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Entrevista à vice-presidente da Comissão Europeia

Se nada fizermos "idade da reforma na UE devia ser aos 70 anos"

16 fev, 2021 - 09:00 • Ana Carrilho

As pessoas "estão desapontadas", "sentem que foram deixadas para trás" e algumas culpam a democracia, mas o verdadeiro problema é demográfico, afirma a Dubravka Šuica. Em entrevista à Renascença, a vice-presidente da Comissão Europeia considera que a pandemia só acelerou a necessidade de respostas ao envelhecimento da população europeia e de apostar no mundo rural. E é preciso "trazer mais gente para o mercado de trabalho" para garantir a sustentabilidade da Segurança Social.

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O "Livro Verde do Envelhecimento" e a "Visão de Longo Prazo para as Áreas Rurais" são duas das grandes prioridades de Dubravka Šuica, a primeira vice-presidente da Comissão Europeia com o pelouro da Democracia e Demografia.

A pandemia só acelerou a necessidade de respostas ao envelhecimento da população europeia, com maior investimento nos cuidados de saúde e de longa duração. Mas também com a inevitabilidade de aumentar a participação no mercado de trabalho. Com mais mulheres, imigrantes e, quase certamente, com o aumento da idade de reforma.

Por outro lado, há que cuidar das áreas rurais, muitas delas duplamente afetadas pela desertificação e empobrecimento. A pandemia aumentou a procura por estes lugares mais protegidos. Mas há que criar condições para que, sobretudo os mais novos, fiquem ou regressem e que ali possam trabalhar e viver, com a família.

A vice-presidente da Comissão Europeia, a croata Dubravka Šuica, fez uma visita (virtual) a Portugal e falou com a Renascença.

A Comissão Europeia tem, pela primeira vez, uma vice-presidente para a Democracia e para a Demografia. Qual é a ligação destes dois “D”?

Há uma ligação. A primeira parte destas duas palavras. “Demo”, significa “Povo”. Por isso, o que quer que façamos, é pelo povo que estamos a fazer. A Democracia é muito importante para as sociedades. A razão por que a temos antes da Demografia é porque as pessoas, no terreno, nas vilas, nos países, nas regiões rurais, sentem que foram deixadas para trás. Estão desapontadas e começaram a culpar a Democracia: porque não há serviços, não há infraestruturas, não há internet. E os jovens vão-se embora.

As pessoas dizem que a Democracia é a culpada e, por isso, não querem participar nas eleições nas instituições democráticas. Mas não é a Democracia que deve ser culpada, mas sim as alterações demográficas que estão a acontecer. E a minha tarefa é antecipar a situação no terreno, em toda a Europa. E tentar ajudar.

Considera que a desigualdade de oportunidades entre regiões e entre países pode pôr a Democracia em causa, na Europa?

Claro que sim. Já há tendências que o mostram e é por isso que estamos a trabalhar nesta área. Uma parte importante do meu trabalho é concretizar um plano, a “Visão de Longo Prazo para as Áreas Rurais”. Queremos ver qual é o papel que podemos desenvolver e tentar ajudar as pessoas. Queremos contribuir para que fiquem nessas áreas rurais e queremos saber quais são as razões que as levam a sair. E claro que isso influencia a sua atitude política.

Como já disse, os cidadãos sentem-se politicamente negligenciados e por vezes, nessas áreas rurais, desenvolvem-se condições que favorecem o crescimento de tendências e ideias populistas.

Essa é uma das razões por que estamos a lançar a Conferência sobre o Futuro da Europa. É porque queremos chegar mais perto dos cidadãos, ouvi-los, ver quais são os seus problemas, quais são as suas preocupações. Para que não apenas sintam, para que participem e sejam parte deste processo de construção das políticas, a nível europeu.


"Queremos ter um documento concreto e torná-lo operacional, com ferramentas para tornar as áreas rurais mais atrativas, dinâmicas. Vimos agora, durante a pandemia como essas áreas foram muito procuradas"

A propósito de participação. Falou há pouco na “Visão de Longo Prazo para as Áreas Rurais”. Entre setembro e o fim de novembro do ano passado decorreu uma consulta pública sobre esta iniciativa. Qual foi o nível de participação?

