13 ago, 2019 - 14:57 • André Rodrigues
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O Governo poderia, e deveria, ter ido mais longe nas medidas adotadas para conter os efeitos da greve dos motoristas, defende Luís Gonçalves da Silva, especialista em Direito do Trabalho.
Em entrevista à Renascença, o jurista entende que, caso seja necessário, os camionistas têm de trabalhar mais do que as oito horas diárias. E avisa: se a requisição civil não for cumprida, os camionistas “poderão perder os seus postos de trabalho”.
“Estamos perante incumprimentos com relevância criminal, civil e disciplinar”, destaca.
Leia a entrevista na íntegra:
Pedro Pardal Henriques diz que, mesmo sob requisição civil, os motoristas só estão obrigados a trabalhar oito horas por dia. Tem razão?
O que esta requisição civil é a manutenção do regime laboral aplicável. Acontece, no entanto, que esse regime prevê uma situação de adaptabilidade que permite que se trabalhe de oito horas por dia. Ao manter esse regime aplicável, a questão estará, aparentemente, resolvida.
Ou seja, os motoristas não estarão dispensados do trabalho, mesmo que não completem o transporte, a carga e a descarga de mercadorias em oito horas. Se ocorrerem situações dessas, estaremos perante uma violação da requisição civil?
De acordo com o quadro que é possível identificar, eu diria que sim. De qualquer maneira, julgo que este é um momento pouco adequado para experimentalismos jurídicos, porque, em última instância, quem vai sofrer todas as sanções não é o porta-voz do sindicato, são os trabalhadores. Porque estamos perante incumprimentos com relevância criminal, civil e disciplinar. Ou seja, poderão também perder os seus postos de trabalho.
Mesmo sendo a requisição civil um instrumento em que o Estado se substitui ao empregador privado?
Exatamente. É possível que o Estado, através dos empregadores, aja nas três vertentes.
E é sob essa perspetiva que, caso o trabalhador não cumpra, o empregador procede ao despedimento...
Embora o faça, por delegação de competências, em nome do Estado. As três responsabilidades são suscetíveis de ser imputadas ao trabalhador com eventual pena de prisão, perda do seu emprego e pagamento de uma indemnização.
Como avalia a portaria que complementa esta requisição civil?
Vejo que haveria inegáveis vantagens se remetesse para a lei geral em funções públicas, em vez de remeter para o regime do setor privado. Por outro lado, julgo que a portaria se justificaria relativamente a todo o território.
O Governo poderia ter ido mais longe?
Não só poderia, como deveria. Era possível, e desejável, que se pusesse cobro a um conjunto de problemas já existentes e a um conjunto de problemas potencialmente graves que, previsivelmente, se vão colocar nas próximas horas.
Mas, no limite, não estaríamos perante uma violação do direito à greve?
Não creio. Convém recordar que a própria Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu a possibilidade de o Governo poder recorrer à requisição civil preventiva. O Governo tem optado pela requisição civil reativa. Espero, sinceramente, que seja suficiente. Embora os dados que têm vindo a público indiciem que não deverão ser, quer pela enorme litigiosidade latente, quer pelos efeitos danosos para a comunidade.
Esta terça-feira é o segundo dia de greve, já com requisição civil em vigor. O Sindicato de Motoristas de Matérias Perigosas garante que os trabalhadores vão cumprir o decretado, mas só com as oito horas de serviço, o que, de acordo com este especialista em Direito do Trabalho, poderá colocar em risco postos de trabalho.