22 jan, 2019 - 18:18 • João Carlos Malta
Qualquer que seja o ângulo para se olhar para os empréstimos da CGD aos espanhóis da La Seda, apenas se vê um enorme buraco. A empresa catalã, já insolvente, é o maior dos maiores devedores ao banco público, com mais de 214 milhões de euros em divida de um empréstimo de 476 milhões.
Nesta história há de tudo, desde políticos que tinham uma visão - como Sócrates e Manuel Pinho - a empresários que sustentaram essa política, passando por bancos que lhe deram músculo financeiro. A Caixa Geral foi só a instituição mais exposta, mas o BCP e o BES também por lá andaram.
Com a ajuda do livro "Caixa Negra", do jornalista Diogo Cavaleiro, vamos contar este capítulo de um negócio que foi um fracasso a todos os níveis.
Verão de 2006. A entrada da Caixa na La Seda foi uma determinação política do então primeiro-ministro José Sócrates e do ministro da Economia, Manuel Pinho, que defendiam que as empresas portuguesas deviam ter um perfil ibérico. À frente da Caixa estavam Carlos Santos Ferreira e Armando Vara, que deram suporte financeiro ao desígnio político.
Neste contexto, a Galp queria avançar para a reconversão da refinaria de Sines. A ideia do Governo era que pudesse ter ali por perto mais unidades industriais. E aparece uma empresa da Catalunha: a La Seda Barcelona, uma petroquímica espanhola que produzia fibras artificiais e sintéticas nas suas várias fábricas pela Europa.
Os dados eram aparentemente todos positivos: um grupo em expansão, um acionista português, Manuel Matos Gil, dono da Imatosgil, e a procura de um parceiro para uma nova unidade industrial.
Do lado de cá da fronteira, havia a vontade de atrair este investimento. A estratégia foi de o Estado entrar no capital da La Seda ao ponto de ter um assento no conselho de administração da companhia, para assim ter voz nas decisões estratégicas da empresa e trazê-la para Portugal.
Entrada em 2006
O veículo que entrou no capital da empresa foi a Caixa Geral de Depósitos, através da capital de risco. À data, Carlos Santos Ferreira era o presidente do banco público e Jorge Tomé, que seria depois líder do Banif, estava à frente do Caixa – Banco de Investimento, que tinha a capital de risco sob a sua alçada.
Assim acontece, em 2006 dá-se a entrada na empresa catalã. Nessa altura, é feito um acordo parassocial entre a Caixa e o Grupo Imatosgil para votarem juntos com os seus 15%, e assim concretizar o investimento em Sines, em que o grupo público ficaria responsável por procurar, ou assegurar, financiamento.
Em “Caixa Negra” é descrito que a unidade de Sines, que ganharia o nome de Artlant PTA, iria produzir ácido tereftálico purificado, o PTA, que é aplicado na produção de politereftalato de etileno, o PET. Este último é utilizado em fibras e embalagens, sendo que têxteis, peças para automóveis e embalagens alimentares são as finalidades últimas da matéria-prima.
Dois anos depois concretiza-se a vinda do projeto para Portugal. A 13 de Março de 2008, na inauguração, Sócrates diz que “o Estado português tem bem consciência do que Sines significa e, por isso, algumas obras são decisivas para Sines e para o país.”
Pela Caixa já estava então Faria de Oliveira, o sucessor de Santos Ferreira à frente do banco público. Na altura, o líder da CGD afirmou que a posição na empresa catalã era “instrumental”, servindo para "apoiar o investimento industrial".
O projeto foi merecedor do selo PIN (Potencial Interesse Estratégico). Mas agora sabe-se que quando este investimento foi feito, já havia problemas em Barcelona.
Expansão aumenta dívida
Em 2008 começam as perdas em bolsa, desencadeadas pela crise do subprime que começara no ano anterior nos Estados Unidos. A La Seda Barcelona era cotada em bolsa, pelo que sentia diretamente esse efeito.
Os projetos de expansão fazem com que a dívida dispare. No livro do jornalista Diogo Cavaleiro está descrito que, nesta altura, já o Grupo Caixa tinha participado em financiamentos ao grupo petroquímico. Os grupos bancários internacionais interessados em grandes projetos, que o banco português esperava para avançar em Portugal, não estavam a aparecer.
