23 fev, 2021 - 13:00
Veja também:
Na última década, as plataformas de trabalho digital multiplicaram-se por cinco. Revelaram-se uma oportunidade de trabalho para mulheres, pessoas com deficiência, jovens, migrantes e outras pessoas excluídas dos mercados de trabalho tradicionais. Por outro lado, as empresas podem ter acesso a uma mão-de-obra mais flexível e com competências variadas, aumentando a base de clientes.
Mas, segundo a Organização Internacional de Trabalho (OIT) é preciso fazer uma regulação internacional, já que, na maior parte dos casos, os trabalhadores destas plataformas não têm condições de trabalho minimamente dignas, regularidade de trabalho e de rendimentos, acesso à saúde e proteção social, à liberdade sindical. Além disso, em regra têm horários extremamente longos e imprevisíveis.
A Covid-19 intensificou o trabalho digital e também expôs muitas debilidades na chamada “uberização do trabalho”.
No relatório da OIT sobre “O papel das plataformas digitais na transformação do mundo do trabalho” hoje divulgado, a Organização apela ao diálogo e coordenação a nível global para definir a regulação e a aplicação de normas internacionais do trabalho.
O Relatório da OIT baseia-se em inquéritos realizados em cem países, a cerca de 85 mil trabalhadores de setenta empresas de diferentes categorias, dezasseis plataformas e catorze associações de trabalhadores, em diversos setores.
Há dois tipos de plataformas: “em linha”, que fornecem serviços à distância (tradução, serviços jurídicos, financeiros, de serviços ou logística); ou de “geolocalisação”, trabalho localizado. Nesta categoria estão os serviços de transporte, entregas, serviços ao domicílio, trabalho doméstico e prestação de cuidados.
Entre 2010 e 2020, o número de plataformas passou de 142 para 777. Uma grande parte localiza-se apenas num país: 29% nos Estados Unidos, 8% na India e 5%, no Reino Unido.
Por regra, as plataformas têm muito poucos trabalhadores assalariados (geralmente, só os que asseguram o funcionamento da plataforma) e assumem-se como intermediários entre outras empresas e os seus clientes, recorrendo para isso a prestadores de serviços. Segundo a OIT, é muito difícil saber quantas pessoas trabalham para as plataformas porque elas não divulgam os seus dados.
96% dos investimentos em plataformas “em linha” concentram-se na Ásia, América do Norte e na Europa.
Em 2019, o volume de negócios ascendeu a pelo menos 52 mil milhões de dólares. Mais de 70% das receitas concentraram-se apenas em dois países (estados Unidos (49%) e China (22%).
O inquérito da OIT revela que a maior parte dos trabalhadores das plataformas tem menos de 35 anos e um grau académico elevado, sobretudo nos países em desenvolvimento. Apesar de ser uma oportunidade de trabalho para as mulheres, elas são apenas 40% do total nas plataformas em linha e 20% nas plataformas de entregas e transportes. Muito poucas mulheres trabalham nas áreas tecnológicas e de análise de dados.
A dificuldade em arranjar emprego no mercado de trabalho tradicional, ou melhorar os rendimentos com um trabalho a tempo parcial são as principais motivações para as pessoas que trabalham para as plataformas, sobretudo de transportes e entregas.
No entanto, segundo o Relatório da OIT, para um terço dos inquiridos que trabalha para as plataformas em linha, esta é a sua principal fonte de rendimento, especialmente em países em desenvolvimento. E existem grandes diferenças entre os rendimentos que os trabalhadores podem auferir em países desenvolvidos ou em desenvolvimento.
O trabalho em plataformas digitais é subcontratado por empresas no hemisfério norte e realizado por trabalhadores no hemisfério sul, que ganham menos que os que estão nos países desenvolvidos.
Também a duração do tempo de trabalho é diferente, consoante o tipo de plataforma: nas de “geolocalização” pode atingir as 65h/semana, em média; nas de entregas, 59h/semana. Ainda assim, muitos dos trabalhadores revelaram que gostavam de trabalhar mais horas, para poderem ganhar mais.
As plataformas assumem que estas pessoas são prestadores de serviços e por isso, segundo a Organização Internacional do Trabalho, há grandes lacunas no que diz respeito à segurança e saúde, acidentes de trabalho, subsídios de desemprego e de invalidez ou pensões de velhice. E a pandemia só acentuou os problemas destes trabalhadores sem proteção social e de saúde, especialmente, para os das plataformas de geolocalização.
Por isso, a Organização Internacional do Trabalho considera que é preciso agir.
Alguns países já avançaram com medidas que exigem às plataformas a responsabilidade por diversos tipos de proteção; noutros, foram obrigadas a assumir estas pessoas como seus trabalhadores, com contratos.
Mas como as plataformas operam em múltiplas jurisdições, a OIT considera que é preciso apostar no diálogo e coordenação de políticas a nível internacional para garantir a aplicação das normas internacionais do trabalho. E apela ao diálogo social e à cooperação a nível regulatório entre plataformas de trabalho digitais, trabalhadores e governos.
O objetivo é que os trabalhadores das plataformas tenham uma situação profissional definida e tenham acesso a direitos e benefícios sociais, decorrentes do trabalho realizado.
Para o diretor geral da OIT, Guy Ryder, “todos os trabalhadores e trabalhadoras, independentemente do seu estatuto profissional, precisam de poder exercer os seus direitos fundamentais no trabalho”.