27 abr, 2021 - 08:00 • Lusa
Uma “subida gradual sustentada do salário mínimo” é um “aspeto chave no combate à pobreza”, designadamente na erradicação da pobreza infantil, que tem de ser uma prioridade para Portugal e para a União Europeia, defende Maria João Rodrigues.
Relatora do Parlamento Europeu e negociadora com o Conselho e a Comissão do Pilar Social, a antiga ministra do Emprego e atual presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressivos aponta o enquadramento do salário mínimo como “um aspeto fundamental” do plano de ação que a presidência portuguesa do Conselho da UE quer ver aprovado no Conselho Europeu informal associado à Cimeira Social do Porto.
“Ainda agora vimos, num estudo recente, que, em Portugal, auferir o salário mínimo em certas condições não chega para retirar uma pessoa da pobreza”, aponta, referindo-se ao estudo promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos que revela que um quinto da população portuguesa é pobre, apesar de a maior parte trabalhar, na maioria com vínculos laborais sem termo.
“Portanto, para certos países, como o nosso, uma subida gradual sustentada do salário mínimo é outro aspeto chave no combate à pobreza”, frisa.
Um dos pontos do plano de ação do Pilar Social Europeu é uma diretiva para um enquadramento do salário mínimo na UE, que visa definir indicadores, critérios e objetivos que assegurem uma qualidade de vida decente aos trabalhadores, compatível com o padrão de vida do país onde exercem a atividade.
“Nós não estamos aqui a pedir nada irrealista de aumentos de salários que não são sustentados pela produtividade em cada país. Não é disso que se está a falar. Logicamente, o salário mínimo em países com menos produtividade tem de ser mais baixo do que o salário mínimo em países altamente produtivos”, clarifica.
A diretiva sobre o salário mínimo enfrenta a oposição de vários Estados-membros, desde logo os nórdicos, onde ele é estipulado pela negociação coletiva.
“Acho que é magnífico, se houver capacidade de os parceiros sociais acordarem sobre isso de forma regular, isso é o modelo ideal. Só que, não tenhamos ilusões, isso em muitos países não funciona, nem pode funcionar, porque o diálogo social não tem essa força nem tem essa capacidade de organização”, adverte Maria João Rodrigues.
Por isso, frisa, “uma política pública de estabelecimento do salário mínimo é mesmo necessária” e, porque “tem de ser coordenada”, “há também que convencer os países que resistem”.
Segundo Maria João Rodrigues, a experiência mostra que a forma de se combater a pobreza infantil “exige uma ação integrada”, “que tem a ver com o salário dos pais, as condições de habitação, o acesso à educação, o acesso à alimentação, o acesso ao exercício físico, à cultura, aos cuidados de saúde”.
“As nossas crianças têm de ser tratadas em primeira linha com todos estes cuidados, porque senão nós, Portugal, que temos um fenómeno enraizado sistémico de pobreza, não conseguimos de facto ir ao fundo do problema, e começar pelas crianças é fundamental”, afirma.
Sobre a meta estabelecida no plano de ação — ter 78% da população da UE empregada em 2030, pelo menos 60% dos adultos a participar anualmente em ações de formação e reduzir o número de pessoas em risco de exclusão social ou de pobreza em pelo menos 15 milhões de pessoas — Maria João Rodrigues considera-a “realista”, em matéria de emprego, e “muito ambiciosa”, em matéria de formação.
No caso do emprego, em que se aspira a 78% da população empregada em 2030, quando em 2020 essa taxa era de 74%, Maria João Rodrigues frisa que é “uma meta adequada”, “suficientemente ambiciosa, mas também realista”.
“Porque nós vamos jogar com fatores contraditórios: fatores de oportunidade, mas também fatores de risco”, explica, apontando que na transição verde vai haver “supressão de emprego nos setores que não estejam alinhados com os padrões de descarbonização”, e vai ser necessário “oferecer alternativas às pessoas”, e, na transição digital, também pode haver supressão de empregos.
“A Europa não pode apertar o cinto nesta altura”, sublinha.