19 set, 2019 - 00:00 • Sandra Afonso (Renascença) e Helena Pereira (Público)
A presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), Cristina Portugal, discorda da criação de uma “lista negra” de consumidores devedores na energia, bem como da proibição de vendas porta a porta, à semelhança do que aconteceu em Espanha.
Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e jornal "Público", Cristina Portugal reconhece que há alguns “excessos”.
Os custos de energia em Portugal são os mais altos da Europa?
Portugal continua a ser um país com preços de energia elevados. Tem vindo a aproximar-se da média europeia, mas na componente daquilo que são os custos que não decorrem do mercado, mas os de interesse geral e os impostos, a carga de Portugal é ainda das mais significativas.
Espanha e Portugal anunciaram há um ano, em agosto de 2018, uma investigação à forte subida dos preços no mercado ibérico de eletricidade. Chegaram a disparar 60%. Já há conclusões?
O assunto continua neste momento a ser analisado.
A associação de comercializadores de energia pede uma lista negra de devedores ou, pelo menos, um sistema de troca de informação para impedir quem troca de comercializador para não pagar dívidas. É viável?
Esse pedido iria suscitar alguns problemas em matéria de proteção de dados. Existem mecanismos legais para que este crédito não fique por ser recebido. Eventualmente, haverá algum ajustamento que possa ser feito, mas a criação da lista negra pode ser um passo exagerado para aquilo que se pretende atingir.
Os consumidores continuam a queixar-se das vendas agressivas porta a porta, mudanças de contrato sem autorização, etc. Quantos processos por práticas abusivas estão neste momento abertos? E resolvidos?
Ainda este Verão tivemos três condenações por práticas enganosas. Já abrimos 30 processos de contraordenação. Nem todos são por essas razões. Alguns tiveram a ver com interrupções não permitidas ou porque a faturação final não foi feita no prazo estabelecido. Ou há mudança involuntária de comercializador, o que acontece muito com as vendas porta a porta. Não é específico do sector da energia.
Qual é a empresa mais incumpridora?
Temos para todos os gostos. Todos os comercializadores incorrem em algum tipo de infração. É um mercado com seis milhões de clientes. A probabilidade de qualquer empresa incorrer numa infração é grande. Até porque às vezes se contrata terceiros para fazer isso e há alguns excessos por parte do vendedor, que são naturalmente responsabilidade da empresa.
Espanha proibiu em 2018 contratos em visitas porta a porta, exceto a pedido. O que acha da medida?
É interessante, mas não a temos em cima da mesa. Vamos ver como evoluem as reclamações. No imediato, não vejo uma vantagem.
O regulador enviou este ano várias recomendações específicas a todas as empresas para alteração de contratos. Já foram acatadas?
Estão a ser acatadas. Já reunimos com todos os comercializadores a quem as enviámos.
Concorda que sejam os consumidores a pagar a Taxa de Ocupação do Subsolo que é cobrada pelas autarquias às distribuidoras de gás?
É matéria fiscal municipal, cabe aos municípios fixarem essa taxa. O papel da ERSE é verificar se o montante que determinadas empresas recebem dos consumidores é efetivamente entregue ao município. Não deve ser cobrado o montante para se fazer tesouraria!
Já encontraram situações irregulares?
De vez em quando há pequenas irregularidades que são corrigidas. Esta vigilância tem que ser mantida.
A ERSE fixou a data de 2020 para as empresas começarem a cobrar consumos reais, e 2021 para todos os novos serviços estarem disponíveis, mas há contadores instalados sem estarem ligados e a EDP já admitiu que em 2023 só 80% estará ligado a redes inteligentes. Por que é que há esta dificuldade da EDP em se adaptar? E haverá penalizações se o prazo não for cumprido?
Não vamos antecipar o cumprimento ou não cumprimento. Vamos ver. Existem cerca de 2,5 milhões de contadores inteligentes instalados. Uma parte significativa já está ligada a sistemas de comunicação. Os prazos fixados são prazos razoáveis. Em Espanha, 98% já estão ligados à rede inteligente. Admitimos que [em Portugal] possa não surgir tudo ao mesmo tempo e em todas as zonas, mas de facto tem que ser acelerado.
Como tenciona acelerar? Tem estado a pressionar a EDP?
Vai-se fazer.
Já conseguiu convencer a EDP?
Vai-se fazer. O caminho faz-se caminhando. Este processo é vantajoso para os consumidores. A leitura por estimativa e as faturações continuam a ser aquilo que mais preocupa os consumidores.
Este ano lançámos um simulador de potência contratada. Cada nível de potência representa cerca de 20€/ano e muitos ainda têm contratada uma potência acima das necessidades – os dois filhos saíram de casa e os pais esqueceram-se de fazer esta alteração, que é gratuita.
A EDP tem quase 100% das concessões em baixa tensão, a que chega a casa dos consumidores, e a maioria dos contratos termina até 2022. A ERSE propôs dividir a rede em três regiões, mas o Governo alega que pode aumentar os custos para os clientes. Concorda com esta leitura?
A proposta pedida à ERSE por lei da Assembleia da República para que fosse feito um estudo económico que permitisse uma divisão territorial e com a condição de não impor mais custos para os consumidores. A nossa encomenda foi entregue.
Mas como viu esta reação do Ministério do Ambiente? É um entrave à quebra do monopólio da EDP?
