20 fev, 2019 - 06:27 • Redação com Lusa
"A grande constatação é que as famílias em dificuldades não estão a diminuir e surgem novas dificuldades, novas causas de sobreendividamento". O Gabinete de Proteção Financeira (GPF) da Associação de Defesa do Consumidor recebeu 29.350 pedidos de ajuda de famílias – um número que supera os pedidos registados um ano antes - e registou um aumento da taxa de esforço mensal.
"Diria que tem uma taxa de esforço de 80% é muito preocupante, porque a recomendável é de 35%. Isto significa que 80% do rendimento da família está logo absorvido por cinco prestações de crédito: crédito à habitação, duas de crédito pessoal e dois cartões de crédito. E foram precisamente os cartões de crédito e o crédito pessoal os grandes responsáveis pelo aumento da taxa de esforço", explicou na Renascença a coordenadora do estudo da Deco.
Para esta responsável, o Banco de Portugal tem apostado muito na recomendação relativa aos créditos à habitação, o que é restritivo. "Portanto, são meras orientações e são precisas medidas vinculativas e obrigatórias para toda a banca, que abranjam todo tipo de créditos contratados pelos consumidores".
Segundo Natália Nunes, mais de metade (51,2%) dos pedidos de ajuda foram feitos por parte de pessoas casadas ou em união de facto, mas os dados mostram que estão a aumentar os casos de viúvos, divorciados e solteiros que vêem a sua situação financeira entrar em rutura.
O desemprego continua a liderar a tabela das causas de sobreendividamento, mas o seu peso, como afirmou à Lusa Natália Nunes, "tem vindo a diminuir ao longo dos tempos". Em contrapartida, "a causa da deterioração das condições laborais subiu bastante face a 2017, passando de 8% para 19%", o que se deve a situações de precariedade e de baixos salários.
Novas dificuldades
Entre essas novas causas inclui-se o apoio a ascendentes (pais e avós), a descida de rendimento nas reformas antecipadas e o aumento de despesas com saúde, ou seja, causas que têm a ver com rendimentos baixos e que, por esse motivo, acabam por estar relacionadas com o mercado de trabalho, ainda que não de forma direta.
"O aumento dos encargos com a saúde representa já 7% das situações que levam ao sobre-endividamento, o apoio a ascendentes - e estamos a falar de filhos que têm de contribuir para o pagamento dos lares -, são já 3% das situações, e a reforma antecipada representa já 2% das causas", precisou Natália Nunes.
Rendimento médio caiu
As famílias sobreendividadas têm um número médio de créditos mais reduzido do que antes da crise (em 2008), mas a taxa de esforço é agora mais elevada e agravou-se face a 2017.
De acordo com os dados da Deco, o número médio de créditos era sete em 2008, tendo baixado para cinco em 2017 e 2018.
Em contrapartida, a taxa de esforço (ou seja, a parcela do rendimento mensal que é desviada para pagar prestações de empréstimos e cartões de crédito) passou de 65% em 2008, para 79,8% em 2017 e para 80% no ano passado.
O valor das prestações de créditos suportadas pelas famílias em situação de sobreendividamento rondou os 924 euros em 2018, contra os 850 euros em 2017, sendo que nestes mesmos anos o rendimento médio caiu para os 1.150 euros em 2018, contra os 1.200 euros um ano antes.
"Olhando para o valor das prestações de crédito e o tipo de créditos, compreendemos que são os créditos pessoais e os cartões de crédito os grandes responsáveis pelo agravamento das taxas de esforço, nomeadamente os créditos contratados recentemente", precisou aquela responsável.
Entre 2017 e 2018, o valor médio dos créditos pessoais aumentou de 9.527 euros para 16.111 euros, enquanto nos cartões de crédito, o valor médio usado subiu de 4.400 euros para 7.580 euros. Já o da habitação manteve-se estável, a rondar os 81.000 euros.
Mudança no perfil
Cerca de 67% dos consumidores que recorreram a este gabinete da Deco têm entre 40 e 65 anos de idade, o que reflete uma subida deste grupo etário por comparação com o que sucedeu em 2012, quando Portugal estava a cumprir o programa de assistência financeira. Nessa altura, as pessoas naquela faixa etária responderam por cerca de 55% dos pedidos.
Estes pedidos de ajuda deram origem à abertura de 2.737 processos de renegociação de dívidas junto das entidades credoras, o que representa um acréscimo face aos 2.422 iniciados em 2017.
A subida tem por base, segundo referiu Natália Nunes, o aumento dos pedidos de ajuda e também o facto de haver menos situações de créditos em incumprimento - o que inviabiliza a intervenção e ajuda desta associação de defesa do consumidor.
Entre os que pedem ajuda, eram 45% os que tinham já prestações em atraso. Em 2017, esta percentagem era mais elevada, chegando aos 55%.
Como conseguir poupar?
Natália Nunes deixa três conselhos que atuam como uma proteção para evitar dificuldades.
- Fazer um orçamento mensal para saber onde se gasta o dinheiro. Isto acaba por ser um travão e leva a tomar decisões com bom senso.
- Respeitar a nossa taxa de esforço e não deixar que o peso com os créditos ultrapasse os 35% do rendimento mensal.
- Devemos ter uma poupança que pode ser usada para diversos fins: para sonhos, acautelar o futuro, mas também para imprevistos. Esta bolsa deve representar cinco ou seis vezes o rendimento mensal.