12 mar, 2019 - 07:02 • João Carlos Malta
Catarina Maia é a responsável pelo Serviço de Apoio ao Licenciamento do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC). O ano passado foi aquele o organismo português que mais patentes pediu para registar em termos europeus.
Catarina Maia conhece como poucos o sistema de patentes em Portugal e na Europa, e não tem dúvidas em afirmar que há pouca apetência para patentear inovações em Portugal.
E as poucas vezes que isso acontece, − Portugal vale apenas 0,1% das patentes pedidas a nível europeu, segundo os números do Instituto Europeu de Patentes − servem apenas para concorrer a concursos ou preencher requisitos académicos e não são explorados em termos económicos.
As vantagens, o tempo e os custos de patentear pela voz de quem há mais de seis anos ajuda os inventores a garantirem que durante 20 anos ninguém pode copiar as suas descobertas sem pagar.
O INESC sempre deu uma grande importância às patentes das descobertas ou é algo recente?
O INESC sempre teve uma grande preocupação em trabalhar em resultados que fossem apropriáveis pela indústria, e que esta pudesse depois alinhá-los com o modelo de negócio. Nós usamos patentes e outras formas de proteção da propriedade intelectual, por exemplo o “open source” para o software, como meio de divulgação e facilitador da adoção das tecnologias que nós desenvolvemos.
As patentes são apenas um dos pilares onde alicerçamos a nossa ação com as empresas. Em algumas áreas, como a medicina, é importante deter patentes para depois conduzir a ensaios clínicos. E assim ter a certeza de que ninguém vai copiar, e que vamos explorar a patente no mercado durante o tempo de vida dela, que é 20 anos.
Essa é uma das mais-valias de patentear as descobertas. Quais são as outras?
Dão direitos a quem as detém e a quem as licencia. Fica-se com um monopólio no mercado, e posso usar em exclusivo a tecnologia que desenvolvi. A minha diferenciação passa a ser a tecnologia, e não o serviço e a customização, que é o que as empresas portuguesas, normalmente, usam para se diferenciar dos concorrentes. São escolhas. Isso justifica que o maior número de patentes em Portugal seja pedido por universidades e institutos de investigação, e não por empresas.
As empresas não atribuem valor às patentes...
As empresas portuguesas não olham para a propriedade intelectual como muitas outras empresas lá fora. A propriedade intelectual é um ativo que deve ser gerido e deve alavancar o negócio.
Precisa-se de perceber o sistema e quais são as vantagens e as desvantagens, e os custos associados. A propriedade intelectual serve a internacionalização. Significa que se estou a vender para a Europa, e as nossas exportações são na maioria para a Europa, o número de patentes a nível europeu devia ser maior do que aquele que pedimos enquanto país. Isso faria com que tivéssemos empresas mais fortes e mais robustas do que as que temos.
Concretizando, de que valeu ao INESC o facto de patentear uma descoberta?
Muito recentemente um investidor inglês foi atraído pela qualidade da nossa propriedade intelectual. O facto de haver uma patente sobre a tecnologia foi critica para ele vir com esse investimento. Sem essa patente, não se concretizaria.
Este ano fizeram nove pedidos de patentes. Quais foram as descobertas?
Patenteamos um sistema de navegação robótica submarina que permite, efetivamente, detetar obstáculos debaixo de água. Na área submarina, ainda patenteamos uma antena para transmitir dados de forma mais eficaz para a superfície.
Também patenteamos um software, na área da imagem médica que permite verificar como é que estão os vasos sanguíneos numa determinada região para a reconstrução mamária em casos de mastectomia.
O processo de patentear é moroso?
Demora em média dois anos e alguns meses a haver uma decisão. Há uma avaliação, uma negociação em que o examinador nos diz: isto é ou não é aceitável. Há uma discussão com o examinador sobre o que ele contesta, e fornecemos caso seja necessário mais evidências.
É muito caro?
Sim, há três tipos de custos. Além do tempo e dos inventores, há as taxas que são pagas junto dos diversos institutos. Há os honorários dos agentes de propriedade industrial, e nós só recorremos a agentes que trabalham na nossa área, eletrónica, software e física.
Há ainda custos de tradução que não se põem na Europa, porque é tudo em inglês, mas há custos de tradução quando vou para o Japão, onde tenho de traduzir para a língua local. Poderemos estar a falar de 80 mil euros, em três anos. As taxas dependem do volume da patente, mais páginas, mais caro.
Pode então chegar aos 100 mil euros?
Sim, sim. Mas há uma questão importante, porque é que em Portugal há tantas patentes das universidades? Porque para as universidades e não para os institutos de investigação (no qual o INESC se insere) as patentes nacionais têm um custo zero. Não pagam taxas ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
Os números revelam um crescimento grande entre 2017 e 2018, no número de patentes pedidas, mas se olharmos para os números em termos absolutos residuais verificamos que são residuais…
O crescimento acontece no âmbito de diversos projetos financiados pelos fundos estruturais. As patentes são europeias, e isso está na portaria que regula o financiamento a esses fundos. Infelizmente, continuamos a fazer muitas patentes que são só um indicador. As patentes não têm uma estratégia de exploração económica em termos europeus.
São meramente administrativas?
Não diria isso. Tentamos fazer um trabalho profissional, mas só temos dinheiro para fazer patentes e não temos dinheiro para ter pessoal nos gabinetes. É muito difícil fazer omeletes sem ovos. Estamos a gerar um indicador que a Universidade nos solicita, tal como o Compete [programa de fundos europeus destinado às empresas], mas não conseguimos ter pessoas suficientemente qualificadas, e remunerá-las para estarem nestes gabinetes, desenvolverem negócio e se encontrarem com investidores. Não podemos gerar só indicadores, ainda para mais este [as patentes] que é muito caro.
Ter 200 patentes pedidas não é muito pouco?
Sim, porque o nosso tecido empresarial nunca teve muita apetência para este ativo, como temos para as marcas. Somos um campeão do registo de marcas. Há uma falta de cultura sobre o que é o activo e como geri-lo estrategicamente. Criou-se o mito de que o software não era patenteável na Europa. E se é verdade que grande parte não o é, há muito outro que é. Os nossos empresários não estão muito conscientes sobre as vantagens em recorrer às patentes.