24 fev, 2021 - 13:13 • Rosário Silva
A mudança na tradicional paisagem alentejana é o sinal mais visível da forma como está a decorrer aquela que é denominada “a maior obra ferroviária dos últimos 100 anos em Portugal”.
A nova Linha de Évora, que começa a tomar forma, vai ter uma extensão total de cerca de 100 quilómetros e integra o chamado Corredor Internacional do Sul (CIS), entre Sines, Poceirão e Badajoz. São 100 quilómetros que deixam a região alentejana mais perto da Europa.
A pandemia não parou as obras e quem circula, por exemplo, na estrada nacional 254, entre os concelhos de Évora e Redondo, facilmente se apercebe das movimentações de terras e da construção de novas pontes.
Por aqui, está em plena execução a empreitada para a construção do subtroço ferroviário Évora Norte/Freixo, com 20,5 quilómetros de extensão.
No local, as árvores foram substituídas por largas plataformas de terra batida, comprovando-se a execução de via única, numa infraestrutura preparada para via dupla, que assegure, no futuro, a ligação entre Sines e o porto seco de Badajoz para mercadorias, bem como o transporte de passageiros, porventura, a muitas cidades espanholas até Madrid.
De resto, a ligação dos portos de Sines e Setúbal, ao porto seco de Badajoz vai permitir elevar a capacidade logística em interface rodoferroviária, permitindo, a partir de Badajoz, a receção e distribuição/recolha de mercadorias em toda a região a sul do Tejo, considerando mesmo toda a Beira Baixa e Estremadura.
Em execução estão também os subtroços Freixo/Alandroal, com 20,5 quilómetros de extensão, e Alandroal/Elvas (ligação à Linha do Leste), com 38,4 quilómetros, que, a par do subtroço Évora Norte/Freixo, constituem a futura Linha entre Évora Norte e Elvas/Caia (CIS).
Mais atrasado está o subtroço entre Évora/Évora Norte, também integrado no futuro CIS, cujo concurso foi lançado ainda não há um ano. Segundo a Infraestruturas de Portugal (IP), este novo canal ferroviário vai ser edificado “em variante à Linha de Évora, entre Évora (exclusive) e o quilómetro 121 e da modernização da Linha de Évora, entre o quilómetro 121 e Évora Norte”, com a construção das instalações fixas necessárias à eletrificação, de pontes ferroviárias e passagens desniveladas rodoviárias.
“Este troço integra o novo canal ferroviário em construção entre Évora e a Linha do Leste, criado numa lógica de desenvolvimento evolutivo das ligações ferroviárias a Espanha, no quadro da Rede Transeuropeia de Transportes (RTE-T) e da ligação ferroviária de mercadorias entre os portos portugueses e o resto da Europa, assegurando desde logo uma ligação de passageiros”, sustenta a IP.
A utilização da linha para passageiros foi defendida pelo primeiro-ministro em 2019. Na vila de Redondo, no distrito de Évora, em resposta ao autarca local, António Costa considerou “fundamental” que o Alentejo não fique a “ver os comboios passar” com a linha ferroviária do CIS.
Esse é também o desejo dos alentejanos, uma vez que os tempos de viagem entre Lisboa e Elvas/Badajoz podem ser significativamente reduzidos para menos de duas horas, com a cidade Património Mundial a ficar a cerca de meia hora da cidade espanhola. Atualmente, o tempo de viagem de comboio entre Lisboa e Badajoz é de seis horas.
Trata-se de uma oportunidade incontestável para a região, defendem autarcas e empresários e, em particular, para Évora, já que poderá desenvolver todo o seu potencial industrial, agrícola e dos serviços, com a concretização de um interface na cidade ou na sua proximidade.
Apesar do impacto visual e urbano, nomeadamente ao nível do ruído, espera-se que a nova infraestrutura contemple igualmente as ligações a nível regional e local.
