10 out, 2020 - 10:21
O economista Manuel Caldeira Cabral considera que a subida do Salário Mínimo Nacional é positiva para a economia, embora admita que face à atual crise possa ter uma subida menos significativa em 2021.
"O aumento do salário mínimo dá um sinal muito positivo à economia e à sociedade. Quando um dos principais problemas é um problema de procura, este sinal dá confiança aos trabalhadores e é um sinal importante", explica Caldeira Cabral em entrevista à Agência Lusa.
O primeiro ministro da Economia do primeiro Governo de António Costa lembra que a discussão sobre a subida do salário mínimo já se havia colocado quando fez parte do Governo e apesar de as condições económicas não serem exatamente as mesmas, não tem dúvidas de que o salário deve aumentar.
O atual momento "é diferente, mas talvez não seja tão diferente do momento em que estávamos no final de 2015 e princípio de 2016 em que também havia os mesmos argumentos" para não aumentar o salário mínimo.
Ainda assim, Caldeira Cabral reconhece que em 2021 a subida do salário mínimo deverá ser mais moderada que em anos anteriores devido ao atual estado da economia.
"Penso que este seria um ano em que o aumento do salário mínimo, pelas condições da economia, deveria ser mais moderado que em anos anteriores", defende o economista, adiantando que a subida deveria estar relacionada com a evolução da economia.
"Devemos desenhar aumentos do salário mínimo que tenham a ver com a evolução da economia. Que devem ter capacidade de ser maiores se houver uma recuperação económica mais rápida, mas que, eventualmente, devem ser menores se a recuperação da economia for mais lenta".
Caldeira Cabral reconhece que para algumas empresas o salário mínimo "tem influência na sua capacidade competitiva e de rentabilidade", mas lembra também que a atual crise afetou as empresas de forma muito diferente.
"A crise afetou empresas muito diferentes de uma forma muito diferente e, portanto, é muito mais importante ter apoios fortes", por um lado e, por outro, "é preciso olhar para o Programa de Recuperação e alinhar o que são as nossas prioridades com o que são as prioridades europeias".
E explica o que pode ser feito para apoiar as empresas: "podemos usar fundos de sustentabilidade para financiar as nossas empresas a fazer investimentos, se calhar com uma grande parte a fundo perdido, que lhes reduzam a fatura energética nos próximos anos", por exemplo.
Este tipo de investimentos, prossegue o economista, pode permitir a redução dos custos energéticos das empresas e, dessa forma, torná-las "mais competitivas" e, assim, permitir-lhes aguentar "salários mínimos mais elevados", conclui.
No final de setembro o Governo começou a ouvir os parceiros sociais sobre o aumento do salário mínimo nacional em 2021, mas não apresentou uma proposta ainda que mantenha o objetivo de o atualizar dos atuais 635 euros para 750 euros até ao final da legislatura.
Entre 2011 e 2014 o salário mínimo manteve-se congelado nos 485 euros, tendo aumentado depois disso sucessivamente para 505 euros em 2015, 530 euros em 2016, 557 euros em 2017, 580 euros em 2018, 600 euros em 2019 e 635 euros em 2020.
Manuel Caldeira Cabral considera essencial que a proposta de Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) mostre claramente que o país não está a regressar às políticas de austeridade aplicadas em 2011.
"É importante que o próximo Orçamento seja anticíclico, mostre um claro compromisso de que não estamos a voltar a 2011, a políticas de austeridade", defende aquele que foi o primeiro ministro da Economia do primeiro Governo liderado por António Costa.
Atualmente a ocupar o cargo de vogal do Conselho de Administração da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, Caldeira Cabral justifica a necessidade de se dar este sinal aos agentes económicos para que se faça uma gestão das expectativas que permita impulsionar a recuperação da economia.
"É importante ter políticas que trabalhem, não só para compensar a queda da economia, mas também no sentido de gerar expectativas mais positivas de crescimento", explica numa entrevista à Agência Lusa feita na condição de que não se abordariam os temas relacionados com a supervisão do setor dos seguros.
Apesar de defender a necessidade de não aplicar medidas de austeridade em 2021, Caldeira Cabral defende também a posição do Governo de, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência da União Europeia, prescindir dos empréstimos disponíveis, apostando na execução dos 15,3 mil milhões de euros em subvenções diretas.
"Os empréstimos seriam muito importantes se o Estado estivesse com dificuldades de se financiar ou se esse financiamento fosse necessário", explica o antigo ministro, adiantando que não é esse o caso uma vez que Portugal se está "a financiar com taxas que estão entre as mais baixas a que alguma vez se financiou" e que chegam a ser negativas nalguns prazos.
Caldeira Cabral defende ainda que no âmbito do Orçamento para 2021 se avance rapidamente com as medidas de estímulo à economia.
"Se essas medidas se se concretizarem em investimento e em despesa no primeiro e no segundo trimestre terão o efeito de alteração das expectativas e de estancar a perda de emprego".
