16 jun, 2020 - 17:58 • Pedro Mesquita
O ex-ministro das Finanças Miguel Cadilhe acusa o presidente do Novo Banco de um desplante que incomoda, e ultrapassa vários limites, ao pedir mais e mais dinheiro do Fundo de Resolução, agora, por causa dos efeitos da pandemia, e com base num contrato mantido, até agora, em segredo.
Em entrevista à Renascença, Miguel Cadilhe, que liderou o BPN antes da nacionalização, sustenta que o Governo deve assumir um não absoluto na resposta ao pedido de António Ramalho e descreve a atual situação do Novo Banco como uma indecência, uma afronta ao bom senso e à inteligência.
Consegue perceber o que se está a passar com o Novo Banco?
Fora dos meandros, e dos bastidores, desses contratos ninguém percebe esta coisa toda, e eu também não percebo. Ou o contrato inicial foi muito mal feito ou então, neste momento, é muito questionável essa pretensão de o Novo Banco receber mais dinheiro, alegando adversidades e referindo a pandemia.
Para mim, não tem sentido nenhum porque a adversidade não é especifica, e incisiva, do Novo Banco. A adversidade da pandemia é geral e comum a todo o sistema bancário, a todos os bancos. Acho que a posição do Estado português deve ser um não absoluto e defender esse não. Não há que alegar isso para beneficiar, apoiar, o Novo Banco.
Quando diz que, das duas uma, ou o contrato foi muito mal feito ou, então, não faria sentido tal cláusula...
Ou ambas as coisas...
No fundo, está a dizer que seria essencial conhecer esse contrato. Por que é que há tanto secretismo?
Também não aceito, não entendo, não gosto desse secretismo à volta de um contrato que envolve o Estado português.
Que adjetivo utilizaria para descrever a atual situação do Novo Banco, por aquilo que está a ver?
Indecente. Indecente. É uma afronta ao bom senso e à inteligência. É uma indecência esta coisa toda do Novo Banco.
Mas o que está mal, então? Qual é a razão dessa “indecência”?
O modo de pedir, de exigir. O modo como o Estado corresponde a essa exigência e o modo como o contrato foi feito, há anos... contrato que não conhecemos no detalhe, mas do qual vemos as consequências. Isto é verdadeiramente inadmissível.
Como vê a prestação do novo ministro das Finanças ao admitir que o Estado poderá, até, injetar mais dinheiro no Novo Banco mas, a acontecer, será fora do acordo de venda decorrente da resolução?
Fora do contrato pode ter vários significados. Não sei o que é que está na cabeça do ministro das Finanças.
Parece-lhe uma intervenção ao estilo TAP?
Sim, uma intervenção do Estado com capital no Novo Banco pode, no limite, significar uma nacionalização do Novo Banco. O Estado tem os seus limites de atuação, limites financeiros, políticos e contratuais, naturalmente. Mas se o ministro das Finanças está a pensar em hipóteses, para além do contrato, uma delas - e só teoricamente a ponho - é, no limite, a nacionalização do Novo Banco.
O Estado talvez aí pudesse assumir uma posição mais defensável. Eu, pessoalmente não defendo a nacionalização de empresas que estão no mundo privado, claro. Bom, mas se estão a exigir do Estado - ou seja de todos nós, contribuintes - mais e mais e mais, com um desplante que nos incomoda... e esta palavra é diretamente para o presidente do Novo Banco porque acho que ele, pessoal e institucionalmente, está a ultrapassar vários limites. Bem, mas se o ministro das Finanças põe a hipótese de o Estado injetar mais capital, para além do contrato, a hipótese de nacionalização ou ajuste de preço, é algo que se pode prefigurar no horizonte... e eu não a desejo. Apenas, teoricamente, a estou a colocar.