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Benefícios fiscais? Há mais de 500, mas o fisco não sabe para que serve um quarto deles

17 jun, 2019 - 10:10 • Sandra Afonso

É um número “absolutamente excessivo”, considera o grupo de trabalho que analisou os benefícios fiscais existentes e que apresenta o seu relatório nesta segunda-feira. Parte significativa das famílias e um terço das famílias não têm acesso a estes benefícios, revela ainda o documento.

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São 542 os benefícios fiscais identificados pelo grupo de trabalho criado pelo Governo para identificar a totalidade deste tipo de apoio. Mas estes mais de 500 benefícios excluem os municipais e as taxas preferenciais de IVA.

É um número “absolutamente excessivo”, lê-se no estudo coordenado por Francisca Guedes de Oliveira, intitulado “Os Benefícios Fiscais em Portugal”.

O documento critica o facilitismo com que são criados estes apoios, muitas vezes através de “juízos subjetivos”.

Com as taxas de IVA, em 2018 os benefícios fiscais terão custado ao Estado mais de 11 mil milhões de euros. Mas, na verdade, não há dados que permitam garantir este valor – porque nem todos estão devidamente contabilizados.

Por exemplo, “não existe despesa quantificada, ou não é possível fazê-lo, em quase 80% dos benefícios fiscais em sede de IRS e em mais de 50% em sede de IRC”.

Por outro lado, embora a maioria esteja enquadrada de forma adequada, ainda “existe um número significativo disperso por legislação avulsa, que torna o sistema complexo e pouco transparente”.

Os autores do relatório sublinham ainda que a esmagadora maioria dos benefícios fiscais se concentra nos impostos diretos – com destaque para o IRS – o que coloca em causa a eficácia deste apoio e incentivo, dado que não chega a quase metade das famílias portuguesas, aquelas que não pagam IRS.

O mesmo se coloca em relação às empresas: aqui é cerca de um terço do tecido empresarial que fica excluído, incluindo as “startups”.

Fisco não conhece o objetivo de 127 benefícios fiscais

Há falta de clareza nos objetivos extrafiscais pretendidos com a atribuição dos benefícios, refere o grupo de trabalho.

Há mesmo 127 destes benefícios em que o grupo de trabalho não conseguiu identificar qualquer objetivo, nem a Autoridade Tributária parece considerar que existam.

São exemplo disso algumas isenções no imposto sobre o álcool e bebidas alcoólicas, a isenção do lucro dos fundos e sociedades de investimento imobiliário e investimento em recursos florestais, isenções para fundos de reabilitação urbana para não residentes e vários regimes especiais de tributação para grupos de sociedades.

Do lado do IRS, também há vários benefícios sem função atribuída, como a dedução de gastos para garantir rendimentos com imóveis, a dedução das quotas para ordens profissionais e de seguros e a dedução de prejuízos fiscais em caso de morte do proprietário, deduções por dependente, deduções na saúde e na educação.

Há ainda 57 benefícios que existem para apoiar “Outros Assuntos Económicos”, uma categoria que em 2018 concentrou cerca de 25% da despesa fiscal em sede de IRS e IRC – um indicador claro de que este classificador deve ser revisto, segundo este relatório.

O grupo de trabalho levanta também dúvidas sobre a contagem do prazo de caducidade dos benefícios. Existem valores omissos e incertezas sobre algumas das datas anunciadas.

Mecenato custou 14 milhões ao Estado

Os mecenas estão a contribuir mais, mas chegam a menos beneficiários. Em 2017, estes donativos representaram uma despesa fiscal para o Estado de mais de 14 milhões – valor que vai aumentar em 2018.

Os mecenas estão mais seletivos. Segundo o relatório “Os Benefícios Fiscais em Portugal”, em 2018 foram atribuídos mais de 335 milhões de euros em donativos, um aumento de cerca de 35% face aos 250 milhões registados quatro anos antes.

Em valor, a Igreja e as instituições religiosas recebem a maior fatia: no último ano, rondou os 165 milhões de euros, um valor que mais do que quadruplicou em quatro anos.

A segunda maior fatia foi entregue ao Mecenato Social, na vertente Apoio Especial, mas, pela primeira vez em quatro anos, ficou abaixo dos 100 milhões. Em 2018, ano marcado pelo escândalo com a Associação Raríssimas, os donativos não chegaram aos 94 milhões.

Estes donativos foram distribuídos por 7.835 instituições, o que representa um ligeiro aumento face a 2014, mas, em comparação com o ano anterior (2017), indicam que 1.047 instituições deixaram de ser apoiadas.

Há também menos pessoas e entidades beneficiadas: enquanto em 2014 o mecenato ajudou mais de 400 mil beneficiários, em 2018 chegou aos 273 mil. Esta quebra, segundo dados finais, registou-se apenas no último ano e é transversal a pessoas coletivas e singulares.

Benefício ao Residente Não Habitual em forte crescendo

Desde 2013, as adesões ao estatuto Residente Não Habitual disparam mais de 800%. Em 2018, este benefício fiscal deverá representar uma despesa de quase 600 milhões de euros – dez vezes o que foi registado em 2013.

Mas nem todos os rendimentos estão isentos. Em 2017, ano em que o Estado deixou de arrecadar mais de 500 milhões, conseguiu liquidar quase 80 milhões em IRS.

Os beneficiários têm estado sempre a aumentar, mas a ritmos diferentes. Entre 2009 e 2013, passaram de 18 para 844 e depois dispararam nesse ano, com aumentos anuais na casa dos milhares.

No final de 2018, já eram 7.899, o que representa um aumento de 835% desde 2013.

