02 mai, 2020 - 10:50 • José Pedro Frazão
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Austeridade. A palavra-tabu não assusta o catedrático de macroeconomia na prestigiada London School of Economics quando aborda o impacto negativo da pandemia nas contas portuguesas. "Se lhe queremos chamar contenção ou austeridade, isso já se tornou uma questão mais política. Em termos de economia, em termos de equações, posso dizer-lhe que chamo a isso austeridade", afirma Ricardo Reis no programa "Da Capa à Contracapa" que analisa esta semana a resposta económica à crise global do novo coronavírus, num debate em que participou ainda o economista Vítor Bento.
"Com todas estas despesas públicas, com o aumento da divida pública, sendo Portugal um país já com um grande fardo de dívida, vai ser necessária uma grande contenção orçamental nos próximos anos para pagar todos os apoios que demos em 2020", antevê o também consultor académico do Banco de Inglaterra e da Reserva Federal Americana entre outras instituições. Quanto tempo de austeridade ? O economista diz que uma "imensa" contenção orçamental durante "mais 5 ou 10 anos" parece ser "inevitável de uma forma aritmética".
Não que as previsões sejam fáceis de fazer. Ricardo Reis admite às claras que todas as previsões sobre como a economia vai mudar são altamente falíveis. " Tanto é possível que as pessoas vão viajar menos daqui a 12 meses como é possível que o vírus esteja controlado e as pessoas vão viajar tudo o que não viajaram este ano", exemplifica para mostrar a incerteza do momento.
O economista acredita que a crise pode ser o pretexto para implementar "medidas estruturais" com entrada de novas "empresas, ideias, produtos e mudanças" na economia portuguesa, num movimento sem paralelo desde a entrada no Euro ou mais atrás na entrada na CEE nos anos 80 do século passado.
" Uma reestruturação da economia portuguesa era algo que a beneficiaria muito. Normalmente a deficiência mais estrutural da economia portuguesa é ser muito parada, muito rígida, onde é muito difícil entrar", sustenta Ricardo Reis, dando o exemplo de oportunidades levantadas pela emergência do teletrabalho devido à crise pandémica.
Numa pandemia que instala a incerteza, argumenta Reis, Portugal pode aproveitar algumas oportunidades no mesmo sector que tem vindo a acelerar o crescimento económico e que se vê agora a braços com uma grave crise súbita.
"Talvez haja um declínio do turismo a nível mundial mas pode também haver uma também uma grande reorganização dos destinos de turismo em resposta a uma crise como esta. Nesse lado, tendo em conta o ambiente de incerteza de saúde, o facto de Portugal ser percepcionado como um dos países mais seguros do mundo, pode dar-lhe ganhos. E se lidamos bem com esta crise de saúde, isso leva ainda mais a reforçar a nossa imagem de país seguro", argumenta este economista, um dos mais respeitados especialistas portugueses em macroeconomia, a leccionar numa das mais prestigiadas escolas de economia da Europa.
Outra oportunidade é visível no possível aumento da atracção de mais idosos do centro da Europa que procuram Portugal para viver os últimos anos da sua vida. " Temos um bom sistema privado de saúde e boas condições para uma pessoa se reformar. Tendo em conta que esta é a população alvo do risco de Covid-19, os incentivos para se mudarem para um sítio seguro e confortável nos últimos anos da vida são ainda maiores", sugere Ricardo Reis que acredita que esse movimento de reformados pode ajudar a compensar quebras de turismo causadas pela pandemia.
Ricardo Reis acentua a dupla dimensão da incerteza, de saúde e económica, a desenvolver ao longo dos próximos meses. E avisa que esta pode ser paralisante se as autoridades de saúde e o Estado não conseguirem transmitir a necessária confiança aos cidadãos.
"Agora que vamos reabrir a economia, vamos ver, em especial nos próximos dois três meses, até que ponto as pessoas têm confiança para trabalharem da forma segura como trabalhavam antes, para comprarem da forma que compravam antes. Só isso nos permite sermos produtivos. Nos países onde há uma incerteza de saúde, como aqueles que estão em guerra civil, há um colapso absoluto da actividade económica porque as pessoas estão mais preocupadas em manterem-se seguras do que a produzir", alerta o catedrático da London School of Economics.
Ricardo Reis cita John Maynard Keynes que avisava que numa situação de incerteza económica, as pessoas vão começar a poupar muito. "E todos a poupar ao mesmo tempo puxa para uma contracção da procura agregada e possivelmente para uma recessão que se transforma em depressão. Foi isto que aconteceu na Grande Depressão, num contexto de crise financeira e não de saúde. E é isso que temos que evitar nesta altura", apela o convidado do programa que a Renascença emite todos os sábados em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, publicando também em podcast disponível nas diversas plataformas digitais.
E Portugal, com grande dívida externa, sobretudo pública, estará preparado para os problemas de financiamento da economia ?
