27 abr, 2020 - 06:55 • Eunice Lourenço
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Não há modelos teóricos que ajudem a pensar com muita profundidade sobre o funcionamento da economia nas circunstâncias da pandemia e pós-pandemia, diz Daniel Traça, o diretor da Nova SBE, a Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Nova. Por isso, “a única forma de avançar é testar e quando funciona continuamos, quando não funciona andamos para trás”.
Em entrevista à Renascença, o diretor da Nova SBE explica como aquela escola internacional se está a adaptar às circunstâncias e defende que o ensino presencial não vai acabar no pós-Covid.
Que desafios é que a pandemia de Covid-19 veio colocar a uma escola internacional como a Nova SBE?
Exatamente por sermos uma escola internacional estamos naqueles setores que estão em maior risco. Aliás, não só a Nova SBE, como muitas escolas, nomeadamente nos EUA e em Inglaterra que se baseiam muito nesta ideia de atrair alunos internacionais que hoje se veem confrontados com estes desafios.
Na Nova SBE, tivemos um desafio grande quando mudámos de repente para o digital porque tínhamos muitos alunos que queriam voltar para as suas casas. Essa mudança para o digital obrigou-nos a gerir isto forma diferente, porque não eram só os alunos aqui ao lado que iam ter aulas à distância, eram os alunos que queriam regressar às suas casas e queriam ter alguma certeza de como as cosias se iriam passar. Muito rapidamente tentámos tomar decisões, tentamos perspetivar o futuro a medio prazo e dar-lhes alguma certeza de como as coisas iriam decorrer.
O primeiro grande desafio que tivemos foi o desafio operacional de como é que passamos para este mundo digital quando os alunos querem ir para casa.
Neste momento, a preocupação é o futuro. Temos já um problema que é setembro: vamos receber novos alunos internacionais e portugueses, com uma enorme incerteza sobre como as coisas se vão passar. O que temos sentido até agora é que os alunos, tanto portugueses como internacionais, continuam muito interessados na Nova SBE, continuam a demostrar interesse em chegar em setembro.
O sucesso que tivemos na passagem com qualidade e rapidamente para o digital foi algo que nos permitir projetar ainda mais a nossa imagem internacional.
Mas há, aos mesmo tempo, uma enorme incerteza quanto à situação epidemiológica em setembro Não sabemos se as viagens serão permitidas em setembro e esse é o nosso maior risco. O que estamos a fazer é preparar as condições para que mesmo que os alunos não possam seguir os seus planos - apanhar um avião e vir para Lisboa estar connosco no nosso campus -, vamos assegurar que conseguimos responder às necessidades deles, quer através de flexibilidade nos prazos de chegada, quer continuando com esta experiência online agora com melhor qualidade
Até que ponto a academia já está a pensar no pós-epidemia e na economia que teremos no pós-pandemia?
A academia só deve estar neste momento a pensar nisso. Deve estar a pensar em setembro, que é uma altura em que a pandemia não estará resolvida e vamos ter de aprender a viver neste novo normal nos próximos dois anos, em que vamos estar sempre aqui com dificuldade de mobilidade, talvez já não com o confinamento que temos agora, mas certamente com restrições à nossa mobilidade e isso implica que a academia tem de se preparar para estes próximos dois anos. Uma coisa tão simples como o número que alunos que se pode pôr numa sala é um assunto que tem de ser conversado e isso tem implicações na vida da academia.
O primeiro desafio é de médio prazo. Para a frente, acho que esta transição que se fez para o ensino digital é uma transição que já todos sabíamos que, de uma forma ou de outra, íamos ter de fazer e esta crise no fundo é uma aceleração dessa transição para o digital. Portanto, a academia deve tirar partido desta crise para acelerar essa transição. Não diria que o digital vai substituir o ensino físico. De todo! O ensino físico é, a meu ver, insubstituível, mas penso que o ensino físico pode beneficiar de alguma complementaridade com as ferramentas digitais, com modelos que já estavam a ser falados anteriormente, mas que, neste novo contexto, se torna mais fácil implementar. Acho que, no futuro, aqueles que progredirão mais rapidamente, que vão avançar com mais força são aqueles que tirarem partido desta crise para ajudar a transformar o ensino, a fazer com que o ensino físico e presencial seja ainda mais produtivo, ainda mais interessante
A nível da economia esta situação veio trazer vários problemas, que podem ser desafio. Qual elege como o principal?
