18 mar, 2020 - 17:06 • João Carlos Malta
“A comunicação e reação do Governo na questão económica e fiscal foi mais rápida e mais clara do que na área da saúde e técnica. Isto tenta acalmar o medo das pessoas, porque se ficarmos 60 dias em casa fechados, se o comércio e os serviços fecharem, vai ser um rombo muito grande que não sabemos que efeitos que vai ter”.
O advogado especialista na área da fiscalidade João Taborda da Gama reage ao pacote anunciado na manhã desta quarta-feira − numa conferência de imprensa conjunta do ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, e do ministro das Finanças, Mário Centeno. Nela os governantes anunciaram apoios diretos às empresas de três mil milhões de euros para vigorarem no segundo semestre deste ano, o que levou Centeno a avaliar a injeção de liquidez na economia em 9,2 mil milhões de euros.
O economista e professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) João Duque começa por dizer que o novo pacote de medidas é o assumir por parte do mercado que o que antes havia sido anunciado era escasso.
Ainda assim, Duque identifica um problema: “a diferença entre o anúncio do ministro e o reconhecimento nas contas das empresas do dinheiro que fica disponível”.
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O fim do mês está a chegar e nessa altura há que pagar salários, há os compromissos com as entidades financeiras e os pagamentos aos fornecedores, por exemplo.
“São datas limite resultantes da atividade empresarial que não podem ser satisfeitas com entrada de dinheiro que entretanto não foram recebidos pelas empresas que fecharam”, alerta o economista.
João Duque lembra que há um risco. “As alterações significativas que os bancos vão ter na qualidade dos ativos e o que isso trará para a solvência e equilíbrio financeiro das instituições, de forma a não os pôr em causa. Não podemos passar o problema para a banca, porque senão temos o contágio, como acontece infelizmente com o vírus”.
Taborda da Gama enaltece a possibilidade de as empresas e os trabalhadores fraccionarem pagamentos. “Há também uma moratória nas execuções fiscais, o que é para as empresas com maiores dificuldades bastante positivo e à máquina fiscal permite concentrar-se noutras coisas”, defende.
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Ainda assim, o especialista da área fiscal diz esperar que “os portugueses que não se convençam que vão deixar de pagar impostos, na medida que os impostos é que alimentam a máquina do Estado”.
“Felizmente, estamos numa situação orçamental positiva, mas nenhum Estado sobrevive sem o ingresso regular de impostos”, acrescenta.
O mesmo advogado fala de uma resposta rápida com o sentido muito claro de aliviar a tesouraria das empresas. “O alcance depende da extensão deste problema que estamos a viver. Se tiverem de ser prorrogadas, serão. Tenho a certeza de que o Estado vai ter isso em conta”, afirma.
O aligeirar de procedimentos que o Estado terá de operar para que as medidas cheguem às empresas, como já foi pedido por várias associações empresariais, pode levar a que haja situações fraudulentas.
João Duque não exclui o cenário mas, na opinião do economista a pergunta que se coloca é saber onde é que o problema é maior: "é num erro por defeito ou no erro por excesso? Penso que, se for por excesso, é mais fácil de recuperar, com uma penalização forte daqueles que abusivamente usem o sistema. Há tempo para validar, mas não para verificar”, sublinha.
E depois reforça a ideia com uma imagem: “se tenho várias botijas de oxigénio que vou dar, devo dá-las mesmo que alguns não precisem? Ou fazer uma verificação de que todos precisam efetivamente, sendo que pelo caminho quatro pessoas morrem? Onde é que o erro pode ser mais grave?”, pergunta de forma retórica.
O professor do ISEG diz, a título de exemplo, que a receita do Estado terá uma retração brutal, na medida do que se deixa de arrecadar em IVA e em impostos sobre os combustíveis, para falar de apenas dois.
“Em apenas dois meses vai depauperar as contas públicas. Vai registar-se uma contração enorme da procura externa, não é só o turismo. A indústria exportadora deixa de alimentar outro tipo de indústrias. Teremos uma contração enorme e com uma agravante que é os desempregados que vai haver de certeza”, lembra.
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Mas agora esses desempregados não vão poder emigrar “porque ninguém os vai receber”. “Eles ficam cá. Vão sobrecarregar mais as contas públicas do que na outra crise”, avança Duque.
Esta quarta-feira, segundo uma nova avaliação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a crise económica e laboral criada pela pandemia da Covid-19 pode aumentar o desemprego a nível mundial em cerca de 25 milhões.
Ontem, terça-feira, o primeiro-ministro espanhol Pedro Sanchez anunciou um pacote de apoio à economia de 200 mil milhões. Mesmo tendo em conta as diferenças de dimensão entre os dois países, o que é que justifica esta diferença?
“Talvez devido à almofada orçamental que eles têm em relação à que nos temos. Eles têm uma população 4,5 vezes maior do que a nossa, e se analisássemos em termos proporcionais os espanhóis deviam estar a falar de 45 mil milhões, mas o valor que apresentaram é quatro vezes superior. Estão a injetar no sistema económico um tipo de estímulo muitíssimo maior do que o nosso”, considera Duque.
A justificação, segundo o economista, pode passar pelo medo de descontrolar não o défice, mas o nível de dívida acumulado e que pode ter consequências ao nível da facilidade com que nos vamos financiar no mercado. “Estou para ver a mazela que vamos causar no custo do capital e acessibilidade ao mesmo”, lança.
Já João Taborda da Gama está é apenas a primeira reação do Governo, o primeiro pacote de estímulo. “Tenho a certeza de que virão outros, e talvez nos aproximemos daquilo que é Espanha”, remata.