Por isso, são bem-vindas, e muito aguardadas, as novas opções de transporte ferroviário que reduzam os tempos de viagem entre Évora e Elvas, com serviço de passageiros entre localidades carenciadas de transporte, como são o caso de São Miguel de Machede, Freixo, Redondo ou Alandroal (nascente da Serra d’Ossa), reduzindo-se, assim, os tempos de percurso, os custos e incrementando a qualidade e segurança da viagem, sem esquecer a vertente ambiental.
Por outro lado, sendo Évora um importante polo universitário, “não ficar a ver passar comboios" significa melhorar as ligações escolares no distrito, reduzindo os tempos de viagem de e até à escola, com benefícios na qualidade escolar e populacional.
Atualmente, a oferta rodoviária no eixo Évora – Freixo – Elvas é bastando reduzido, resumindo-se, na maior parte das vezes, a um autocarro pela manhã e outro ao final do dia.
Turismo, indústria e agricultura, no seu geral, podem ser igualmente beneficiados com este importante investimento. De uma rede ferroviária inicialmente projetada para a exploração mineira, todo o Alentejo aspira a encontrar na ferrovia, soluções de mobilidade que potenciem o seu desenvolvimento – não só nacional, com a sua articulação ao Norte de Lisboa, como em termos internacionais, na sua ligação a Espanha e à Europa.
Sines será, assim, o porto mais importante de Badajoz. A cidade raiana, com uma população de 150.000 habitantes, por via da melhoria do interface ferroviário já em construção, bem como com o seu aeroporto, irá contribuir para promover o desenvolvimento da indústria, comércio e turismo de toda a região.
A pedido da Renascença, fonte da CP traçou uma possível oferta comercial para este eixo ferroviário, aproveitando o horário já praticado pela empresa na Linha do Alentejo.
“Com a articulação entre o operador ferroviário português (CP) e espanhol (Renfe), espera-se que, depois de terminada a infraestrutura entre Badajoz e Madrid, um passageiro chegado de Lisboa embarque em Badajoz num comboio AVE (350 km/h) às 7h00 chegando a Madrid pelas 9h20, dando assim resposta ao segmento ‘corporate’ e podendo, ao final do dia, realizar a viagem no sentido inverso”, indica a mesma fonte.
No início do mês de fevereiro, na conferência online "Portugal Railway Summit 2021", o presidente da IP revelou que cerca de 80% do investimento previsto no Programa Ferrovia 2020 está “em contratação, no terreno ou mesmo já concluído”, especificando que “71% do esforço financeiro se encontra em fase de obra e 8% está já concluído”.
António Laranjo disse que o programa para modernização da rede ferroviária portuguesa está "numa fase decisiva do seu desenvolvimento, na qual fica evidente a transição já concretizada do projeto para a obra", garantindo, por outro lado que “apesar da pandemia, nenhuma obra parou”.
Entre as intervenções "de maior relevância" previstas no Ferrovia 2020 que estão "em franco desenvolvimento", o presidente da IP destacou "a maior obra de construção de caminho-de-ferro deste século, entre Évora e Elvas, com execução no terreno"; "a reabertura da Linha da Beira Baixa entre a Covilhã e Guarda"; e as intervenções na Linha do Norte, "a principal linha ferroviária" do país.
Sobre o Programa Nacional de Investimento (PNI2030), António Laranjo sublinhou que, ao contrário do Ferrovia 2020, “que está especialmente vocacionado para o transporte de mercadorias e para as ligações internacionais”, o PNI2030 “aposta no segmento de passageiros, designadamente no principal eixo estruturante nacional de Norte a Sul, contemplando investimentos disruptivos”, estando a IP “já a iniciar o desenvolvimento dos respetivos projetos”.
O PNI2030 prevê um investimento global de 43 mil milhões de euros, dos quais 22 mil milhões são dirigidos à área dos transportes e mobilidade, com a ferrovia a absorver “quase 50% deste montante".
No âmbito do PNI2030, António Laranjo recordou estarem identificados "16 programas e projetos ferroviários, com um valor total de 10.510 milhões de euros, sendo que 13 dizem respeito à infraestrutura e três ao material circulante".
"É um programa de investimentos ambicioso, mas que estamos empenhados em cumprir, estando a IP já a iniciar o desenvolvimento dos respetivos projetos", assumiu.