14 set, 2020 - 14:10 • Liliana Monteiro
As empresas podem ter liberdade de gerir o teletrabalho e horários dos trabalhadores de forma unilateral sem o seu consentimento. É o que consta de um novo decreto-lei a que o jornal digital "Eco" teve acesso e que deverá ser apresentado aos parceiros sociais.
De acordo com o decreto-lei que está em cima da mesa, explica Rita Garcia Pereira, especialista em Direito do Trabalho, "o empregador pode impor o teletrabalho, intercalado com prestação de trabalho efetivo -- a não ser nos casos de debilidades previstos na lei ou infetados com Covid-19".
Para além disto, adianta, "nos momentos de trabalho efetivo pode ser alterado o horário de trabalho: momentos de entrada, saída, pausas e horário de refeição, sempre sem precisar de consentimento do trabalhador”.
Esta alteração de horário ou de regime presencial para teletrabalho deverá ser comunicada com o mínimo de cinco dias de antecedência em relação à concretização, diz o documento.
Para o advogado João Massano, também da área laboral, esta medida vai ter consequências desproporcionadas. “A confirmar-se essa possibilidade de imposição de horários, os custos sociais são claros. Isto representa uma intromissão na vida privada do trabalhador que é desproporcionada e deveria ser balizada pela legislação e não ficar no livre arbítrio do empregador."
O teletrabalho está de novo recomendado a nível nacional, mas deve ser seguido como prática no Porto e em Lisboa para empresas com mais de 50 trabalhadores. O que se preparou a nível legislativo para este novo modelo de trabalho? O que corrigiu e esclareceu o Governo em relação a muitas dúvidas legais?
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A advogada Rita Garcia Pereira considera que no terreno reina uma grande dúvida em matéria de regras laborais e teletrabalho nesta fase de pandemia.
“Nada foi alterado e continuamos com legislaçao transitória e de emergência com sucessivas alterações. Tem havido muitos lapsos e problemas de interpretação. Há uma incerteza jurídica e agora estamos perante outra alteração. Demos não um mais vários passos atrás.”
Já João Massano lamenta que se tenha perdido a oportunidade de o legislador esclarecer coisas básicas.
"A questão que deveria ter sido clarificada é a das despesas acrescidas que o trabalhador tem por realizar o trabalho em casa, a propriedade dos meios, quem tem de fornecer o material de trabalho, quem suporta os custos do telefone, etc...".
Desde março que foram muitos os relatos de atropelos aos direitos dos trabalhadores em teletrabalho, dúvidas e atuações incorretas de empresas e essa indefinição permanece.
"Não só não dissipou as dúvidas antigas como surgem novas. A reserva da vida privada em teletrabalho versus o poder do empregador para controlar o horário de trabalho, o pagamento, ou não, do subsídio de alimentação, a propriedade dos instrumentos de trabalho, as formas de controlo da prestação do trabalho. Não esclarece também como é que a presença efetiva deve ser intercalada com o teletrabalho". afirma Rita Garcia Pereira. "Diz na legislação que a organização do tempo de trabalho pode ser gerida única e exclusivamente pelo empregador. Isso inclui dias de descanso? Quantos dias de descanso? E no caso em que sempre foram fixos?"
João Massano, por seu lado, aponta falhas à fiscalização da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), que diz não estar em campo e em tempo útil, dando exemplo de um caso que tem em mãos de um despedimento. "Um trabalhador envolvido em despedimento por extinção de posto de trabalho, mas que já tinha várias queixas e relatos junto da ACT. O processo dura há mais de um mês e a ACT ainda não fez o parecer que lhe compete."
Ambos os especialistas são unânimes: a nova legislação não permite alterar funções aos trabalhadores. Fica o conselho para que os trabalhadores guardem os horarios que fazem e os registos de horas extra para que depois possam exigir o pagamento.