A economista Francisca Guedes de Oliveira considera que não é aceitável haver "empresas que só sobrevivem se pagarem 500 euros" aos funcionários, observando a permanência de um discurso contrário à evolução da qualidade de vida dos mais vulneráveis.
Em entrevista à Lusa, a professora da Universidade Católica do Porto disse que em Portugal ainda há "a ideia de que é aceitável nós termos empresas que só sobrevivem se pagarem 500 euros às pessoas".
"Eu acho que isto não é aceitável", vincou, e dando como exemplo o aumento do salário mínimo nacional em negociação para o Orçamento do Estado para 2021, considerou que "não se pode, com o argumento da crise e com o argumento das dificuldades que todos estamos a sentir, deixar cair coisas como a valorização do salário mínimo, a valorização de prestações sociais", ou ainda o investimento público, especialmente na saúde e na educação.
De acordo com a académica, a melhoria das condições de vida das faixas mais vulneráveis da população é que vai criar "resiliência e resistência para o futuro", uma vez que continua a haver "uma massa da população que não tem os mínimos e não tem capacidade de resistir quando as coisas apertam da forma que têm apertado".
Segundo Francisca Guedes de Oliveira, ainda existe uma visão "que olha para isto como se o manter uma determinada faixa da população em determinados mínimos não fosse um problema".
"É uma coisa que eu não consigo perceber muito bem", confessa, acrescentando que nas crises "as vítimas são sistematicamente as mesmas".
"É uma falta de dignidade do emprego que eu não consigo compreender. Que isso seja aceitável numa sociedade como a nossa, para mim é absolutamente incompreensível", acrescentou.
Segundo a economista, os rendimentos têm "a ver com a dignidade das pessoas e a maneira como nós tratamos as pessoas", bem como "com os valores base do país e aquilo que o país pode aguentar no futuro".
"Se nós elevarmos a fasquia de quem está cá em baixo, eu tenho a certeza absoluta que a dita resiliência, resistência, capacidade de aguentar quando a próxima crise vier, virá", asseverou.
Reconhecendo que o discurso "mais à direita" - que tende a defender que as empresas, ao garantirem os postos de trabalho, protegem as pessoas - "não é mal intencionado", a professora universitária entende que esta "é uma visão completamente errada e distorcida".
"É achar que se aborda e que se resolvem problemas conjunturais olhando para o lado da oferta", contestou Francisca Guedes de Oliveira.
Segundo a economista, a resolução está do lado da procura, e "em todo o tipo de procura, em particular a procura interna, consumo interno e consumo privado", destacando também que "o consumo privado aumenta mais nos rendimentos relativamente mais baixos".
A professora da Católica defendeu ainda que o salário mínimo e as prestações sociais "não podem ser instrumentos de competitividade".
"Têm de ser instrumentos de garantia de um tipo de vida, de dignidade de vida e de capacidade de sobrevivência, que tem que ser mais do que sobrevivência para as pessoas", defendeu.
Não obstante, a economista refere que em termos de aumentos, em Portugal, "tudo tem de ser feito com bom senso e de acordo com a nossa realidade", uma vez que "não vamos passar a ser a Suíça".
"Tem que ser feito num contexto daquilo que é a realidade social, económica, empresarial portuguesa", desenvolveu, acrescentando que no seu raciocínio não está em questão "achar que se dupliquem salários mínimos e que se dupliquem subsídios de desemprego".
Mencionando que em termos governamentais, ao longo dos anos, "se vai fazendo o que se pode" em termos de salário mínimo, pensões e "na forma e montante de alguns dos subsídios de desemprego que são atribuídos", a economista frisou que "não pode é nunca deixar de fazer-se".
Francisca Guedes de Oliveira reconheceu ainda que os aumentos costumam ser "valores miseravelmente baixos", uma vez que quer nas pensões quer no salário mínimo "o ponto de partida é muito baixo".
"São aumentos muito baixos, são aumentos que ainda são insuficientes para se conseguir a tal estrutura que eu acho que se tem de ter na população, que depois resiste a estas crises", concluiu.
A académica mostrou-se ainda favorável à homogeneização de um salário mínimo ao nível da União Europeia, dado que "não se está a falar de nivelar pelo valor português", mas sim "de elevar a fasquia e de nivelar por cima".