Nesse ano, o banco público tem cerca de 80 milhões de euros de exposição em financiamentos à La Seda. Os valores sobem nos anos seguintes. A CGD aumentou a participação na companhia catalã, que crescera demasiado rápido e estava agora exposta às variações dos preços das matérias-primas.
"O Estado português tem bem consciência do que Sines significa e, por isso, algumas obras são decisivas para Sines e para o país". José Sócrates.
E três anos depois da entrada da CGD, no verão de 2009, é necessário um plano de reestruturação: financeiro, comercial e industrial.
Nesta altura, os problemas eram indisfarçáveis: as dificuldades da casa-mãe afetavam a construção do vizinho da Galp no pólo de Sines. A Caixa era acionista, financiadora e tinha ainda o projeto de Sines.
A construção atrasou-se. Faltava dinheiro. Discutia-se a viabilidade da catalã, com fábricas a serem construídas e uma dívida de centenas de milhões de euros.
Entrada da BA Vidro
Ainda se tenta dar nova vida ao projeto, com a entrada de Carlos Moreira da Silva, dono da BA Vidro, e que entra como administrador indicado pela Caixa. Mais tarde, a BA Vidro passa a ser o maior acionista da La Seda, com 18% do capital.
Na mesma data a Caixa passa a ter 14,8% do capital, depois de reconverter créditos em capital.
A participação do setor bancário não se ficou por aqui. Na mesma época, o BCP, então sob a liderança de Carlos Santos Ferreira, entra nesta mesma operação para converter um crédito e passa a deter 3,255%.
As dificuldades continuam, mas nem por isso o envolvimento da estrutura económica portuguesa diminuiu. A reestruturação operacional da La Seda passou pela venda de ativos não-estratégicos, como a fábrica que tinha em Portalegre. A Control PET, participada pelo Grupo Imatosgil e pelo BES – o grupo de Famalicão era, segundo o Expresso, acionista da Espírito Santo International, uma sociedade de topo do Grupo Espírito Santo, que haveria de falir.Chegados a 2010, é já o veículo de recuperação de empresas, a ECS, liderada por António Sousa, a pegar em 29% da empresa. A Caixa fica com 19% e a InovCapital, capital de risco do Estado, fica com 11%.
Só em 2012 é que finalmente este projeto industrial arranca a operação. O objetivo era exportar 95%, mas isso não chega a acontecer.
Segundo o que é descrito no livro “Caixa Negra”, uma explicação para o problema em Sines passa pela crise do mercado: havia estudos de viabilidade que provavam a eficiência, mas que embateram na realidade. Houve atrasos na certificação da qualidade dos equipamentos e algumas avarias. E também uma menor procura no mercado de PTA causada pela crise europeia. As margens de comercialização estavam bastante abaixo do previsto no plano de viabilidade, até por conta da concorrência do Médio Oriente e da Ásia.
Fim da linha
Depois houve uma reestruturação financeira que embateu na impossibilidade de refinanciar a dívida. Era o fim da linha para o projeto: a liquidação é pedida a 3 de janeiro de 2014.
Mas os problemas para a Caixa não acabaram. A CGD não conseguiu vender a dívida da La Seda, ao contrário do que fez o BCP e outros credores.
Até agora, este problema nunca mais largou o banco público e deixou questões às várias administrações por onde passou: a de Carlos Santos Ferreira, que a iniciou, e todas as que se seguiram – de Faria de Oliveira, José de Matos, António Domingues e Paulo Macedo.
No seu livro, o jornalista Diogo Cavaleiro aponta que o banco público continuava a defender que o projeto fazia sentido. Tinha sido estudado, mediante as várias análises que são exigidas. E houve um ponto em que já não havia retorno: à medida que o tempo foi passando, o banco já estava tão envolvido que era tarde demais para voltar atrás.
Já politicamente, segundo a mesma obra, o argumento de defesa é que os Governos definem os projetos relevantes para os executivos, mas são as instituições financeiras que têm de avaliá-los financeiramente.
A Artlant foi um dos 12 grupos económicos que o Banco de Portugal quis investigar de forma mais aprofundada na sequência das avaliações da troika ao país.
Independentemente das responsabilidades que ainda estão por apurar, as consequências foram evidentes para a Caixa - que, por este e outros créditos do género, teve de ser recapitalizada com 3,9 mil milhões de euros, pagos pelos contribuintes.