15 nov, 2018 - 00:03 • Eunice Lourenço (Renascença) e Ana Sá Lopes (Público)
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A versão final ainda está em negociação, mas o PCP conta ainda incluir apoios sociais aos cuidadores informais no Orçamento do Estado. É o que anuncia o líder comunista, que também espera ter mais ganhos eleitorais na negociação na especialidade, nomeadamente no abono pré-natal e nos apoios aos desempregados de longa duração.
Em entrevista ao programa Hora da Verdade, Jerónimo de Sousa reconhece que o acordo com o governo tem corrido bem, mas avisa que sem uma rutura com as imposições europeias e com a “política de direita” não será possível ir mais além.
No fim de semana passado tivemos a convenção do Bloco de Esquerda onde ficou muito claro que aquele partido quer ir para o Governo. O PCP quer ir para o mesmo Governo que o Bloco?
O que o PCP propõe é a rutura com esta política que apresenta défices estruturais de fundo. Quando se fala de Governo, é evidente que o Partido Comunista Português, em relação ao poder não se põe numa mera posição de partido de protesto. Mas coloca uma questão primeira: um governo para quê? Para quem? Para fazer que política? A ideia de querer participar no governo a todo o custo, independentemente das políticas que esse governo vai realizar, não corresponde à necessidade de um caminho novo e de uma política alternativa.
E em que políticas é que é necessário haver ruturas com o PS para poder haver um acordo de governo?
Na forma de combater aquilo que são os défices estruturantes do nosso país, designadamente aumentar a produção nacional, que é a questão-chave e é daí que decorre depois o aumento do emprego - e também em relação à dívida, produzindo mais, devemos menos. Um outro eixo fundamental é a valorização do trabalho e dos trabalhadores, nos seus direitos, nos seus salários, na política fiscal, na legislação laboral. É preciso inverter aquilo que o PS teima em manter, como se verificou na proposta de lei da legislação laboral. É preciso também uma resposta efetiva a outros défices, como o da demografia. Não encontramos respostas nem solução duradoura. O défice agroalimentar é outro problema, a questão dos serviços públicos, da saúde, da educação, da própria segurança social, o défice energético. O que verificamos é que o Partido Socialista insiste em não encontrar respostas sólidas, a par desta questão central dos constrangimentos e das imposições da União Europeia e do euro, que conduz a uma ‘encanização’ - passe o termo - em relação à necessidade de desenvolvimento e crescimento económico. Encontra sempre ali barreiras...
O ministro dos Negócios Estrangeiros defendeu em entrevista também aqui à Renascença e ao Público que um próximo acordo numa nova legislatura devia implicar as questões internacionais e europeias. Alguma vez será possível o PCP e o PS chegarem a acordo em matéria europeia?
A vida é dinâmica. O que é verdade hoje pode ser mentira amanhã. Existe esta dificuldade, este bloqueio, este pedregulho de imposições por parte da União Europeia que condicionam qualquer perspetiva de que seja fácil uma convergência com o Partido Socialista.
Não será fácil, mas na convenção do Bloco de Esquerda não saiu como linha vermelha o facto do PS continuar a querer cumprir os compromissos europeus. Para fazer um acordo de Governo com o PS, o PCP exigiria que o PS abandonasse completamente a sua política europeia?
Estamos em crer que sem uma rutura com essas conceções não há uma verdadeira política alternativa. Infelizmente, tem sido a vida a demonstrar que temos razão. Na atual conjuntura, verificamos avanços significativos na reposição de rendimentos e direitos dos trabalhadores e do povo português, mas depois quando precisamos de ser mais audaciosos em relação ao investimento público...
Em fevereiro falávamos em contradições entre o PCP e o Governo que se podiam tornar insanáveis... Essa é uma das contradições insanáveis?
É uma contradição insanável que a vida coloca como uma grande questão na ordem do dia.
Mas o PCP não faz mesmo um acordo com um Governo PS na próxima legislatura por causa da Europa?
