23 set, 2020 - 21:32 • Ana Carrilho
Conhecem melhor do que todos as dificuldades que passam diariamente para ultrapassar os obstáculos que a doença lhes coloca, como doentes ou como cuidadores informais. Criam soluções e querem partilhar com outros as vantagens que têm.
É por isso que a Patient Innovation, uma plataforma criara pelos investigadores portugueses Pedro Oliveira e Helena Canhão onde todos podem encontrar resposta para inúmeros problemas de saúde, já tem mais de 2.400 soluções partilhadas.
A maior parte das soluções são simples, mas podem mudar vidas. Várias já receberam prémios.
A Patient Innovation é uma associação sem fins lucrativos que nasceu em 2014. “No âmbito da nossa investigação percebemos que, por vezes, os doentes e cuidadores são muito inovadores, mas os especialistas tendem a ignorar essas inovações. E no início, quando começámos a dizer que há soluções fabulosas que são desenvolvidas pelos doentes, havia quem olhasse par nós com uma certa condescendência, pensando que não sabíamos do que estávamos a falar”, recorda o fundador da plataforma registada em Portugal, o investigador e professor de Gestão de Inovação da NOVA SBE, Pedro Oliveira, atualmente a dar aulas na Universidade de Copenhaga, na Dinamarca.
“O que me interessa muito na minha investigação é a origem dos produtos e serviços. E quando percebi isso na saúde, vi que havia aqui um enorme potencial e era irónico que ninguém estivesse a pensar nisso. O tempo mostrou que tínhamos razão, demonstrando que há soluções fabulosas, muitas já foram validades, estão no mercado e têm um enorme impacto na vida dos doentes”, revela Pedro Oliveira com satisfação e orgulho.
Bootcamp Patient Innovation
Plataforma Patient Innovation, criada por dois inv(...)
Está registada em Portugal, mas tem alcance global. Já conta com cerca de 2400 soluções/inovações. O número cresce à média de três por dia. A comunidade de visualizadores tem mais de 1,4 milhões de pessoas, com 120 mil utilizadores frequentes.
É com grande entusiasmo que Pedro Oliveira conta como é que Patient Innovation ganhou o apoio de dois prémios Nobel, logo no início do projeto. Tudo aconteceu na sequência da apresentação realizada numa conferência para médicos. Apesar do nervosismo, correu bem e no fim, muita gente queria falar com o especialista português em gestão de inovação.
Depois de ter recebido a oferta de apoio financeiro de uma representante da Fundação Peter Pribilla, alguém se lhe dirigiu elogiando a apresentação como “muito gira”, mas logo referindo que se via que Pedro Oliveira não percebia nada de medicina. Queria por isso, ajudá-lo e até estava disposto a trazer mais alguns amigos.
O fundador da plataforma confessa que ficou um pouco aborrecido e não ligou muito homem que insistia em o querer ajudar. Só ficou bem atento quando este o confrontou com o facto de “estar com a cabeça noutro lado”, sendo por isso melhor deixar-lhe os contractos. Com uma nota de despedida: “Não me cheguei a apresentar, o meu nome é Richard Roberts e sou mais conhecido por ter ganho o Nobel da Medicina em 1995. E quando falei de trazer amigos, estava a pensar também noutros Prémio Nobel”.
Para Pedro Oliveira, este apoio foi absolutamente crucial para o crescimento do projeto. Sir Roberts trouxe mais outro laureado, o israelita Aaron Ciechanover, Nobel da Química. Ambos integram o Conselho Consultivo, com outros especialistas mundiais, uma “Advise Board” muito importante para ajudar a validar as soluções antes de serem partilhadas.
Na altura, Sir Roberts confessou a Pedro a Oliveira que a plataforma o tinha interessado não como médico, mas sobretudo como cuidador de um filho tetraplégico, na sequência de um acidente de automóvel: “As inovações mais importantes que mudaram a minha vida e a da minha família não foram feitas porque sou um Nobel; vêm da minha experiência de pai e cuidador, das alterações que fiz lá em casa para que a cadeira de rodas funcionasse, a cama, etc”.
Aliás, todo o apoio da associação é filantrópico. ”Como muitos de nós somos investigadores em universidades, beneficiamos de alguns projetos financiados pela FCT ou do programa MIT Portugal. A Fundação Gulbenkian tem sido um apoio importante desde o início, assim como outras fundações a nível mundial e algumas empresas, nomeadamente da área farmacêutica”.
