouco mais adiantou. O orçamento, do ponto de vista das empresas, tem de ser mais ambicioso. O Governo tem de olhar para as empresas como motor de desenvolvimento económico e não, como todos têm olhado, como fonte de receita.
Uma das propostas da CIP para o OE passa por alocar uma parcela da Taxa Social Única (TSU) a uma conta específica de cada empresa para formação profissional. Uma parte da TSU não se destina já à formação? O que está por detrás desta proposta e o que traz de diferente?
É a necessidade que todos sentimos de melhorar a qualificação dos recursos humanos. Não tem muito de diferente, é uma questão de focalização. Das verbas dos dois programas do Fundo Social Europeu, uma ínfima parte é utilizada pelas entidades privadas e uma grande fatia é utilizada pelo sector público - há aqui qualquer coisa que não está bem. Temos de olhar para isto e deixarmo-nos desta enorme confusão, que ao longo dos tempos tem existido, entre formação profissional e educação. São coisas diferentes, devem ter tratamentos diferentes.
Essas verbas seriam transferidas para o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), por exemplo?
Seriam verbas que as empresas teriam disponíveis para formar os seus recursos humanos de acordo com as suas necessidades, devolvendo à Segurança Social se não utilizassem a totalidade das verbas ou se a inspeção, que tem de existir, concluir que aquele valor não foi usado para aumentar as qualificações dos trabalhadores.
Portanto, seria dinheiro que ficaria na empresa.
Ficaria na empresa, destinado exclusivamente a esse fim.
As ferramentas já existentes estão a ser aproveitadas para formações úteis por parte das empresas?
Estão. A empregabilidade de qualquer dos centros ou escolas de formação profissional afetos às entidades privadas ou associativas é total. Em 2017 não conseguimos abrir novas turmas porque as cativações não nos permitiram, este ano não temos cativações mas temos menos verbas no IEFP destinada aos centros deformação. São as empresas que sabem a formação de que necessitam. Hoje temos muitas dificuldades em ter um bom mecânico ou um eletricista auto.
Em algumas áreas as empresas queixam-se de falta de mão-de-obra. O que está a falhar?
O ritmo de mudança é permanente, há uma concorrência à escala global. A mão-de-obra portuguesa tem de elevar o seu nível de qualificações para que possamos melhorar a nossa competitividade. Esta é uma alteração que se interliga com outras políticas públicas e passa até pela captação de imigração qualificada e de trazer de novo os que saíram, dando-lhes melhores salários e garantindo-lhes contratos permanentes. As empresas têm novas necessidades e estão disponíveis para concederem condições de atratividade.
O défice zero é uma prioridade ou uma obsessão do Governo?
É uma prioridade, temos de caminhar para o défice zero, embora não devamos ser demasiado fundamentalistas.