25 abr, 2020 - 12:43 • Liliana Carona
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Os sapatos altos que Luísa Gomes calça, fazem eco ao entrar no agora quase vazio centro comercial La Vie, na Guarda, onde é proprietária da ourivesaria Moderna Joalheiros. “Isto é horrível”, afirma, enquanto se apressa a ligar as luzes para a entrevista à Renascença.
Luísa Gomes, 45 anos, é a responsável por três lojas na cidade da Guarda, com 13 empregados, 11 em lay-off total.
Lamenta que “muito pouco se fale das ourivesarias e nós fomos os primeiros a quebrar e vamos ser os últimos a recuperar, porque não vendemos bens de primeira necessidade”.
Luísa Gomes fala numa dificuldade acrescida: “a contrastaria fechou na Casa da Moeda, casa oficial do Estado Português em que todos os artigos de ouro ou prata têm de ser marcados para poderem ser vendidos em Portugal. Os nossos produtos não podem ser vendidos sem ter esse símbolo."
"Fechámos no dia 16 de março e quando a retoma começar os fabricantes não conseguem marcar o seu produto. Ainda não vimos nada em concreto. Não se esqueçam das ourivesarias, a maior parte são empresas familiares”, alerta Luísa que herdou o negócio dos pais, fundado em 1976.
Também às escuras está o restaurante Colmeia, de António Gonçalves, 57 anos. Os seis empregados estão em lay-off.
Desde 1983, que o negócio nunca tinha fechado as portas durante tanto tempo e, desde o dia 14 de março, que António teimava em aderir ao take-away. “Apareço todos os dias no restaurante para retificar os aparelhos e sinto saudade de tudo, faz-me falta o contacto com os clientes, com o público, faz-me muita confusão estar assim, e por isso estou a pensar iniciar o serviço take-away no dia 3 de maio", revela o empresário da restauração.
Perante a possibilidade de uma terceira renovação do estado de emergência, António refere existir um clima de indefinição relativamente à reabertura dos restaurantes e em que condições.
“Eu vou avançar com o take-away, mas não sei se vai funcionar. Não posso é ficar de braços cruzados, há despesas fixas e a saúde das empresas não é ilimitada. Todos os dias me aparecem contas para pagar, Segurança Social, IVA, os ordenados, os contratos com a MEO, eletricidade, gás, luz”, descreve, considerando que preferia abrir o restaurante.
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“Nunca fui de take-away, mas vou arriscar”. Admite ainda que quando tudo voltar à normalidade, vai repensar o uso de toalhas e guardanapos de pano e colocar tudo descartável. “Nada volta a ser igual”, refere António Gonçalves.
“Que abra o comércio, nomeadamente os restaurantes, como o Colmeia”, pede o proprietário, que vai estrear refeições para levar para casa no Dia da Mãe, já com ementa programada: “cabritinho no forno da nossa serra, que não arrefece até casa”.
Os comerciantes da cidade da Guarda encontram a sua voz representada no NERGA- Núcleo Empresarial da Região da Guarda, uma vez extinta a associação de comerciantes local.
Pedro Tavares, presidente desta associação empresarial, conhece bem a realidade da Guarda e do distrito. “O único número possível de determinar corresponde aos pedidos de lay-off, que rondam as 1000 empresas, e não conseguimos ainda saber quantas pessoas estão afetadas a esses pedidos. A quebra da economia por estes números já foi efetiva e tem de ser muito grande, porque a empresa ou foi por decreto obrigada a encerrar, ou já teve quebras de faturação na ordem dos 40% em abril”, realça o responsável do NERGA, que tem 400 empresas associadas.
“O NERGA, há dois anos para cá, e fruto da extinção da associação comercial, também acompanha os comerciantes, por isso, não podemos por as empresas todas num mesmo saco”, defende Pedro Tavares.
“Temos o comércio, a restauração e a hotelaria que foram obrigados a fechar, enquanto que as fábricas de produção estão com problemas por causa da cadeia de valores. Quer dizer que lhes é permitido trabalhar, mas a cadeia de valores foi interrompida”, esclarece Pedro Tavares, que tem duas empresas e já dispensou 16 trabalhadores.
“Na Têxtil Tavares, onde trabalhavam 100 pessoas, tive de recorrer a despedimentos por mútuo acordo, as pessoas que estavam em pré-reforma, para tentarmos não fechar as empresas. Já na Egiquímica mantemos as 30 pessoas ao serviço, mas nem numa nem noutra, nunca parámos”, conta à Renascença.
De olho nas empresas e no comércio, Pedro Tavares pede ao Governo para que “se reveja esta situação toda e se apliquem normas, para que não haja aglomerados dentro das lojas, mas que abra o comércio, ou seja, “que as mesmas regras que existem nos supermercados e farmácias sejam aplicadas a todas as lojas”.
“Como é que eu posso ir a um cabeleireiro e não posso ir a uma loja comprar um par de sapatos? Não entendemos, nem eu, nem os associados. Nós vamos ter de continuar, mas com muitos cuidados e, da parte do Governo, ainda não há uma estratégia para a retoma completa”, conclui.
O presidente da NERGA mostra-se “bastante preocupado” com o setor do “pronto a vestir (têxtil e calçado)”, porque tem coleções sazonais, que perdem o valor quando a época acaba.
“Se não houver retoma até julho, todas essas coleções vão ter de ser saldadas, sem qualquer lucro”, adverte.