19 fev, 2020 - 15:26 • Sandra Afonso (texto e fotos)
Tanmay Bakshi é cativante. Aos cinco anos já trabalhava com tecnologia e código. Tinha apenas nove quando lançou a sua primeira aplicação iOS na App Store. As primeiras coisas aprendeu-as com o pai, até se lançar sozinho na demanda de aprender mais e mais através de livros e da internet, sobre temas tão variados como computação e psicologia.
Agora com 16 anos, Bakshi tem um canal de YouTube com 300 mil subscritores e trabalha com grandes empresas tecnológicas como a IBM e a Google. Em entrevista à Renascença, à margem da conferência "Building The Future" organizada pela Microsoft em Lisboa, explicou como pretende revolucionar o ensino através da inteligência artificial e computação automática.
Sempre em tom otimista, defende que os avanços tecnológicos -- que continuam a não estar integrados na maioria dos currículos escolares -- representam oportunidades mais do que riscos.
Com que idade começou a trabalhar para empresas como a IBM e a Google?
Tinha cinco anos quando comecei a trabalhar com tecnologia e código. Aos nove anos tive a minha primeira aplicação IOS na App Store, a "TTables". Aos 11 anos comecei a trabalhar com tecnologia de "machine learning", através do Watson. E por volta dessa altura, aos 12 anos, comecei também a colaborar com a IBM e, eventualmente, com empresas como a Google e a Microsoft em todos os diferentes tipos de tecnologia, código aberto e patenteado.Trabalho com a tecnologia de nova geração.
É um autodidata, aprendeu tudo sozinho, movido pela curiosidade e com a ajuda de livros. Acha que isso lhe dá vantagem para tentar corrigir o que está mal no Ensino Superior?
Tem razão, aprendi em casa e a razão porque gosto tanto do ensino doméstico é porque permite muito mais flexibilidade. Adoro tecnologia, mas ser capaz de cobrir tudo é realmente importante para mim. Por exemplo, há alguns anos, quando tinha seis ou sete anos, tinha vídeos no YouTube sobre cálculo e disciplinas do género, de nível elevado, onde seria impossível chegar através da escola regular.
É por isso que não se limita a aprender apenas sobre tecnologia?
Claro. De certa forma, a flexibilidade que estudar em casa me dá é a que mais me convém. Por exemplo, comecei no "machine learning" através do Watson (IBM) e, especificamente, o serviço "Personality Insights", que prevê traços de personalidade através do texto. Este serviço introduziu-me no campo da psicologia e da linguagem, e de como a linguagem evoluiu e como está integrada no cérebro humano e na psicologia linguística. Aprendi que o "machine learning" conduz a muito mais fora da tecnologia.
Já conhece as empresas por dentro. A educação responde às necessidades empresariais?
É uma das coisas que estou a tentar corrigir. A educação moderna não é suficiente para o futuro. É até bastante irónico. A educação é a área que deve preparar a próxima geração para indústrias que ainda não existem mas, por alguma razão, é também a que evolui mais devagar. Se apresentasse um alienígena ao mundo da educação humana, eles diriam que é contra-intuitivo: é um oxímoro, não faz sentido.
Pode elaborar?
Não é apenas o que ensinamos que está mal, mas também como ensinamos, em particular. Os métodos de ensino não são individualizados, adaptados aos alunos, e isso é um enorme problema, porque todos aprendemos de formas diferentes e a diferentes ritmos. É importante introduzir os alunos ao mundo das tecnologias e, em particular, à tecnologia da próxima geração, para capacitá-los e dar-lhes ferramentas fundamentais, da forma certa.
Como se faz esta transformação no terreno? Acha que a solução passa por reduzir o tamanho das turmas?
Esse é um dos problemas. Quanto mais um professor tiver de generalizar ou tabelar pela média uma aula, mais vais afastar alguns alunos, porque estão longe da média dessa classe. Quanto menor for a turma, mais individualizado pode ser o ensino.
"Há pouco tempo houve um debate sobre se devíamos continuar a desenvolver carros autónomos e um dos argumentos mais fortes contra é que podem acabar com o ensino da condução, são muitos milhões de euros e empregos que se perdem. Mas eu acho que essa é uma das principais razões pelas quais devemos desenvolver carros autónomos: a condução é um desperdício de mão de obra, vamos canalizar estas pessoas para áreas que importam"
Se não existirem professores em número suficiente para reduzir as turmas, então será necessário recorrer à tecnologia de nova geração, para permitir que os professores expandam o ensino a um nível individualizado. Pessoalmente, acho que esta última solução é o que faz sentido, para tornar a educação acessível à escala global.
Com a tecnologia de nova geração haverá a obrigação de reduzir as despesas?
O objetivo fundamental do "machine learning", da inteligência artificial, uma das muitas tecnologias da nova geração, não é cortar despesas, mas extrair automaticamente informação de dados. Para algumas indústrias, isso pode representar menos custos.
Por exemplo, estou neste momento a trabalhar num projeto que ensina os alunos disléxicos a ler, através da tecnologia de "machine learning", tornando-os menos dependentes de professores humanos. Isto é importante porque a grande maioria das escolas do mundo não consegue professores para todos os alunos. Na Índia a grande maioria dos 43 milhões de estudantes disléxicos não tem sequer acesso à internet para ter aulas online. Neste caso, sim, a tecnologia de "machine learning" não só permite feedback instantâneo como é usada para cortar custos.
