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Notícia Renascença

É na Caixa e no Novo Banco que o crédito malparado é mais difícil de recuperar

26 ago, 2019 - 10:16 • Sandra Afonso

A banca nacional tem perto de 4 mil milhões de euros de malparado à venda, 75% dos quais do antigo BES. Em Portugal, há cerca de uma centena de empresas de recuperação de créditos, mas só um quinto está registado.

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“Comprar [crédito malparado] à CGD [Caixa Geral de Depósitos] é uma coisa, comprar ao Santander é outra”, afirma à Renascença o diretor executivo da APERC, a associação que representa mais de 90% do crédito recuperado no país.

Porquê? “Tem a ver com a perspetiva de análise e aceitação do risco de crédito”. Segundo António Gaspar, “a aceitação de risco de crédito, por exemplo, é muito mais apertada no Santander do que na CGD ou do que era no BES, agora Novo Banco.”

Na prática, significa que, com uma análise de risco mais apertada, a probabilidade de haver incumprimento é muito menor e “os incumprimentos que existem recuperam-se com mais facilidade do que aqueles que têm uma malha muito larga, onde cabe tudo”.

A Debtges, gere entre 15 a 20 milhões de crédito malparado em todo o país, trabalha muito com a banca, mas João Ferreira, o diretor-geral, admite que prefere as empresas.

Nos bancos “existe muita concorrência e as margens são muito reduzidas, para volumes muito grandes de trabalho. As margens estão esmagadas”, justifica.

Além de serem um mercado menos explorado, as pequenas e médias empresas têm mais dificuldade em gerir a dívida. João Ferreira acredita que a cobrança é “relativamente fácil” e este é um “segmento interessante”.

Ainda na perspetiva de João Ferreira, este é sempre um bom negócio: “Eu não tenho perdas, eu não empresto dinheiro! Nas carteiras que começam a ser geridas a partir dos 30 ou 60 dias temos taxas de eficácia que chegam aos 85%; nas carteiras em que a dívida tem mais de um ano a taxa de eficácia chega aos 5%”. Quando corre mal, há sempre o plano B, as carteiras “são devolvidas ao credor, que em média recorre à via judicial.”

Mas esta regra não vale para todas as carteiras. No caso da banca, não há lugar a devolução. “Os bancos quando vendem, vendem”, explica António Gaspar, da Associação Portuguesa de Gestão e Recuperação de Créditos (APERC). O que o banco recebe entra diretamente na conta como resultados extraordinários do exercício, “não há hipótese de voltar atrás, é uma venda sem qualquer tipo de retorno”.

Contas feitas, “um portfólio mesmo com um grande desconto pode ter prejuízo. Comprou, não recuperou, lixo”, conclui o diretor executivo da APERC.

O crédito malparado é um negócio de milhões em Portugal, mas funciona sem qualquer fiscalização, apurou a Renascença. A crise fez disparar o negócio. A banca tem andado a despachar estas dívidas que não consegue cobrar, mas o dinheiro acaba por ir parar quase sempre a fundos internacionais, que depois recorrem a empresas portuguesas para recuperar o dinheiro.

O problema é que o negócio tem corrido sem qualquer supervisão ou regulação. Só uma em cada cinco dessas empresas está registada na associação do setor.

Os abutres e os serviços portugueses

O negócio pode envolver tostões, mas sobretudo milhões. E aí entram os “tubarões” – grandes fundos internacionais que concorrem às carteiras de dívida dos bancos.

Ao mercado chegam carteiras de ativos da banca com nomes sugestivos, como Guincho (Santander), Nata (Novo Banco), Sertorius (Novo Banco), Pacific (CGD) e Atlantic (CGD).

No último ano, quem mais vendeu foi o Novo Banco e a Caixa Geral de Depósitos (CGD).

Neste momento, a banca nacional tem cerca de 4 mil milhões de malparado à venda: 75% são do antigo BES. A maior carteira em negociação foi colocada pelo Novo Banco e está avaliada em mais de três mil milhões de euros.

É aqui que entram os fundos internacionais e/ou investidores estrangeiros – são eles que estão a comprar o malparado aos bancos em Portugal. Os maiores portfólios ficam nas mãos dos chamados “fundos-abutre”, como a Bain Capital, a Anchorage e a Apollo.

Mas estas empresas não ficam em Portugal a explorar a dívida, subcontratam empresas nacionais – os chamados ‘servicers’, essas sim, com a tarefa de telefonar e bater às portas para cobrar o dinheiro em falta.