Quando falamos de pós-pandemia temos de ver o médio prazo e o longo prazo. No médio prazo, que é o prazo em que ainda vamos ter de gerir a pandemia até haver uma resolução total do problema, é preciso sobretudo manter a confiança das pessoas e das empresas para manter a atividade, é preciso testar como se vai fazer esta saída do confinamento, de que forma vamos poder viver até haver uma vacina. Vai ser um exercício de pequenos testes: ver como funciona e encontrar esta nova forma de funcionar. Nunca ninguém viu isto, não há modelos teóricos que ajudem a pensar com muita profundidade sobre isto, a única forma de avançar é testar e quando funciona continuamos, quando não funciona andamos para trás. Até haver uma vacina, vamos ter um processo de uma economia nova de médio prazo. Diria que aí os riscos são que este processo vai de facto ter um peso no crescimento do PIB, vai ter um peso no emprego e, portanto, vamos precisar de mais apoio continuado dos Estados às economias. Não acabará em maio e não acabará em junho e, provavelmente, não acabará em setembro e temos de nos assegurar que este período não traz para uma divida que impeça a economia de funcionar no futuro.
É uma divida que vamos todos pagar, mas porque é um exercício contido no tempo, devemos conseguir pagá-la a muito longo prazo.
E como é que se consegue conter esses efeitos da divida?
Esses efeitos vão precisar de facto de uma solução europeia, que é absolutamente imprescindível. A solução tem de ser europeia e espero que os chefes de governo, com algum tempo, consigam encontrar uma solução que permita que esta divida em que vamos ter de incorrer para assegurar que a economia funciona durante os próximos tempos possa ser paga a um prazo muito dilatado.
Isto é um evento que acontece de 100 em 100 anos. Não faz sentido que se tente resolver o problema causado por um evento que aparece de 100 em 100 anos em 4 ou 5 anos. Esta divida tem de ser paga a muito longo prazo e há formas de pensar nisto com apoio do Banco central Europeu, com mutualização.
Esta questão de assegurar que o apoio continuado dos Estados, que vai ser necessário, não se transforma num problema de divida que tem de ser resolvido em apenas alguns anos, é uma das prioridades.
A seguir, vamos ter de assegurar que não perdemos a confiança. É muito importante que a abertura seja devagar, não queremos voltar a ter aqui uma reincidência da situação pandémica com a mesma incidência que tivemos agora porque isso a acontecer acaba completamente com a confiança das pessoas e sem confiança sabemos que a economia morre.
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Não adianta abrir a economia sem confiança dos consumidores, não é?
Exatamente. Temos de abrir devagar. Acho que o que estamos a ver nos Estados Unidos é muito perigoso. Se conseguirmos que o Estado consiga continuar a ajudar, que essa ajuda possa ser paga enquanto divida a um prazo alargado, se conseguirmos abrir devagar para não ter uma nova reincidência que acabe com a confiança. se conseguirmos que, do ponto de vista internacional, haja vontade de trabalhar em conjunto, que isto não se transforme numa guerra comercial entre a Europa, a China e os EUA que acabe com a economia internacional, se conseguirmos fazer isto com confiança, devagar para testar e assegurar, podemos minimizar a destruição de emprego e o mal pode vir daqui para a economia.
Se não o fizermos assim e deixarmos cada um fazer da sua maneira, sem coordenação internacional e se, de repente, o apoio dos Estados não é possível porque as agências de rating não vão permitir, então de facto vamos ter aqui uma crise prolongada e muito, muito profunda. Em cima da crise da pandemia, ter uma crise económica que pode ser evitável, seria terrível neste contexto.
Olhando mais para a frente, depois de controlada a pandemia e de haver Lam vacina, acho que as mudanças não vão ser tão grandes. Aquilo que somos como seres humanos não vai mudar
Acha que não vamos ter uma nova economia?