Tivemos uma boa participação e conseguimos muita informação. Foi muito importante fazermos esta consulta pública e, agora, estamos a tentar passar esse “feedback” para a nossa comunicação, que será adotada pelo Colégio de Comissários, em junho. Tivemos mais de duas mil respostas de cidadãos e organizações de todos os Estados-membros. Agora estamos a analisar os contributos e a tentar calibrar a “Visão de Longo Prazo”.

A minha intenção é apresentar as primeiras conclusões na conferência de março (no âmbito da “Semana da Visão Rural: imaginando o futuro das zonas rurais da Europa”, organizada pela Rede Europeia de Desenvolvimento Rural, em parceria coma Comissão, entre 22 e 26 de março).

Queremos ter um documento concreto e torná-lo operacional, com ferramentas para tornar as áreas rurais mais atrativas, dinâmicas. Queremos que sejam únicas, mas também atrativas para os jovens. E vimos agora, durante a pandemia Covid-19 como essas áreas foram muito procuradas, novamente. Porque o vírus, aí, espalhou-se menos. Há fatores muito positivos. Estou com grande expetativa em relação à conferência de março. E depois, junho, para a adoção das medidas.

E já pode antecipar alguns dos problemas e questões levantadas pelos cidadãos e organizações nessa consulta pública?

Temos de criar novos empregos nessas áreas. E como se podem criar novos empregos se não há internet de alta velocidade? Esse é um serviço prioritário para o desenvolvimento destas áreas.

Há vários exemplos. No início do ano passado vi “startups” impressionantes em vilas espanholas, na região de Castela e Leão: soluções inovadoras que devolveram estas regiões rurais à vida, através do crescimento da conetividade e novas infraestruturas. Também vi soluções muito interessantes nalgumas regiões do sul da Holanda. Por isso, podemos aprender com estes exemplos, ouvir as instituições e implementar estas ideias com “startups”, em “aldeias inteligentes”, etc. Soluções diversas que podem ser financiadas por fundos europeus.

Esta é uma parte muito importante da Europa: há mais de uma centena de milhões de europeus que vivem nestas regiões rurais, em quase metade do território europeu. Abrange uma grande parte da população e temos de ter isso em conta.

Não pode ser um modelo que sirva a todos; tem de ser feito à medida. Cada região tem as suas especificidades e temos que desenvolver um modelo que se lhe ajuste. Para que tal aconteça, é preciso haver cooperação a nível local, regional, nacional e europeu. Especialmente quando falamos de financiamento.


Portugal é um dos países que já enfrenta a desertificação em diversas regiões. Nestes últimos dias já falou com algumas organizações da sociedade civil portuguesa. Que ideias lhe transmitiram?

Já tive encontros (virtuais) muito interessantes. Primeiro reuni com a ministra Mariana Vieira da Silva e partilhámos ideias sobre o que é mais importante. Claro que a questão demográfica é a número um. Também se mostrou muito interessada na Conferência sobre o Futuro da Europa. E eu desejo muito que seja lançada durante a presidência Portuguesa da União Europeia.

Também reuni com a comissão parlamentar de Assuntos Europeus que, igualmente, mostrou muito interesse na conferência. Consideram que é preciso repensar a Europa e pôr a Democracia a servir o futuro. Temos mesmo de começar a conferência o mais rapidamente possível.

Mas, para mim, o encontro mais importante foi com as organizações da sociedade civil e os intervenientes ligados à questão demográfica. E pessoas que trabalham e/ou lideram estratégias locais de desenvolvimento, que estão muito familiarizadas com as políticas agrícolas.

O que podemos concluir é que existe uma enorme divisão entre as áreas rurais e as áreas urbanas. Há alguns anos havia uma grande divisão entre o Este e o Oeste na Europa. Agora, acho que a divisão entre as áreas urbanas e rurais é cada vez maior e temos que ajudar estas regiões com mais meios, com inovação – incluindo o uso de tecnologia, soluções digitais.