O economista explica que não está a defender aumentos exagerados do lado da despesa, mas que se deve seguir uma política semelhante à usada entre 2015 e 2019.
"Mostrámos que um aumento moderado da despesa, bem focado e bem canalizado para áreas em que tem efeitos multiplicadores muito fortes pode dar um estímulo forte à economia", defende.
Tudo medidas que, segundo o economista, ajudarão à recuperação de uma economia que terá batido no fundo no segundo trimestre deste ano quando registou uma quebra trimestral homóloga de 16,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
"Depois de uma queda muito forte no segundo trimestre, temia-se que o terceiro trimestre também fosse bastante mau por causa do turismo, mas há alguns sinais, principalmente no quarto trimestre, que mostram que a economia está a recuperar lentamente, mas está a recuperar", sublinha Caldeira Cabral.
O antigo ministro diz acreditar que estes sinais se irão manter no próximo ano, com o primeiro trimestre de 2021 "ainda a ser de queda homóloga", mas com o PIB no segundo e terceiro trimestre a registar "crescimentos homólogos muito fortes".
Apesar destas boas notícias, Caldeira Cabral adverte para o facto de os resultados ainda serem negativos ao nível do emprego.
"O crescimento do desemprego vai continuar até ao final deste ano, vai continuar no primeiro trimestre do próximo ano e possivelmente só a meio do próximo ano é que vamos ter uma estabilização, ou até uma diminuição do desemprego", prevê o economista.
Caldeira Cabral acredita, ainda assim, numa recuperação forte em 2021, mas explica que é preciso ter consciência do que significa essa recuperação.
"Depois de uma queda de 8% em 2020, se calhar a maior desde a Segunda Guerra Mundial, em 2021 vamos ter o maior crescimento desde os anos 90. Mas se crescermos 4,5% significa que ainda ficamos muito atrás de onde estávamos em 2019", ou seja, prossegue o economista, "provavelmente só em 2022 ou em 2023 é que vamos conseguir voltar ao nível de 2019".
Manuel Caldeira Cabral defende uma maior rapidez na aplicação das verbas que chegarão de Bruxelas, mas diz que não pode faltar transparência ou combate à corrupção.
Quanto à aplicação dos fundos europeus, Caldeira Cabral diz que temos de ter em atenção três aspetos diferentes: "A necessidade de rapidez. Os objetivos de longo prazo. E a transparência e o combate à corrupção".
Mas, para o antigo ministro, "a transparência e o combate à corrupção não podem ser comprometidos. Não se pode aceitar falta de transparência ou falta de combate à corrupção", sublinha.
Já nos outros dois objetivos, Caldeira Cabral diz que têm de se fazer compromissos.
"É necessário um compromisso entre objetivos de longo prazo (e os objetivos definidos pela União Europeia), mas temos de ter formas que garantam que a execução é rápida".
O antigo ministro justifica a necessidade dessa rapidez com o facto de este ser um fundo de recuperação que não pode ter mecanismos que façam com que a sua aplicação resvale para 2022 ou 2023.
"Isso significaria que ao longo de 2021 a economia europeia entraria numa crise muito mais profunda do que o necessário e numa crise que depois tenderia a arrastar-se" e quando os fundos chegassem ao terreno "teriam mais dificuldade em ser eficazes", explica.
O antigo ministro defende assim que uma solução deve passar por um reforço das estruturas técnicas que em Portugal fazem a avaliação da aplicação desses fundos.
"O reforço destas estruturas, que são estruturas técnicas e que fazem uma avaliação técnica, pode ajudar", explica, adiantando que, com mais pessoas a trabalharem nessas estruturas, é possível "fazer uma análise igualmente rigorosa, mas analisar um maior volume de projetos".
Caldeira Cabral diz ainda que "não devemos ir para o maniqueísmo de dizer que uns estão pela rapidez e outros estão pela transparência".
O economista reconhece que há regras que são importantes para o controlo da despesa e que algumas dessas regras atrasam os processos e, nesse sentido, defende que em 2021 se simplifiquem algumas. Mas, "ao serem simplificadas, deve haver mecanismos que permitam fazer uma avaliação posterior e que criem nas pessoas que estão a utilizar os fundos a certeza de que não vão ficar sem fiscalização. Não têm é a fiscalização toda feita previamente".
Para os objetivos de longo prazo, uma peça essencial para a sua definição é a "Visão Estratégica para o Plano de Recuperação 2020/2030" elaborado pelo gestor Costa Silva a pedido do Governo.
Caldeira Cabral diz que este é um plano com "muito conteúdo" e que aponta para várias áreas onde terá de se atuar.
"Há um tempo muito curto e este trabalho, que não é suposto substituir o trabalho dos ministérios, ou o trabalho de negociação com a Comissão Europeia, é um trabalho que de forma independente e do exterior traz para dentro muitas sugestões, muitas ideias", conclui Caldeira Cabral.