Acho que vamos ter uma nova economia em duas dimensões. Provavelmente, vamos tirar mais partido dos meios digitais como forma de trabalhar. No ensino, nas viagens de negócios, no funcionamento das empresas, no tempo que perdemos em reuniões, vamos ter mais eficiência tirando mais partido dos meios digitais, muitos dos quais já existiam. Tínhamos alguma resistência em dar este salto, mas agora porque fomos obrigados a dar o salto não faz sentido voltar para trás e voltamos a fazer as mesmas viagens de negócios para ir de um ponto ao outro para falar com uma pessoa durante uma hora para depois voltar para casa, que é como funcionam muitas empresas na Europa, sabendo que isso tem um peso enorme na poluição que cria, no stress que causa a cada um, no tempo que perdemos. Hoje, com os meios digitais, o que aprendemos é que podemos fazer isto de uma forma muito mais eficiente. E isto implica que, olhando para os setores, o setor digital vai ser o grande beneficiário da crise, todos os setores que têm a ver com viagens, nomeadamente viagens de negócios, vão ser mais afetados.
Acho que o turismo não vai ser afetado, muito pelo contrário. Acho que, assim que acabar esta crise, todos nós vamos viajar pelo mundo todo porque vamos perceber o valor de conhecer novos destinos e não estarmos fechados em casa. Acho que o turismo só tem é de aguentar o tempo suficiente para, no dia em que aparecer esta oportunidade, nós em Portugal estejamos prontos para tirar partido dela.
Vai ser uma economia menos globalizada? Na entrevista que deu no início do mês, aqui na Renascença, o primeiro-ministro disse que Portugal terá de depender menos da China e voltar a produzir produtos em que está dependente
Há uma questão é a das reservas estratégicas. Podemos ter uma crise e temos de ter uma reserva estratégica. Por exemplo, os franceses, quando houve a crise do SARS, a ministra francesa da saúde comprou uma quantidade enorme de máscara e eles tinham esse stock e, na altura, até disseram que tinha sido um disparate. Agora, deu jeito ter esse stock de máscaras. Os países terão, certamente, de ter alguma produção que é estratégica, que é importante terão de assegurar que a têm ou, pelo menos, que têm acesso seguro a bens estratégicos.
A lógica será muito mais uma lógica de diversificação de risco. Não posso depender só de um país, só da China, para responder às minhas necessidades de máscaras, por exemplo. Tenho de assegurar que, se um país tem um problema, podemos ir a outro lado buscar. Mais do que simplesmente dizer 'eu tenho de produzir tudo em casa' vamos ter de ter sistemas mais robustos, mais capazes de ter continuidade para que, se houver um problema num sitio, ter outra forma de resolver o problema e, em algumas situações em que a lógica seja de sobrevivência, assegurar que temos ou reservas estratégicas ou capacidade produtiva.
Sendo assim, acho que não há necessidade de inverter a globalização. Não esqueçamos que a globalização tem sido um dos maiores fatores de criação de riqueza no mundo, um dos maiores fatores de combate à pobreza porque muitos países, como a India ou a China, o combate à pobreza vem da capacidade de estarem nos circuitos internacionais e, portanto, não sentido destruir esta que foi uma das grandes fontes de criação de riqueza no mundo.
Quanto a Portugal, acha que o país tem ferramentas lidar com esta crise?
Portugal demonstrou uma capacidade enorme na gestão daquilo que foi a pandemia. O mérito desse resultado teve a ver com a ação dos nossos médicos, dos nossos governantes, de toda a nossa classe política e, francamente, de cada um de nós, e da imprensa. Todos trabalhamos como se podia esperar para resolver esta crise.
Olhando para a frente, Portugal tem um grande desafio do ponto de vista económico. É um país que depende muito do turismo e sabemos que o turismo será um dos setores mais afetados por esta crise. A ação governativa para apoiar todo este setor vai ser mais prolongada que noutros países em que não há tanta dependência de setores como o turismo que vai demorar mais tempo a resolver. Por outro lado, estamos com um divida pública muito elevada, temos necessidade de um apoio prolongado do Estado, temos uma sociedade disponível para o fazer, mas temos de ter os meios para o fazer sem que a situação da divida se torne insustentável. E a solução não é gastarmos durante uns meses e a seguir entrarmos numa austeridade profunda em que, de repente, através da carga fiscal ou do que for vamos ter de pagar a divida em muito pouco tempo. Entrar nesse sistema seria completamente contraprodutivo porque, mais uma vez, esta crise não é recorrente, esta crise e esta despesa é do prazo de um ano e deve ser paga a muito longo prazo. Portugal vê-se nesta situação que, de facto, pode ser complicado para a economia portuguesa, mas a saída disto depende muito que, do lado da gestão da divida, BCE e União europeia, haja o apoio suficiente para assegurar isso.
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