06 abr, 2020 - 18:36 • Sandra Afonso
O que são "coronabonds"?
São obrigações ou títulos de dívida europeus, que permitem empréstimos entre países. São países a pedirem emprestado a outros países, com a certeza de que, se não conseguirem pagar, alguém no grupo garante a conta-mutualização do risco da dívida pública ou emissão de títulos conjuntos. É um instrumento de dívida comum, emitido, neste caso, por uma instituição europeia para combater o surto e seus efeitos.
Quem defende?
Nove dos 19 países da zona euro pediram, a 25 de março, a emissão de "coronabonds", incluindo Portugal, Itália, Espanha, França e Irlanda. Estão entre os países mais atingidos pela pandemia e reclamam financiamento extraordinário para responder à actual crise.
Por cá, já existem várias vozes a favor, entre elas, a do Governador do Banco de Portugal. Num artigo de opinião, no Jornal Económico, Carlos Costa defende a emissão das "coronabonds" com uma maturidade muito longa, de 30 anos, de forma a "diluir o impacto nas contribuições anuais dos Estados-membros". Diz ainda que não "existe risco moral e o interesse é comum”.
A Itália já tinha defendido a emissão conjunta de dívida, durante a crise financeira de 2009, a solução voltou a ser pedida três anos mais tarde pela França e Itália, no auge da crise da dívida soberana da zona do euro. Os países do norte rejeitaram a medida.
Quem está contra?
No final de março, em entrevista à agência de notícias alemã DPA, a presidente da Comissão Europeia referiu-se aos "coronabonds" como “um mero slogan”. Ursula von der Leyen deixou claro que Bruxelas não as considera uma solução para a actual crise económica, “não é o nosso plano e não estamos a trabalhar nisso”, diz a líder do executivo comunitário, que alerta ainda para a existência de “limites jurídicos”.
Esta posição conforta os países que rejeitam completamente a emissão de “coronabonds”, um grupo liderado pela Holanda, que integra ainda a Alemanha, Áustria e Finlândia.
O que diz a legislação?
Em causa estão, sobretudo ,três artigos, do Tratado de Funcionamento da União Europeia, sobre a política económica (capítulo 1):
. Artigo 122.º - Admite a ajuda financeira da União Europeia, sob certas condições, a “um Estado-membro que se encontre em dificuldades ou sob grave ameaça de dificuldades devidas a calamidades naturais ou ocorrências excecionais que não possa controlar”.
. Artigo 123.º - proíbe créditos ou a compra directa de títulos da dívida “em benefício de instituições, órgãos ou organismos da União, governos centrais, autoridades regionais, locais ou outras autoridades públicas”.
. Artigo 125.º - diz que “a União não é responsável” nem irá assumir compromissos dos governos centrais, “sem prejuízo das garantias financeiras mútuas para a execução conjunta de projectos específicos”.
Emissão conjunta de dívida na Zona Euro
Os países que partilham o euro já emitem dívida em conjunto, através do fundo de resgate, o Mecanismo Europeu de Estabilidade.
Foi o que aconteceu durante a crise da dívida soberana, quando Portugal, Grécia, Irlanda, Espanha e Chipre precisaram de ajuda. O fundo de resgate foi ao mercado, assim como o seu antecessor, o Fundo Europeus de Estabilização Financeira (EFSF), pedir emprestado, com capital garantido pelos governos da zona euro.
Agora, segundo a Reuters, através do mesmo instrumento será possível garantir linhas de crédito de até 2% do Produto Interno Bruto de cada país ou 240 mil milhões de euros para todos os países da zona do euro.
Emissão conjunta de dívida na União Europeia
A Comissão Europeia já recorreu ao Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MEEF) para ajudar a financiar os resgates da Grécia, Irlanda e Portugal, assim como apoiar a Letônia, Hungria e Romênia com a balança de pagamentos.
Esta ajuda passa pela emissão de dívida, apoiada por todos os países da União Europeia, através de um orçamento conjunto de longo prazo.
No âmbito desta crise, esta solução pode assegurar a emissão de 100 mil milhões de euros em dívidas, suportados por garantias de 25 mil milhões dos Estados Membros, para financiar subsídios salariais em todos os países, num esquema de trabalho de curta duração.
Empréstimos do Benco Europeu de Investimento (BEI)
O BEI é o banco dos governos da União Europeia, existe com o objectivo de financiar projectos do bloco.
Emite anualmente cerca de 60 mil milhões de dívida mas já se disponibilizou para emitir este ano mais 40 mil milhões, que seriam disponibilizados em forma de empréstimos.
O BEI pode conceder outros 200 mil milhões em financiamento, se os governos derem como garantia 25 mil milhões.
Proposta francesa para um Fundo Único de Recuperação
A França propôs na última semana a criação de um fundo por cinco a 10 anos, de tamanho ainda a determinar, para financiar a recuperação da economia europeia da actual crise.
O Fundo iria garantir empréstimos pontuais com crédito barato, em nome de todos os países europeus. O dinheiro seria para a reconstrução das economias e financiar medidas que impeçam a disseminação do vírus.
O Fundo tem uma duração limitada para convencer os países do norte, sobretudo os Países Baixos e a Alemanha, de que não se trata de uma tentativa de mutualização.
Activos Seguros da Zona Euro
Em 2017 a Comissão Europeia propôs a criação do Ativo Seguro Europeu - uma classe de títulos, em euros, que poderiam tornar-se uma referência para os mercados financeiros europeus.
Chegaram a ser discutidas várias opções, entre elas estava uma que não mutualizava a dívida: a criação de um instrumento sintético, através do qual um banco privado compraria títulos de governos da zona do euro e emitia o seu próprio título, o ativo seguro, garantido por essa carteira. Mas a Alemanha rejeitou a ideia, por recear que fosse o início da mutualização da dívida.
Mutualização parcial da dívida
Durante a crise soberana surgiram propostas de vários grupos de reflexão, incluindo do Conselho Alemão de Especialistas Económicos, para a mutualização parcial da dívida pública da zona do euro.
Uma das propostas sugeria que a zona euro fosse responsável pela dívida de um país até 60% do PIB - o limite da UE para empréstimos do governo. Os governos assumiam o restante e ficavam responsáveis por qualquer excesso acima desse valor.
Ainda segundo a Reuters, outra ideia passava por reunir a dívida dos governos acima de 60% do PIB num Fundo Europeu de Redenção, pelo qual todos os membros da zona do euro seriam responsáveis. Cada país teria que se comprometer com “um caminho de consolidação vinculativo” e teria até 25 anos para pagar a dívida. Foi chumbada por Angela Merkel, a chanceler alemã levantou problemas constitucionais e a necessidade de alteração dos tratados da EU.