15 jul, 2020 - 07:40 • Pedro Filipe Silva
O sonho de comprar uma casa é cada vez mais difícil de se realizar nas gerações mais novas. É o que revela um estudo da Fundação Calouste Gulbenkian, que avalia o acesso de várias gerações à habitação.
Em oito anos, diminuiu de forma acentuada a percentagem de famílias com habitação própria, onde o representante tem menos de 30 anos. Em 2011, essa percentagem era de 45% e, em 2017, apenas 24%. Uma descida acentuada depois de sucessivos aumentos durante 20 anos.
A coordenadora do estudo, Romana Xerez, sublinha que a última geração está em desvantagem. “Houve uma grande transformação na habitação própria, uma transformação que é diferente entre gerações. O que podemos verificar é que a última geração, os chamados Millennials, que têm entre os 20 e os 38 anos, tem uma desvantagem no que toca à habitação própria.”
A investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa explica que há dois fatores que justificam essa descida: a crise de 2008 e a aposta no arrendamento. “Isso foi um período que teve um efeito muito grande da crise de 2009 e, portanto, devemos analisar esse período com o impacto da crise, mas também com o período pré-crise. As alterações de vida que se verificaram em Portugal, com perda de rendimentos e aumento do desemprego".
"Por outro lado, há aqui também uma mudança de políticas no sentido de reforçar a importância do arrendamento. Houve também algumas alterações que surgiram nomeadamente no novo regime do arrendamento urbano, no sentido de aproximar as famílias do mercado do arrendamento”, sublinha a coordenadora deste estudo, que revela ainda que a despesa pública com a habitação diminuiu 42% entre 1995 e 2017.
Há ainda outro dado que pode explicar o nível baixo no acesso à habitação própria. Portugal é dos países da União Europeia que apresenta maior percentagem de jovens adultos a viver em casa dos pais. Está apenas atrás de Grécia e Itália, com 64%, acima da média europeia que é de 48%.
Perante os dados, Romana Xerez sublinha que este estudo vem confirmar que a falta de acesso à habitação é um novo risco social. “A questão dos riscos sociais não é nova, aquilo que mostra é o peso dos novos riscos sociais, que resultam de um conjunto de transformações económicas, políticas e sociais. Este acesso à habitação degradou-se, torna-se mais difícil para alguns grupos, não só na questão económica, mas também nas questões físicas de habitação”.
Este, que é o primeiro de um conjunto de estudos promovidos pela Fundação Calouste Gulbenkian com o objetivo de incentivar a justiça entre gerações, apresenta outras conclusões.
O peso da habitação na despesa anual média das famílias mais do que duplicou em 26 anos. Essa despesa representava, em 1990, apenas 12% dos encargos das famílias, e em 2016 já era de 32%. Ao olhar para as famílias mais jovens, é possível verificar que registaram uma quebra de riqueza líquida superior a 50%, entre 2010 e 2017.
Os encargos com empréstimos à habitação tendem a terminar já depois da idade da reforma. Com os dados de 2018 disponilizados pelo Banco de Portugal, é possível concluir que 30% das pessoas pagam os empréstimos já em idade de reforma e, de geração em geração, a tendência tende a piorar.
O estudo contou também com a colaboração das investigadoras Elvira Pereira e Francielli Dalprá Cardoso do Centro de Administração e Políticas Públicas do ISCSP da Universidade de Lisboa.
A pandemia veio piorar o cenário?
Este estudo sobre o acesso à habitação entre gerações é pioneiro em Portugal e os dados remontam a 2017, mas a coordenadora Romana Xerez não foge à questão sobre a atual pandemia.
Segundo Xerez, "esta geração mais nova já está em desvantagem em relação às gerações anteriores, nomeadamente a que denominamos de «baby boomers» e são estes também que surgem com mais desvantagem nestes riscos da pandemia, nomeadamente na sua precariedade laboral, na diminuição dos rendimentos e, eventualmente, no aumento do desemprego. Por isso o reforço da habitação como o novo risco social surge pelas consequências da pandemia, que pode estar ainda muito no início.”, conclui.