O PS não abdica da sua política europeia. Nós não abdicamos de princípios, valores e projetos que temos para a sociedade portuguesa, designadamente em relação a questões tão importantes como a dívida, o serviço da dívida, o défice orçamental em que se toma como quase algo intocável termos o direito de renegociação da dívida. Nós não dizemos não pagamos, não é isso. Defendemos a necessidade de renegociação. Hoje todos nos inquietamos com o desenvolvimento das forças xenófobas, racistas, do nacionalismo fechado, mas a verdade é que este mandonismo da União Europeia é fonte de alimento de sentimentos... Mal ou bem, as pessoas assumem como questão fundamental poder decidir da vida e do futuro do seu país. E se a União Europeia é um obstáculo a isso - e é - naturalmente surge como reflexo a resposta inquietante desses movimentos, que capitalizam para si a defesa da soberania e do desenvolvimento económico e social. A melhor resposta que se pode dar neste momento a essas forças é a garantia e a afirmação da nossa soberania nacional, não no quadro isolacionista, que não defendemos. Isto é uma dificuldade objetiva que um dia a vida vai clarificar.
Mas apesar dessa dificuldade objetiva foi possível um acordo para estes quatro anos. Não será possível um novo acordo que será diferente?
Justifica-se um pequeno exercício de memória histórica. Aconteceram as eleições legislativas e alterou-se a relação de forças na Assembleia da República. Aquilo que o Partido Comunista fez, na sua análise aos resultados eleitorais, foi considerar que havia condições para um governo minoritário do PS e que o Partido Socialista só não seria governo se não quisesse. Dito isto, obviamente que o próprio Partido Socialista teve um grande interesse por esta possibilidade (risos).
Este acordo correu bem? E vai correr até ao fim?
Correu, na medida em que, mesmo com todas as limitações, houve avanços na reposição de rendimentos e direitos. E eu acrescentava aqui uma questão: houve uma certa reposição da esperança do povo português de que era possível uma vida melhor. É um elemento subjetivo, mas que tem importância. O programa do Governo do PS era bastante limitado. O aumento extraordinário das reformas e das pensões não estava previsto. A reposição dos feriados nem estava na posição conjunta e foi aprovada pela Assembleia da República. Lembro-me que, durante as negociações, o Partido Socialista fez uma grande força para que nós aceitássemos na posição conjunta a votação favorável dos orçamentos. Foi um momento muito sensível em que nós afirmámos claramente que não passávamos cheques em branco.
E o que é ainda possível concretizar mais nesta legislatura?
É possível, no quadro do Orçamento, dar resposta a alguns problemas. Contamos com avanços na proteção social em relação ao abono pré-Natal e em relação aos cuidadores informais, aos desempregados de longa duração...
Em relação aos cuidadores informais o que está no Orçamento é no fundo uma declaração de boas intenções. O que se pode concretizar na especialidade?
A proposta do PCP não é apenas esse conforto. Defende apoios sociais para esse trabalho meritório e responsabiliza o Estado. Estamos ainda em fase de negociação.
E como vão votar a taxa da proteção civil?
Não estamos de acordo com a ideia da dupla tributação para os cidadãos que já pagam os seus impostos e depois ainda teriam, no seu concelho, pagar uma taxa, que significaria pagar a dobrar. Não acompanhamos a proposta do Governo.
Já é do domínio público que o primeiro-ministro António Costa prefere negociar com o PCP a negociar com o Bloco de Esquerda. Por que é que acha que isso acontece? Têm tido uma boa relação...
Há um elemento que me parece decisivo para que Costa possa ter essa opinião, que é o rigor e o fundamento dos nossos posicionamentos e propostas. E a franqueza, a seriedade e a frontalidade com que sempre lidámos com o Governo. Nós não temos um conjunto de bandeira e chegamos ali a São Bento e apresentamos ao Governo. Não. Apresentamos as propostas, fundamentamos, questionamos o Governo em relação às suas resistências. Um dos balanços que se podem fazer é que até aqui os compromissos que o Governo assumiu com o Partido Comunista Português foram cumpridos, o que não invalida a nossa crítica em relação a algumas matérias que o Governo se disponibilizou para resolver e depois começou a derrapar, a derrapar, a arrastar os pés...
Tais como?
Por exemplo, a questão dos professores, das forças de segurança, até da justiça. Havia uma norma do Orçamento de 2018 para a reposição e contagem do tempo de serviço e de repente o Governo resolveu não materializar aquilo que está no Orçamento em vigor. É um caso em que o Governo não cumpriu a palavra dada. Não nos vamos calar em relação ao decreto que o Governo publicou à revelia de qualquer negociação sindical. Vamos tentar alterar o decreto para repor o tempo de serviço dos professores e não chumbá-lo, ficando de mãos vazias.