08 mai, 2020 - 21:14 • Ana Carrilho
Mais de um 1,2 milhões trabalhadores estão abrangidos pelo regime de lay-off simplificado a que aderiram dezenas de milhar de empresas na sequência da pandemia de Covid-19 e do estado de emergência decretado. Nos termos da lei, recebem dois terços do vencimento pela redução do horário ou suspensão do contrato de trabalho.
Mas há casos em que o rombo é muito maior. O trabalho por turnos ou as comissões acrescentam uma grande parte do ordenado, que não entra nos cálculos para o que se recebe em lay-off.
A Renascença falou com três pessoas que trabalham em comércio de roupas, numa empresa do ramo automóvel e num casino. Todas estão a fazer muitas contas à vida, a fazer cortes e nalguns casos, a adiar pagamentos. E a desejar, acima de tudo, regressar ao trabalho.
Sofia Almeida trabalha numa loja de uma conhecida marca nacional de roupa de homem. Com o estado de emergência, a loja fechou e a empresa acabou por aderir ao lay-off simplificado, a partir de 30 de março.
Ao contrário do que sempre aconteceu, não pagou o ordenado aos funcionários no fim do mês, mas apenas em abril. E sem as comissões a que as trabalhadoras (a maior parte são mulheres) teriam direito pelos objetivos atingidos em fevereiro.
Em declarações à Renascença, Sofia revelou que ganha o salário mínimo: 635 euros. Tanto para ela como para as colegas, o que “aconchega” são as comissões. Em tempo normal, cada objetivo vale mais 100 euros por mês; em saldos, 75. “Por vezes, conseguem-se mais 150-200 euros por mês, algumas colegas até conseguem 300”.
São valores que não entram nos cálculos da remuneração a receber quando se está em lay-off. Sofia acabou por receber a remuneração mínima, mas porque a lei determina que ninguém pode receber menos que esse valor. Descontada da contribuição para a Segurança Social, claro.
O marido de Sofia é empresário da construção mas, nos últimos tempos e por causa da Covid-19, foram diversos os clientes que cancelaram ou adiaram as obras e remodelações.
Ainda sem data para retomar o trabalho na loja, Sofia antecipa dias difíceis para a família, onde há também duas crianças, de quatro e 12 anos. “Se demorar muito, vai ser difícil, o que vai ser de nós com duas crianças? O meu receio e do meu marido é que possamos entrar em incumprimento com os bancos. Se ele não tiver obras, é o meu ordenado.”
Sofia teme ainda que a empresa faça despedimentos por redução da procura e incapacidade de pagar os vencimentos. E que comece pelos mais novos na empresa, como ela. “Isto assusta-me muito, muito”.
De acordo com o chefe do Governo, "está tudo pago (...)
Rodrigo trabalha na Faurecia, uma das empresas do Parque Industrial da Autoeuropa, em Palmela e fornecedora da fábrica da Volkswagen.
Com a suspensão de produção da construtora alemã, todas as outras pararam também. A Faurecia entrou em lay-off a 15 de março e só deverá retomar a atividade no fim de maio.
Rodrigo meteu uma semana de férias e esgotou os “down-days”. Mesmo assim, o que recebeu no fim de abril já foi significativamente menos do que o normal. “Pouco mais do que o salário mínimo. Para o lay-off não contam os turnos, outros subsídios e os prémios de função, por isso, foi muito menos. No próximo mês ainda vai ser pior”.
Na casa de Rodrigo já se fazem muitas contas. A mulher está desempregada e o subsídio está a terminar. Têm três filhos adolescentes, que estão todos em aulas, em casa. “É o dobro da comida, da roupa para lavar, banhos, mais água, luz, gás… tudo duplicou”. Por isso, admite, “tem que haver cortes em tudo, só nos focamos na comida”. Os diversos aniversários de abril, entre os quais o das filhas gémeas, ficaram sem festa, com todos em casa.
As idas ao supermercado são uma aventura. “Vamos menos vezes e gastamos mais. Parece que é de propósito: o que é mais barato, é o que não há. Temos que contar o que comemos e o que compramos”, conta o operário.
Rodrigo deseja voltar rapidamente ao trabalho, “também para ver se nos organizamos”. Para já, a família tem conseguido pagar todas as despesas, mas com muita ginástica.
Mário Carvalho é trabalhador de banca de jogo de casino na Estoril Sol, empresa que aderiu ao lay-off simplificado a partir de 10 de abril. À Renascença explicou porque é que esta classe é muito prejudicada com este regime.
O ordenado base ronda os mil euros (bem acima do que pagam outros grupos), mas a profissão permite que estes trabalhadores recebam gratificações, que são tributadas. O valor mensal é variável, conforme o serviço, mas facilmente “engordam” o salário em 900 a 1.000, 1.200 euros.
A empresa entrou em lay-off a 10 de abril e até aí, “pagou tudo direitinho”, mas o casino já tinha fechado a 13 de março. E sem trabalho, não há gratificações.
Quando recebeu o ordenado, Mário sentiu bem a diferença: cerca de 1400-1500 a menos (brutos). “As pessoas gerem a sua vida de acordo com o que ganham. As gratificações, fazemos muito vida delas. Em vez de 1.900-2.000 euros, recebi 654 euros, revela Mário Carvalho. Ou seja, 30% do habitual.
“Não me dá nem para pagar a renda. Tive que pedir moratórias a tudo o que pude e o que não pude, deixei de pagar. O mais importante é pagar a renda e os alimentos para a família”, admite.
Uma família grande: além de Mário e da mulher, três filhos e os sogros, donos de um café, mas que também teve que fechar portas devido à pandemia.
Se em abril já sentiram um grande corte no ordenado, em abril será mais difícil. E Mário, que também faz parte da Comissão de Trabalhadores da Estoril Sol, revela que há colegas que já precisaram de ajuda para comer. “Mesmo assim, juntámo-nos uns quantos e ajudámos. Mas vai acontecer com mais gente, de certeza”.
E por isso, lamenta que não tenham qualquer benefício a nível fiscal ou de proteção social em relação às gratificações sobre as quais descontam para o IRS. “Não contam para um subsídio de desemprego, agora para o lay-off ou para a reforma. Gerimos a nossa vida com elas, mas em termos legais, não servem para mais nada”.