Este benefício foi criado com dois objetivos essenciais: captar recursos humanos qualificados e pensionistas estrangeiros com capacidade para aumentar a despesa interna. Está a atrair, sobretudo, os segundos.

Em 2017, tinham aderido ao estatuto cerca de 9.600 pensionistas estrangeiros e cerca de 550 beneficiários por categoria profissional.

Quadros superiores de empresas, informáticos e engenheiros são as profissões mais representadas neste regime. Estas três atividades de elevado valor acrescentado já contam com 1.615 beneficiários, a maioria do total dos 2.205 registados.

O relatório admite que uma grande maioria dos beneficiários não escolheria Portugal sem este estatuto. E sublinha a necessidade de uma análise mais rigorosa para apurar a receita fiscal adicional conseguida com esta medida e o impacto na economia.

Revisão da utilidade pública e das isenções para deficientes entre as sugestões

O grupo de trabalho analisou com mais pormenor vários benefícios fiscais, selecionados pelo peso na despesa fiscal, acima de 50 milhões de euros. Em vários casos é recomendada a revisão dos mesmos, noutros a reestruturação.

Milhares de entidades beneficiam no país do estatuto de entidade pública: são Pessoas Coletivas de Utilidade Pública e Solidariedade Social, com direito a isenções fiscais. É um número de tal forma abrangente que este relatório recomenda “uma análise e validação dos critérios de atribuição do estatuto”.

Sobre a Isenção e Dedução Relativa às Pessoas com Deficiência, o relatório admite que cumpre uma função social particularmente relevante, mas não é possível avaliar a sua eficácia. Em 2018, representou uma despesa de mais de 360 milhões de euros.

É sugerida a substituição do benefício fiscal por um instrumento de despesa direta, avaliar se o grau de incapacidade “está efetivamente a diminuir a capacidade de gerar rendimento”, aumentar as deduções em saúde e garantir a correta aplicação e monitorização da prova de incapacidade.

A inexistência de dados não permitiu chegar a conclusões sobre a isenção de IRS nos juros das Conta Poupança-Reformados. O objetivo é incentivar a poupança dos contribuintes mais velhos, mas este estudo não conseguiu apurar o número de beneficiários nem a despesa fiscal associada, pelo que recomenda que a revogação deste benefício seja ponderada tendo em conta a simplicidade do sistema e critérios como a equidade e eficiência.

Em 2018, o Estado gastou mais de 12 milhões em benefícios fiscais com Empréstimos Externos e Rendas de Locação de Equipamentos Importados – três vezes a despesa de 2013.

Ou seja, estão a aumentar as autorizações do ministro das Finanças às ilhas, autarquias e serviços públicos, para a importação de equipamentos, com recurso a empréstimo e isenção total ou parcial de IRC ou IRS.

O problema, diz este relatório, é que quem está a beneficiar é o credor não residente, em vez dos devedores residentes. Por isso, é recomendada a revisão de todo o regime de tributação dos juros de financiamento, junto de instituição financeiras não residentes.

Para assegurar “a estabilidade do financiamento do Estado a empresas”, as entidades que se endividem junto da banca para emprestar às empresas têm acesso a taxas reduzidas – Serviços Financeiros de Entidades Públicas.

A Autoridade Tributária não tem acesso ao número de beneficiários, por isso não é possível contabilizar a despesa fiscal. É uma medida estrutural, que segundo o grupo de trabalho deve deixar de ser considerada um BF e passar a ser integrada no código do IRC.

São um incentivo e um facilitador do financiamento, os Swaps e Empréstimos de Instituições Financeiras Não Residentes, e representaram em 2018 uma despesa de quase 58 milhões de euros. Têm um papel importante, evitam a dupla tributação, por isso este relatório questiona se não podiam/deveriam ser alargados ao sector não financeiro.

Também para facilitar o financiamento da economia, estão isentos de IRC os juros dos Depósitos de Instituições de Crédito não Residentes. No ano passado, com este benefício o Estado deixou de arrecadar quase 50 milhões, em 2017 foram mais de 190 milhões.

Apesar de envolver apenas 11 beneficiários, o relatório não só aprova a manutenção das isenções às Entidades Gestoras de Sistemas Integrados de Gestão de Resíduos, como aconselha que sejam privilegiados alguns indicadores, tal como a evolução das toneladas de resíduos recolhidas e o reinvestimento dos resultados.

Para apoiar o investimento, há vários benefícios fiscais neste momento dispersos, que o relatório recomenda que sejam avaliados de forma integradas, como o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento e a Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos.

Avaliação por técnicos independentes e profissionais

Por falta de informação ou tempo, um número significativo de benefícios fiscais não foi avaliado neste relatório, quanto à despesa fiscal e beneficiários associados.

Ainda assim, os autores deixam várias propostas ao Governo, desde logo, a criação de uma Unidade Técnica, independente e profissionalizada, para Avaliação dos Benefícios, de natureza permanente. Esta avaliação deverá ser feita em ciclos de cinco anos e deverá abranger todos os benefícios.

A criação de novos benefícios deverá também ser monitorizada, com critérios de transparência e rigor e proporcionalidade.

Em sede de Orçamento do Estado, o grupo de trabalho pede mais responsabilização e transparência fiscal. Os autores lembram que, “ao não serem imputados aos ministérios, os benefícios fiscais funcionam como bandeiras de política de um determinado ministério sem a correspondente responsabilização pelos seus custos”.

Por fim, defendem a publicação dos beneficiários, num espaço online criado para o efeito: a “Área Benefícios Fiscais” – uma base de dados com os relatórios da despesa fiscal e a divulgação dos sujeitos passivos de IRC que utilizaram benefícios.

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