A prioridade desta Comissão é a transição digital e verde. Acho que estas também são prioridades para a sociedade portuguesa. O que percebi é que há oportunidades para a diversificação, para novas atividades. Por exemplo, na agricultura e florestas porque a floresta abrange uma boa parte do território português. Há muita tecnologia que nos pode ajudar. Mas claro, esse não pode ser um exercício feito “de cima para baixo”, deve implicar a cooperação ao nível das políticas locais, regionais, nacionais e europeias.


"A Covid acelerou tudo"

Considera que a pandemia de Covid-19 acelerou a necessidade de desenvolvimento destas áreas rurais, que voltaram a ter maior procura?

Definitivamente, a Covid acelerou tudo. A "Visão de Longo Prazo para as Áreas Rurais" já estava em marcha, mas a pandemia mostrou-nos que temos que acelerar tudo e exploramos isso no nosso Livro Verde sobre o Envelhecimento.

Definitivamente, precisamos de ter um envelhecimento saudável e ativo. Há uma grande necessidade de cuidados de saúde e cuidados de saúde de longa duração. A Saúde está no topo das nossas prioridades.

Também temos de olhar para os Sistemas de Proteção Social porque não temos a certeza de que se adequem ao futuro. Temos de ver se os nossos Sistemas de Pensões são adequados e sustentáveis; se são ajustados e teremos orçamentos que possam cobrir todas as necessidades sociais.

Há uma redução da população ativa. Ou seja, o facto de vivermos mais tempo não quer dizer que tenhamos mão de obra suficiente. Por isso, temos de aumentar a produtividade e aumentar a participação no mercado de trabalho.

E temos a “economia grisalha”, o desafio grisalho, que significa mais empregos e oportunidades para pessoas mais velhas. São questões colocadas pelo Livro Verde do Envelhecimento, que está em consulta pública nas próximas dez semanas.

Que reação espera dos cidadãos relativamente ao Livro Verde sobre o Envelhecimento?

A participação pública está aberta a todos os cidadãos e organizações interessados, em todos os Estados-membros, incluindo a nível local e regional. Espero respostas, ideias, inspiração para as questões que levantamos. E as respostas serão muito importantes, não apenas para mim (com a área da Democracia e Demografia), mas para todos os setores na Comissão Europeia.

Pensamos que as alterações demográficas são uma questão transversal a todas as áreas de trabalho da Comissão. Sem resolver a questão demográfica não podemos criar uma verdadeira política europeia. Este é o motivo por que estamos a trabalhar no “Atlas da Demografia”, que vai ser o instrumento mais importante para desenvolver as políticas europeias, vai ajudar toda a gente a ver a situação de em cada região, de forma muito pormenorizada. Acho que o Atlas vai ser muito útil para cada um e todos os governos, para cada um e a todos os níveis. Nesta área da demografia, pessoalmente, acho que é muito difícil ver resultados durante a nossa vida política porque é um trabalho a longo prazo. Mas tenho a certeza de que teremos sucesso, se trabalharmos todos juntos.


"A esperança de vida aumentou dez anos nos últimos 50 anos. E a população ativa reduziu-se. Temos de responder. É por isso que temos de trazer mais gente para o mercado de trabalho"

Sobre a necessidade de mais gente no mercado de trabalho. Considera que os países da UE devem promover políticas de natalidade e conciliação da vida pessoal, familiar e profissional? Imigração? Aumentar a idade de reforma? Ou um “mix” de todas estas medidas, aliadas a outras soluções? Porque este é um problema, também a nível social e económico.

Vivermos mais e de forma mais saudável, esta é a chave. A esperança de vida aumentou dez anos nos últimos 50 anos. E a população ativa reduziu-se. Temos de responder. É por isso que temos de trazer mais gente para o mercado de trabalho. Isso contribui para o aumento da competitividade e traz mais contribuições para o sistema de pensões.