Estamos a falar das concessões municipais e há que devolver a palavra aos municípios.
Mas isto é uma oportunidade para trazer mais players para o mercado?
A concorrência traz sempre novos players e é sempre positiva.
Mas, se não for dividido o país, as condições para haver mais players são muito menos e ficará tudo como está.
Sim, a opção pode ser essa ou outra. Pronunciamo-nos posteriormente quando tivermos que o fazer. Essa parte ocupou-nos profundamente durante o ano de 2018. Há, de facto, uma discussão muito acesa, viva sobre as vantagens e desvantagens.
Na prática existe um monopólio da EDP.
Se em cerca de 98% do território nacional as redes estão, em regime de concessão, entregues à mesma empresa, obviamente existe monopólio e é por isso que existe um regulador. O regulador existe ou porque a concorrência não funciona ou porque não há concorrência.
Mas também existe para pressionar o poder legislativo a criar condições.
O regulador tem com todos os Governos a melhor das relações institucionais sem qualquer problema.
Relativamente à comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas, à ERSE foram mesmo sugeridas medidas concretas (a recuperação das vantagens obtidas pelos produtores, ou a suspensão da titularização da dívida tarifária, que reverte para a EDP as mais-valias geradas). Estão disponíveis para avançar com alguma?
A comissão parlamentar de inquérito fez um trabalho notável. Tomámos em muita boa consideração as sugestões. Algumas até já estão em implementação. Separando o que é a política e a regulação, não deixaremos de fazer o nosso trabalho. O grande efeito da CPI ao longo de meses foi ter posto na energia um foco que não tinha antes e isso causa pressão sobre o nosso trabalho e ainda bem.
Do dinheiro pago indevidamente, quanto pode ser recuperado? O Governo recusa rasgar contratos.
Não lhe conseguiria responder. A maior parte das medidas pressupõe alterações que não compete à ERSE fazer.
A ERSE falhou, podia ter impedido as rendas excessivas e aliviado a fatura dos consumidores?
Não é uma crítica justa. A ERSE pregou sozinha na denúncia de uma série de situações e demonstrando que haveria consequências em determinadas matérias.
As petrolíferas vão agora pagar para serem reguladas, o que não acontecia quando esta era uma competência da Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis. Este ano a contribuição ultrapassa os mil milhões. O que mudou?
A regulação que a ERSE fazia era económica. Não havia este tipo de regulação. Mas as petrolíferas não vão pagar esse montante. Será à volta de 750 mil euros este ano e a contribuição, aliás, já foi paga por todos os destinatários dessa regulação. A contribuição regulatória justifica-se porque não podemos pôr os outros sectores a pagar pela regulação de um deles. E não é este valor que irá fazer mexer nos preços dos combustíveis.
Outros reguladores, como o BdP, têm receitas próprias - a Autoridade dos Seguros tem receitas próprias e, se necessário, recebe transferências do Estado. Porque são os consumidores que financiam a ERSE?
O orçamento da ERSE é financiado pelos consumidores efetivamente. Mas é uma salvaguarda da independência do regulador. O regulador não depende do Orçamento do Estado ou dos contribuintes, depende daqueles a quem presta a sua atividade.
Quem vai analisar e vigiar os Preços de Venda ao Público? A ERSE ou a ENSE (Entidade Nacional para o Sector Energético)?
Essa monitorização recairá sobre a ERSE. Estamos a recolher muita informação.
"É prematuro” falar-se em encerrar as centrais termoelétricas do Pego e Sines
Concorda com a proposta de baixar o IVA da eletricidade para 6%?
Não queria pronunciar-me sobre medidas de campanha eleitoral. Não seria útil. Em 2011, o IVA subiu de 6 para 23%. A conclusão é matemática. A subida dá um acréscimo, a descida é naturalmente benéfica para os consumidores. Se é viável do ponto de vista económico...
O país pode dispensar as centrais termoelétricas do Pego e Sines? Se forem encerradas não teremos de recorrer a energia externa?
Depende muito da evolução da produção de outras fileiras energéticas. No que toca à energia, temos verdadeiramente um mercado grossista integrado. Essas duas centrais têm tido uma utilidade muito grande e a sua dispensabilidade acabará sempre por se colocar, não só pela fonte de energia como pelo próprio esgotamento da sua vida útil.
Mas ainda é prematuro?
Ainda é prematuro.
Os apoios às renováveis ainda se justificam?
De novo, trata-se de uma opção de política legislativa. As energias renováveis são por definição energia intermitentes. Quando falamos de eletricidade, não temos armazenamento. Não podemos guardar a luz dentro de uma caixinha. Isto faz este sector um bocadinho especial. Tenho que ter uma produção que tenha algum tipo de reserva para quando não há sol, água ou vento e quero acender, na mesma, a luz em minha casa.
Se houver uma escalada de preços do petróleo por causa da tensão no Médio Oriente, qual a intervenção que o Estado pode ter? A ERSE poderá fazer alguma coisa?
Se houver uma escalada de preços, todos os combustíveis e todos os produtos que incorporam combustíveis terão naturalmente que incorporar essas consequências. É inevitável. Se os efeitos são ou não são acomodáveis nas previsões anuais não lhe consigo dizer, mas provavelmente são. Vamos ver o que é um aspeto pontual daquilo que é uma tendência que deva ser acautelada.