22 jun, 2020 - 13:43 • João Carlos Malta
A Double Needle tem 30 funcionárias e labora na vila minhota de Moreira de Cónegos, freguesia industrial de Guimarães. Apesar da pequena dimensão trabalhava para um nicho, o da alta costura. Carolina Herrera e Max Mara eram dois dos clientes habituais. De um dia para o outro as encomendas desapareceram. A Covid-19 bloqueou-as. O "lay-off" foi a consequência direta, e a possibilidade de não pagar salários esteve iminente. Até que as máscaras comunitárias criaram uma oportunidade, e o mercado francês abriu a porta para a empresa conseguir até duplicar aquela que era a faturação.
O diretor financeiro Paulo Trindade conta à Renascença que a 15 de março parou tudo na Double Needle, e os clientes cancelaram todas as encomendas. No dia seguinte, “fomos todos para casa e fomos obrigados a fechar a fábrica”.
Seguiu-se um "lay-off" até ao dia 19 de abril. A agonia de poder não ter como pagar salários começou a crescer. As dívidas antigas ao Estado deixavam a empresa numa situação complicada.
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“De todas as medidas que estão a ser tomadas, nós não nos enquadramos em nenhuma. O ano passado passámos por dificuldades e tivemos de ficar a liquidar prestações à Segurança Social e às Finanças. Estamos a pagar e o facto de termos uma dívida acumulada faz com que a certidão de uma e outra entidade saia como ‘não regularizado’”, descrevia, o mesmo gestor, em abril à Renascença.
Até ao momento, garante, não entrou um euro do Estado na empresa.
Entretanto, Paulo e Cristina, os dois sócios da Double Needle, não pararam. Desenvolveram o desenho de uma máscara, e a 22 de abril, pararam o "lay-off". Chamaram de volta as trabalhadoras que estavam em casa e, dois dias depois, estavam a fazer máscaras e batas para hospitais.
“Foi uma mudança total”, confessa Paulo Trindade. “Houve um ‘boom’ de encomendas durante o mês de maio”, conta. Nessa altura, todos falavam em “milhões de unidades” que seriam pedidas. Havia uma nova expetativa.
A faturação disparou, e superou a média do pré-coronavírus. “Até era superior, as quantidades eram tão grandes, tão grandes. Num mês habitual normal 45 a 50 mil euros, em maio faturamos 120 mil euros”, diz Paulo Trindade.
O ponto de viragem foi o contato com parceiros franceses que fizeram a ponte para que chegassem a Moreira de Cónegos as encomendas. Foi necessário avançar para a certificação das máscaras feitas no Minho. Primeiro, ainda tentaram o CITEVE, que é o responsável pela homologação em Portugal, mas não conseguiram.
“Dois meses depois ainda estamos à espera. Toda a gente pediu ao mesmo tempo, e eles não tinham capacidade para absorver os pedidos que estavam dentro de portas”, explica o empresário.
Avançaram para França, e há poucas semanas o “Minestère des Armées” fez chegar a certificação necessária. “Tivemos a boa notícia e uma surpresa, devido aos tecidos e à montagem que fizemos, de três camadas, estamos na categoria 1 − que é equivalente à dos profissionais que estão em contato com público”, afiança.
“É muito bom, têm um poder de filtração superior a 95%”, contabiliza.
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O negócio mudou por completo. Das anteriores encomendas para peças de alta costura há pedidos avulsos, mas com quantidades residuais “de 500 peças, 200 peças” “nada que nos permita trabalhar como deve de ser”, diz.
Então, a nova área de negócio é para manter? Dificilmente. “Se isto continuasse era sustentável, mas acho que não tem futuro porque é um mercado muito volátil”, começa por dizer o diretor-financeiro da empresa.
Os principiais clientes eram municípios gauleses que fizeram máscaras para distribuir pela população, mas segundo este empresário o fluxo reduziu-se com a diminuição das imposições de utilização deste equipamento de proteção individual.
“Aliás, já está a notar-se. Em abril, maio e inícios de junho estava a funcionar bem, mas hoje todas as confeções andam à procura de trabalho porque a produção de máscaras caiu a pique. Há muita gente com stocks”, defende. França e Espanha começaram a apertar as importações porque, entretanto, iniciaram a produção interna.
Por isso, Paulo Trindade não tem dúvidas de que, “se isto continuar assim, daqui a uma semana estamos outra vez parados”. “Ligo todos os dias para França, para os clientes com quem trabalhei e que me passaram as encomendas, e está tudo em standby, não há nenhuma encomenda”, alerta.
O alerta vermelho voltou a acender, e Paulo está já a tentar arranjar uma forma de superar este momento. Olha para trás com a força de já ter passado dificuldades e para a frente com a vontade de os ultrapassar.
“Conseguimos por nós próprios com as encomendas das máscaras pagar os vencimentos de março, abril e maio, a 100%, e vamos pagar os de junho. Depois vamos à luta, a ver como de é que podemos arranjar uma alternativa”, remata o diretor-financeiro da Double Needle, Paulo Trindade.