Mas deixe-me lembrar que, também, é preciso ter em conta a desigualdade nas pensões. As mulheres continuam a participar menos no mercado de trabalho, ganham menos e, frequentemente, têm carreiras mais curtas porque assumem a maior parte dos cuidados dentro da família. Isso quer dizer que têm menos oportunidades de contribuir para o sistema de pensões e, mais tarde, também têm uma reforma mais baixa. Por isso, precisamos de incrementar a igualdade de género no mercado de trabalho e reduzir as desigualdades, a todos níveis, entre homens e mulheres.

Por outro lado, pessoas com maior nível de formação conseguem integrar-se mais facilmente no mercado de trabalho. Isso contribui para aumentar a coesão social, o crescimento económico e a redução das desigualdades. A imigração legal pode ajudar a preencher áreas do mercado de trabalho em que há maiores necessidades de mão de obra. Além disso é preciso aumentar as oportunidades de trabalho para as pessoas com incapacidade.

Tudo isto é vital para o bem-estar individual e para a prosperidade, assim como para a estabilidade dos sistemas de pensões. E eu sei que esta é sempre uma questão que gera muita discussão nos Estados-membros, quando se aumenta a idade de reforma. Mas se os indicadores continuarem assim nos próximos 10 ou 20 anos, então a idade média de reforma na União Europeia devia ser 70 anos. Isto não é muito popular para dizer, da minha parte, mas é o que mostra o Eurostat. Temos que pensar em diferentes possibilidades para “preencher” o nosso mercado de trabalho.

Essa é a razão porque estamos a lidar agora com os problemas demográfico no Livro Verde sobre o Envelhecimento. Mas isso não quer dizer que estejamos a pensar só nas pessoas mais velhas. O envelhecimento tem a ver com todos nós: começamos a envelhecer no momento em que nascemos. Tem a ver com toda a nossa vida. É uma questão muito complexa.

O que espera da presidência portuguesa da União Europeia?

Espero muito, apesar da presidência portuguesa estar sob a pressão de circunstâncias sem precedentes. A parte mais importante tem a ver com a proteção social. Estou com grande expetativa em relação à Cimeira Social do Porto, em maio, que vai ser o ponto alto da presidência portuguesa. E penso que o Pilar dos Direitos Sociais também vai ser implementado.

Do que tenho visto – apesar de ainda só ter passado um mês – acho que vai ter muito sucesso.

Comentários
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  • Ivo Pestana
    16 fev, 2021 RAM 14:31
    Mas também terão de haver empregos, porque gente existe. O interior está como está, não é só por falta de pessoas, mas sim pela economia que não existe nessas zonas do país. Se houver empresas no interior, as pessoas fixam-se lá e outros migram para lá. O Estado tem de criar incentivos fiscais e acabar com as taxas tontas, no interior. Assim muitos irão investir. Portugal é popular no mundo, muitos querem viver e investir cá. Desde a nossa diáspora, a estrangeiros...mas o Estado não pode complicar a vida aos que querem vir e contribuir para o engrandecer nacional. Existe muita burocracia em Portugal e poucos sabem o que o país tem para oferecer. Desde que respeitem os nossos valores e venham acrescentar qualidade, ninguém me atrapalha e todos são feitos da mesma matéria. Os portugueses também emigram, logo também temos de saber receber quem vem por bem . Saúde para todos e nenhum mal dura eternamente.
  • Nero
    16 fev, 2021 Mira 12:10
    Mas não há ninguém que ponha um tampão na boca desta gente?? Com tanto desempregado, com a robótização e automação ainda falam em trazer mais gente com outros hábitos e outros vícios e com outras culturas (muito mais intolerantes que a nossa) para a UE?? Está gente ou está parva ou quer fazer de nós parvos. E ainda tem a lata de dizer que quem se opõe ou é racista, xenófobo ou um um badameco de um teorista da conspiração. Querem é mão de semana barata e gente facilmente manipulável...isso sim. Escroques nojentos estes governantes da treta.

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