"Estou menos preocupado com isso, pelo menos no curto prazo. A gestão do Instituto de Gestão de Crédito Público nos últimos anos leva a que as nossas necessidades de financiamento e da nossa dívida que temos de pagar não seja muito grande nos próximos dois a três anos. As nossas necessidades de financiamento não são muito grandes. Em segundo lugar o Banco Central Europeu está altamente activo para tentar evitar o mesmo erro que cometemos quando deixámos que a crise financeira de 2008 tivesse levado a uma crise de dividas soberanas na Europa em 2010", responde o especialista em macroeconomia.
Reis está convicto de que o BCE "mais do que aprendeu essa lição" e vai fazer tudo para evitar que a crise económica do COVID 19 se torne numa crise das dividas soberanas em 2020 e 2021.
O economista radicado em Londres diz-se muito céptico em relação a soluções de mutualização europeia da dívida, uma vez que estas carecem de legitimidade política e democrática dentro da actual União Europeia. "Passos grandes demais poriam em risco a confiança em todo o projecto europeu ", acrescenta Ricardo Reis para quem nos útlimos anos "a Europa fez grandes passos e continua a fazê-los como no último mês".
O professor da LSE dá três exemplos dessa resposta positiva da Europa, construída em tempo recorde em várias instâncias comunitárias.
"Nas últimas 3 semanas, o Banco Europeu de Investimento criou um enorme plano de apoio às empresas europeias, algo que eu tinha escrito há 3 semanas e diziam ser impossível. Entrenato começou a ser discutida a criação de um fundo que é o inicio de um subsidio de desemprego a nível europeu que estava a ser debatida há anos. E por último, um compromisso do Eurogrupo para a criação de uma dívida europeia apoiada, não por mutualização de dívidas mas por novas receitas com impostos sobre o digital, o carvão e outros, que seriam administrados a nível europeu. São três grandes avanços no espaço de apenas um mês", elenca o convidado do "Da Capa à Contracapa" em debate com Vítor Bento, com quem concorda na defesa de mais transferências fiscais na Europa.
Ricardo Reis lembra que tem escrito abundantemente sobre alternativas à mutualização de dívida que passa por um "activo seguro pan-europeu", pela proposta das chamadas SBBS ( Sovereign Bond-Backed Securities ) e ESBies ( “European Safe Bonds” ), que, como explica Reis , criariam um mercado líquido de obrigações europeias de forma a permitir que o Euro sobreviva em concorrência com o dólar e evite grandes fluxos de capital dentro das diferentes regiões da Europa.
"É verdade que tudo isto exige a continuação do aprofundamento da integração política. Este conjunto de soluções caminha para a necessidade de maior confiança entre os países. Essa confiança só existe com maior integração política", observa o professor da LSE na Renascença.
Bruxelas já veio alertar para os riscos de uma nova vaga de investimento chinês numa Europa descapitalizada e ferida pela crise pandémica. No entanto, Ricardo Reis acredita que a crise foi apenas o pretexto para voltar a levantar uma preocupação que já vem de trás.
" As duas consequências imediatas da crise são o aumento da poupança, o que significa menos dependência de capital externo e a possível retorno de algum do "offshore" à Europa de forma a diversificar as cadeias de produção e estar menos dependente de uma região que possa ser afectada por uma doença. Ambos os efeitos levarão a economia privada, sem qualquer intervenção estatal, a minorar esse investimento chinês", argumenta o consultor académico dos bancos centrais de Inglaterra e Estados Unidos.
O catedrático em macroeconomia não vê argumentos técnicos contra a entrega de alguns activos estratégicos na mão de estrangeiros. " Aliás o que vemos frequentemente é que esses activos estrangeiros são os primeiros a serem taxados, nacionalizados, aos quais mais rapidamente se impõem perdas de controlo", complementa Ricardo Reis na Renascença.
Outra questão "mais difícil e bastante diferente" diz respeito ao crescimento de grandes monopólios nos últimos 20 anos em torno dos EUA, como a Apple ou a Google, mais do que à volta da China, onde a questão é sobretudo o 5G. Ricardo Reis lembra que nem blocos com a força da União Europeia conseguiram lidar com essas empresas " porque não têm essa escala mundial para combater".
A crise surge então como mais uma oportunidade para responder a essa frente e conseguir um "mercado concorrencial com produtividade" dado que como acentua Reis " nos últimos 10 anos o crescimento de Silicon Valley e de algumas empresas coincidiu com um grande declínio da produtividade. Talvez por serem tão dominantes, essas empresas não têm grandes ganhos de produtividade porque têm abusado da sua posição de mercado. Essa é uma questão de fundo que esta crise nos fornece como pretexto para começarmos a olhar com muita atenção até que ponto de facto temos de aumentar o combate aos cartéis e aos monopólios", remata este professor, doutorado em Harvard e professor e doutorado em Harvard e professor em Londres.Fernando Almeida lembra que o novo coronavírus, qu(...)
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