António Gaspar (APERC) diz que “em Portugal existem mais empresas que fazem só o ‘servicing’, porque para comprar portfólios, das duas uma: ou têm um grande músculo financeiro ou um grande investidor”.

Três fundos já adquiriram em Portugal o próprio ‘servicer’: a Arrow, que ficou conhecida por contratar a ex-ministra das finanças Maria Luís Albuquerque e é dona em Portugal da Whitestar; a Intrum Portugal, uma delegação da multinacional sueca; a Hipoges, ou HG PT, tem também acionista internacional.

Sem bens associados, que garantam a recuperação do empréstimo, o crédito ao consumo é o que tem o pior retorno para o credor. Numa dívida de mil euros, os bancos recebem, no máximo, 140 euros. Segundo a APERC, é pago em média entre 9 e 14%.

“Há muitos clientes que se perderam, não se sabe a morada, desapareceram”, acrescenta o diretor executivo da associação. Segundo António Gaspar, “nos cartões de crédito e crédito ao consumo, é um perigo!”

Já no crédito automóvel e à habitação, em que existem bens, os valores aumentam. “A casa é comprada pelo valor comercial.”

Outro fator que pesa na avaliação da carteira é a longevidade do portfólio: “há quantos anos é que se venceu?” é a pergunta chave. João Ferreira, diretor-geral da Debtges, defende que “quanto mais cedo se fala com o cliente em dificuldade, mais fácil é a recuperação.”

António Gaspar acrescenta que “quanto mais anos tem, menos vale: já andaram várias empresas a tentar recuperar o dinheiro”.

A partir do momento em que o Banco de Portugal passou a obrigar a banca a vender os imóveis no espaço de dois anos, as próprias instituições financeiras passaram a vender diretamente ao mercado e o negócio das imobiliárias da banca cresceu.

Com o mercado imobiliário neste momento em alta, esta regra não tem tido impacto no preço. O banco pode baixar o preço quando se aproxima do prazo dos dois anos, para não contrariar as normas do supervisor, mas António Gaspar diz que “serão casos excecionais, porque a maioria das casas são vendidas no primeiro ano”.

BPI, CGD, Montepio, Novo Banco, Santander – todos já transacionam imóveis diretamente com o público. Ainda assim, continuam a vender créditos de imobiliário como aconteceu recentemente com o negócio do Novo Banco, o “Sertorius”.

Queixas? Só de “empresas de vão de escada”

Segundo o diretor executivo da APERC, a associação tem 23 associados e “99% dos portfólios que compram são da banca”, representando 90 a 95% do volume de crédito em recuperação.

“Agora, se me disser que há o ‘Joaquim Manel’, uma empresa familiar, que tem duas ou três pessoas, e que há outra com duas ou três pessoas... essas empresas não trabalham com bancos, trabalham com a economia real, com faturas e recibos, não tem nada a ver com a área financeira”, desvaloriza o dirigente associativo.

Aos outros, aqueles que nem sequer são associados, António Gaspar chama-lhes “empresas de vão de escada”. Diz que sabe da sua existência, porque recebe queixas de quem confunde a associação com o regulador, “porque alguém os anda a chatear por causa de uma dívida de condomínio, letras do carro ou outra coisa qualquer”.

“Desde 2009 até agora, apareceram-me na associação 22 ou 23 queixas, e nem é por excessos de linguagens ou outros! É porque telefonam fora de horas ou para o emprego.” António Gaspar garante que este problema é residual na APERC, que representa 1.676 postos de trabalho. “É como se fosse zero!”

“Posso admitir algum excesso, para tentar recuperar essas coisas. Às vezes, ouvimos coisas na televisão... São claramente franjas do mercado da recuperação de crédito, isto nem é recuperação de crédito, são pseudo-empresas, não estão estruturadas, não têm um quadro de obrigação deontológica.”

A APERC garante que os associados não trabalham com este tipo de crédito, apesar de chegarem pedidos com frequência à associação, como “um cabeleireiro muito famoso de Lisboa que telefonou para lá, talvez há um ano e tal, para saber se tínhamos alguma empresa que fizesse a recuperação de faturas de ‘madames’, parece muito conhecidas, que iam lá arranjar o cabelo. Tinham lá milhares de euros que não conseguiam cobrar.”

Em junho de 2016, o malparado na banca atingiu um máximo histórico: 17,9% do crédito concedido era considerado NPL (‘non-performing loans’ ou crédito de cobrança duvidosa).

No final de 2018, os bancos já tinham reduzido o malparado para metade: estava em 9,4%, o que, segundo o Banco de Portugal, corresponde a 25.850 milhões de euros.

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