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estado de emergência

Comércio às escuras. “Porque podemos ir ao cabeleireiro e não ir comprar sapatos?”

24 abr, 2020 - 07:59 • Liliana Carona

Há mil empresas em “lay-off” na Guarda. Luísa Gomes é proprietária de uma ourivesaria. Neste setor, existe “uma dificuldade acrescida”, diz. Pedro Tavares, presidente do núcleo empresarial da região, não entende a estratégia do Governo e deixa alertas.

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O estado de emergência que vigora em Portugal veio causar agonia e desespero entre muitos comerciantes do distrito da Guarda. Perto de mil empresas já recorreram ao “lay-off” e, entre os comerciantes que tiveram de encerrar, prepara-se o reabrir de portas num clima de indefinição.

“Esqueceram-se das ourivesarias”

Os sapatos altos que Luísa Gomes calça fazem eco ao entrar no agora quase vazio, centro comercial La Vie, na Guarda, onde é proprietária da ourivesaria Moderna Joalheiros. “Isto é horrível”, afirma, enquanto se apressa a ligar as luzes para a entrevista.

Luísa Gomes, 45 anos, é a responsável por três lojas de ourivesaria na cidade da Guarda, com 13 empregados, 11 em “lay-off” total. Diz que se esqueceram das ourivesarias.

“Muito pouco se fala das ourivesarias e nós fomos os primeiros a quebrar e vamos ser os últimos a recuperar, porque não vendemos bens de primeira necessidade”, lamenta.

E adianta que existe “uma dificuldade acrescida”: “a contrastaria fechou na Casa da Moeda, casa oficial do Estado Português em que todos os artigos de ouro ou prata têm de ser marcados para poderem ser vendidos em Portugal. Os nossos produtos não podem ser vendidos sem ter esse símbolo”.

“Fechámos no dia 16 de março e, quando a retoma começar, os fabricantes não conseguem marcar o seu produto. Ainda não vimos nada em concreto. Não se esqueçam das ourivesarias, a maior parte são empresas familiares”, alerta Luísa, que herdou o negócio dos pais, que o fundaram em 1976.

“Nunca fui de take-away, mas vou arriscar”

Também às escuras está o restaurante Colmeia, de António Gonçalves, 57 anos. Os seis empregados estão em “lay-off”. Desde 1983 que o restaurante Colmeia nunca tinha fechado as portas durante tanto tempo e, desde o dia 14 de março, que António teimava em aderir ao take-away.

“Apareço todos os dias no restaurante para retificar os aparelhos e sinto saudade de tudo. Faz-me falta o contacto com os clientes, com o público, faz-me muita confusão estar assim, e por isso estou a pensar iniciar o serviço take-away no dia 3 de maio", revela o empresário da restauração.

Perante a possibilidade de uma terceira renovação do estado de emergência, António refere existir um clima de indefinição relativamente à reabertura dos restaurantes e em que condições.

“Eu vou avançar com o take-away, mas não sei se vai funcionar. Não posso é ficar de braços cruzados – há despesas fixas e a saúde das empresas não é ilimitada. Todos os dias me aparecem contas para pagar: Segurança Social, IVA, os ordenados, os contratos com a MEO, eletricidade, gás, luz”, descreve, considerando que preferia abrir o restaurante.

“Nunca fui de take-away, mas vou arriscar”. Admite ainda que quando tudo voltar à normalidade, vai repensar o uso de toalhas e guardanapos de pano e colocar tudo descartável. “Nada volta a ser igual”, refere António Gonçalves.

“Que as regras sejam aplicadas a todos”

Os comerciantes da cidade da Guarda encontram a sua voz representada no NERGA – Núcleo Empresarial da Região da Guarda, uma vez extinta a associação de comerciantes local. Pedro Tavares, presidente desta associação empresarial, conhece bem a realidade da Guarda e do distrito.

“O único número possível de determinar corresponde aos pedidos de ‘lay-off’, que rondam as 1000 empresas, e não conseguimos ainda saber quantas pessoas estão afetadas a esses pedidos. A quebra da economia, por estes números já foi efetiva e tem de ser muito grande, porque a empresa ou foi por decreto obrigada a encerrar, ou já teve quebras de faturação na ordem dos 40% em abril”, realça o responsável do NERGA, com 400 empresas associadas.

“O NERGA, há dois anos para cá e fruto da extinção da associação comercial, também acompanha os comerciantes, por isso, não podemos por as empresas todas num mesmo saco”, defende Pedro Tavares.

“Temos o comércio, a restauração e a hotelaria que foram obrigados a fechar, enquanto que as fábricas de produção estão com problemas por causa da cadeia de valores. Quer dizer que lhes é permitido trabalhar, mas a cadeia de valores foi interrompida”, esclarece Pedro Tavares, que tem duas empresas e já dispensou 16 trabalhadores.

“Na Têxtil Tavares, onde trabalhavam 100 pessoas, tive de recorrer a despedimentos por mútuo acordo – as pessoas que estavam em pré-reforma, para tentarmos não fechar as empresas. Já na Egiquímica, mantemos as 30 pessoas ao serviço, mas nem numa nem noutra, parámos”, conta à Renascença.

De olho nas empresas e no comércio, Pedro Tavares pede ao Governo que “reveja esta situação toda e se apliquem normas, para que não haja aglomerados dentro das lojas, mas que abra o comércio, ou seja, “que as mesmas regras que existem nos supermercados e farmácias sejam aplicadas a todas as lojas”.

Como é que eu posso ir a um cabeleireiro e não posso ir a uma loja comprar um par de sapatos? Não entendemos. Nem eu, nem os associados. Nós vamos ter de continuar, mas com muitos cuidados e da parte do Governo ainda não há uma estratégia para a retoma completa”, conclui, exemplificando: “o setor do pronto a vestir (têxtil e calçado), preocupa-me bastante. Tem coleções sazonais, que perdem o valor quando a sazonalidade acaba, se não houver retoma até julho, todas essas coleções vão ter de ser saldadas, sem qualquer lucro”.

“Que abra o comércio, nomeadamente os restaurantes, como o Colmeia”, pede António Gonçalves que vai estrear o take away no Dia da Mãe, já com ementa programada. “Vou ter que adaptar a cozinha, mas o cabritinho no forno da nossa serra não arrefece até casa”.

O estado de emergência termina no dia 2 de maio e a expectativa é que não seja renovado, permitindo a reabertura da economia, ainda que de modo faseado e com regras.

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