Isso não representa uma ameaça para o emprego dos professores?
Não vai substituir empregos. Vai permitir preencher vagas onde é necessário, para permitir o máximo benefício para a humanidade no futuro.
Não prevê, então, a substituição dos professores por máquinas?
Certamente que não. É preciso não esquecer que os humanos são imaginativos. Um aluno, à falta de melhor palavra, pode fazer uma pergunta sem sentido, uma pergunta que não tem resposta, porque é a pergunta errada. Não quer dizer que seja mau perguntar, mas para criar respostas criativas e imaginativas precisamos de professores humanos para entender essas perguntas e permitir que os alunos obtenham as respostas e planos de aprendizagem criativos e personalizados. As máquinas não substituem o Homem nesta tarefa.
Como imagina o futuro do ensino?
Além deste ensino mais personalizado, com espaço para perguntas mais complexas, estaremos a ensinar tecnologia com muito mais entusiasmo e isso vai ser normal. Hoje continuamos a tratar a tecnologia como um unicórnio, é uma coisa exótica, tratada à parte. Aprendemos matemática, ciências e história e só depois vem a tecnologia, aquela coisa especial e brilhante. Eu não quero que a tecnologia seja só para alguns, quero que seja mais uma disciplina. Se a matemática é fundamental para perceber o universo, a tecnologia é fundamental para interagir com o universo e não é só para génios.
Como imagina a vida dentro de 20 anos?
Muitos acham que vamos ver muitas mudanças, mas eu penso que a vida quotidiana será muito parecida com a que temos hoje. O que vai mudar é que muitas das coisas que fazemos agora e que não contribuem diretamente para o benefício da humanidade ou dos indivíduos serão delegadas para a tecnologia. Por exemplo, há pouco tempo houve um debate sobre se devíamos continuar a desenvolver carros autónomos e um dos argumentos mais fortes contra é que podem acabar com o ensino da condução, são muitos milhões de euros e empregos que se perdem. Mas eu acho que essa é uma das principais razões pelas quais devemos desenvolver carros autónomos: a condução é um desperdício de mão de obra, vamos canalizar estas pessoas para áreas que importam, como cuidados de saúde, educação, arte, entretenimento, tudo o que exige esforço cerebral e criatividade.
Além da condução, em que outras áreas e atividades é que o Homem será facilmente substituído por máquinas?
Em todo o tipo de coisas, por exemplo, nalguns tipos de comunicação. Não no jornalismo e áreas assim. Mas já temos o 'Project Debater', da IBM, que pega num tema, como por exemplo o desenvolvimento de carros autónomos, e cria um discurso para debate, persuasivo, a favor ou contra. Esta tecnologia diz-nos o que o público quer. Agora imaginem que são diretores de uma empresa e querem perceber que rumo é que o negócio irá tomar, têm de ir para a rua e perguntar aos consumidores que alterações esperam ver no futuro, como imaginam a evolução dos produtos... Em vez disso, podem perguntar à maquina e ela diz exatamente o que é importante. Ao fazer isto, libertamos as pessoas de tarefas repetitivas, para trabalhos que realmente importam.
Não estamos a criar um Big Brother mundial? Todos estes avanços tecnológicos não põem em causa a nossa privacidade?
Isso é o receio de muitas pessoas. Sempre que há sistemas de inteligência artificial a trabalhar com um grande volume de dados surge o receio de que a informação está a ser reunida por empresas ou governos. Pessoalmente acredito que é um medo que ainda não se justifica.
No final do dia, tudo é uma troca entre o que estamos dispostos a dar e o que precisamos de obter. Por exemplo, temos o caso da Siri: os consumidores da Apple são conhecidos por quererem a sua privacidade e a Apple tem a reputação de fornecer uma solução privada e segura para os seus problemas de tecnologia e é por isso que, há alguns anos, quando colocava a mesma pergunta à Siri e ao assistente do Google, o assistente do Google dava a melhor resposta, porque o Google é quem recolhe mais dados. As pessoas que usam o Google não estão tão preocupadas com a privacidade, o que permite à empresa ter um sistema melhor. É um sistema de troca, para receber tem de se dar.
Mas acha que este sistema ainda é pouco transparente?
Acredito que tem de existir uma melhor regulação, não necessariamente sobre como a informação é reunida, mas na forma como é comunicada aos utilizadores, sobretudo quem não está familiarizado com a tecnologia. Hoje podemos ser seguidos em centenas de sites sem sabermos e isso é um problema. As empresas devem identificar a informação que recolhem, com que objetivo e o que fazem com esses dados.
Até onde quer ir, quais são os seus objetivos?
Neste momento trabalho em várias áreas. Sou programador, adoro desenvolver aplicações, adoro aplicar tecnologia de "machine learning", sobretudo na saúde e na educação, porque acredito que é onde causa maior impacto, e é o que quero continuar a fazer.
Também quero permitir que cada vez mais programadores usem tecnologia de nova geração. Por exemplo, quero chegar aos 100 mil aspirantes a programadores. Já tenho cerca de 15 mil pessoas e estou sempre a trabalhar para chegar lá e continuar a crescer, mesmo depois de atingir essa meta. Mas também quero que o cidadão comum entenda esta tecnologia, o que significa para os negócios e para eles. Para já, quero expandir estas três iniciativas.