08 set, 2020 - 20:44 • Lusa
O antigo BES concedia e acompanhava os processos de crédito com base em processos com “fragilidades”, que resultavam em “insuficiências na documentação acerca dos devedores, risco das operações e respetivas garantias”, indicou a auditoria levada a cabo pela Deloitte.
A auditoria da consultora aos atos de gestão do BES/Novo Banco é referente ao período entre 2000 e 2018 (ou seja, abarcando quer o período antes quer depois da resolução do BES e criação do Novo Banco), decorria desde o ano passado e deveria ter ficado concluída em julho, tendo sido entregue na semana passada.
“O modelo de 'governance' implementado no BES durante o período aplicável da nossa análise evidenciava um conjunto de fragilidades ao nível do processo de concessão e acompanhamento de operações de crédito”, indicou a Deloitte.
De acordo com a auditora, “essas fragilidades resultavam, entre outras, em insuficiências na documentação acerca dos devedores, risco das operações e respetivas garantias”, sendo que “foram identificadas situações de processos de concessão de crédito sem análises de risco no momento da concessão de crédito ou com limitações relevantes ao nível da informação financeira, orgânica e operacional dos devedores, inexistência de avaliações dos colaterais imobiliários e mobiliários, assim como, no âmbito do processo de acompanhamento, a inexistência de análises de risco regulares dos devedores e exceções ao nível da reavaliação regular dos ativos recebidos como colateral”, lê-se no documento.
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A Deloitte ressalvou que “no período anterior a 04 de agosto de 2014 e até novembro de 2014 não era obrigatória a preparação de parecer prévio por um órgão independente da concessão para aprovação de operações de crédito”, sendo apenas exigida “a realização de análises de risco anuais, incidindo sobre a situação financeira e posição do cliente ou do grupo económico, e a atribuição de 'rating' interno para os clientes”.
Não estava também estabelecida “a obrigatoriedade de realização de análise de risco específica ou de emissão de parecer específico sobre as operações, previamente à sua contratação”.
A Deloitte analisou em detalhe um conjunto de exposições a empresas do setor da construção, associadas a “grupos económicos que historicamente apresentaram elevado endividamento, tendo envolvido a concessão de crédito de montantes relevantes a holdings desses grupos”, referindo que “algumas destas empresas começaram a atravessar dificuldades mais visíveis a partir de 2012 e o BES/Novo Banco foram tomando decisões em diversos processos de reestruturação ocorridos entre 2012 e 2018, que envolveram igualmente outros bancos nacionais, no sentido de manter o apoio a estas empresas”.
Estas decisões, indicou a consultora, por vezes “envolveram ‘new money’ [dinheiro novo] e a prestação de garantias bancárias para realização de obras”, sendo que “estas reestruturações foram assegurando a continuidade dessas empresas, criando condições para que continuassem a operar e a executar obras, em alguns casos explorando novos mercados em virtude da estagnação verificada no mercado em Portugal a partir do início da década”.
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Em certos casos, estas reestruturações “eram baseadas em planos de negócio elaborados por consultores externos, apresentados pelos clientes, os quais pressupunham normalmente crescimento significativo de atividade em outras geografias, tais como África, Médio Oriente e América do Sul”, sendo que “num conjunto de devedores analisados, a estratégia das empresas não foi bem sucedida e acabaram por entrar em insolvência, obrigando, em alguns casos, o Novo Banco a honrar garantias bancárias de boa execução que tinham sido prestadas para obras em curso e originando perdas associadas a exposição patrimonial”.
A Deloitte identificou ainda “um conjunto de devedores com operações de crédito, aprovadas e contratadas antes de 04 de agosto de 2014, cujo objetivo foi a aquisição de ações cotadas em bolsa” nomeadamente, do Banco Comercial Português [BCP], o grupo Portugal Telecom [PT], e a Espírito Santo Financial Group.
Estes financiamentos “eram concedidos tendo como colateral fundamentalmente as próprias ações adquiridas, verificando-se em alguns casos a inexistência de ‘covenants’ [garantias] contratuais de cobertura mínima”, explica.
Com o “declínio do GES [Grupo Espírito Santo] e do grupo PT, bem como da desvalorização significativa verificada na cotação em bolsa das ações do BCP, parte dos colaterais associados a estes financiamentos concedidos pelo BES viram o seu valor reduzir-se significativamente, originando o registo de perdas significativas”, segundo o documento.