Pedro Oliveira sublinha o apoio do Ministro Manuel Heitor ou do ex-comissário europeu Carlos Moedas, agora na Gulbenkian. Mas os contactos com o Ministério da saúde “nunca foram muito fáceis. A certa altura parecia que iam ser, mas o ministro mudou e esta ministra ainda não teve tempo para nos ligar ou prestar atenção a este tipo de assuntos”, diz com alguma desilusão.
“Ainda fico muito surpreendido com algumas coisas que nos aconteceram”, confessa Pedro Oliveira à Renascença. E lembra a chamada das Nações Unidas, referindo que o antigo Secretário Geral das Nações Unidas lhe queria entregar um prémio. “Pensei que era engano”. Mas não era e em 2016, a Patient Innovation recebeu de Ban Kim-Moon o prémio por ser um exemplo de compromisso para a ação colaborativa. Foi um dos cinco projetos selecionados por já estarem a contribuir para duas metas de sustentabilidade da ONU: Boa Saúde e Bem-estar e Indústria, Inovação e Infraestruturas.
No mesmo ano, entre mais de um milhar de projetos a concurso, foi considerada a Start-up mais promissora do mundo na área social. “Todos estes prémios são muito importantes para a visibilidade do projeto”.
Não é apenas a plataforma que tem sido premiada. Muitas das soluções também receberam prémios ou outros incentivos pelo contributo que dão à melhoria da qualidade de vida de milhões de doentes e cuidadores.
É o caso do Path Finder, desenvolvido por uma cuidadora, para ajudar o pai, que tem a Doença de Parkinson. “Um dos problemas destes doentes é o “freezing”, ficam como que congelados quando é suposto começarem a andar, falta qualquer coisa que os convença a dar o próximo passo. Mas se no chão existirem marcas, os doentes conseguem começar a segui-las, explica Pedro Oliveira. O que a filha Lise Path inventou foi um projetor laser que se aplica ao sapato e que vai projetando marcas, na prática, permitindo que a pessoa ande quase normalmente”, explica Pedro Oliveira.
Esta solução ganhou um Patient Innovation Award, que a associação atribui a projetos com muito potencial, mas também outros, incluindo o prémio Horizon 2020, no valor de um milhão de euros. A solução já está a ser comercializada.
Coronavírus
Desde que se tornou possível, apenas 1300 pessoas (...)
Também a vida de Tal Golesworthy mudou com a sua invenção. Inconformado com a perspetiva de pouco tempo de vida devido ao fato da sua aorta não ser suficientemente robusta para o fluxo sanguíneo, este doente com Sindrome de Marfan, começou a pensar numa solução e chegou ao Exovasc, um suporte externo para a aorta.
Mais difícil foi convencer o médico a implantar-lho mas depois da validação médica, isso acabou por acontecer. E agora Tal Golesworthy tem uma empresa que comercializa esta solução. “Na prática fez o percurso que estamos aqui a tentar fazer com outras pessoas (no Bootcamp), mas levou mais tempo e não teve muitas ajudas, ao princípio.
Também a solução criada por Michael Seres, o Ostom-Alert, pode mudar a vida de muita gente. O britânico foi operado vinte cinco vezes e removeram-lhe uma parte do intestino, sendo obrigado a usar saco. Uma situação que se pode tornar embaraçosa socialmente, quando o saco enche. Desenvolveu então um sensor que diz quando o saco está quase cheio, comunicando por Bluetooth com o telemóvel.
“Michel faleceu há ano e meio, mas havia outros doentes que conheciam a ideia, criaram uma empresa e estamos a tentar ajudá-los. Este device tem um impacto enorme na vida das pessoas, já que há cerca de 5 milhões de ostomizados em todo o mundo”, sublinha Pedro Oliveira.
Mais de trezentas soluções apresentadas nos últimos meses – desde o início da pandemia – prendem-se com a COVID-19. Máscaras protetoras, máscaras para ventiladores, ventiladores, soluções de higiene pessoal, etc. “Obrigou-nos a criar uma secção especial do site. Há propostas para 110 ventiladores! Numa altura em que toda a gente dizia que a grande falha era a falta de ventiladores, as pessoas organizaram-se para desenvolver ventiladores. Alguns têm viabilidade e estão a ser usados nalguns hospitais. Em Itália vimos soluções muito interessantes”, refere Pedro Oliveira.
Aliás, este foi um país que passou a ter muitos utilizadores na página. Só mais tarde é que descobriram que o Corriere de la Serra tinha feito um artigo sobre a Patient Innovation classificando-o como “site de referência para a inovação na área da saúde”.