06 mai, 2021 - 08:20 • Sandra Afonso
Carga fiscal das gerações futuras pode estar comprometida, revela o estudo sobre o impacto do envelhecimento da população nas contas públicas. Se nada for feito, a carga fiscal das gerações futuras será mais do dobro, mas terão metade dos benefícios.
É o custo do envelhecimento da população sobre as contas públicas, que pela primeira vez foi contabilizado num estudo promovido pela Fundação Gulbenkian que deita por terra algumas teorias já generalizadas.
Os autores não apontam soluções, assumem como objetivo estimular o debate ao medir o impacto das alterações demográficas na carteira de cada um. Ou seja, em “Finanças Públicas – Uma Perspetiva Intergeracional”, revelam quanto vão custar os desajustamentos e quem vai pagar o quê, através da chamada contabilidade geracional.
O cenário base são os dados de 2017, ano em que o défice orçamental estava perto de zero, a partir do qual foram feitas várias simulações. São também usadas as projeções demográficas do Eurostat, segundo as quais no final do século vamos assistir a “um grande choque demográfico” – a população estará concentrada entre os 60 e os 85 anos, contra os atuais 35 a 60 anos.
Com esta pirâmide etária, “no espaço de algumas décadas o défice seria permanente, já que a atual baixa fecundidade e aumento de esperança de vida não vão reverter a sua tendência”.
Para garantir a sustentabilidade das contas públicas, será necessário “um aumento permanente de 22% em todas as receitas” e não vale a pena pensar em cenários mais otimistas, de crescimento económico, porque não serão suficientes.
“Este é um ajustamento bastante grande. 22% das receitas dos impostos e das contribuições sociais em 2017 equivale a perto de 16 mil milhões de euros – um valor que é representativo da quantidade adicional de impostos e contribuições que teria de ser recolhida todos os anos e indefinidamente. A carga fiscal global, incluindo contribuições sociais, passaria de 37% do PIB para quase 45%”, sublinham os autores.
A alternativa será não fazer nada e deixar o problema para as próximas gerações. No entanto, neste caso a fatura será muito maior. Vão pagar mais do dobro dos impostos atuais (+57%) e receber metade dos benefícios sociais agora disponíveis (-50%).
Segundo os cálculos destes autores, e tendo como base os dados de 2017, o contribuinte médio é um beneficiário líquido – “um ciclo de vida completo, implicaria um benefício monetário líquido ao longo da vida de 150.000 euros”.
O aumento da esperança média de vida favorece mais os homens do que as mulheres.
Neste cenário, “a maioria das gerações beneficiam mais das despesas públicas do que as receitas que irão providenciar. Este valor evidencia a forma como, a longo prazo, o perfil etário orçamental de 2017 é incompatível com as atuais taxas de fecundidade e mortalidade”, defendem os autores.
As gerações até aos 40 anos preveem um pagamento líquido positivo ao longo da vida. Os que estão no início da vida ativa, entre os 20 e os 25 anos (nascidos entre 1992 e 1997) esperam um pagamento líquido (média per capita) ao longo da vida de cerca de 75,000 euros (para homens, ligeiramente inferior para mulheres). As gerações mais velhas esperam receber mais do que pagaram.
Um hipotético aumento permanente em todas as receitas, na ordem dos 22%, aumentaria as contribuições líquidas para todas as gerações, mas sobretudo para os mais jovens, já que a maioria dos impostos (e todas as contribuições sociais) são pagos durante os anos de trabalho. “Para as gerações nascidas em 1992-1997, isto mais do que duplica o seu pagamento líquido remanescente em vida, que seria perto de 200,000 euros.”
Ao contrário do que tem sido defendido por especialistas, governos e diferentes organismos, a imigração não vai resolver este problema. “Pode ajudar, mas é muito insuficiente”, defende o relatório.
“Num cenário de elevada imigração, as receitas fiscais aumentam a médio prazo (30 anos), mas não o suficiente para compensar os gastos públicos mais elevados resultantes do envelhecimento”. Por outro lado, estes jovens imigrantes também vão envelhecer e acabar, eles próprios, a recorrer aos apoios sociais.
“Do ponto de vista demográfico, este fluxo vai ajudar inicialmente a pagar impostos, as contribuições e a sustentar as contas públicas, mas no final, a longo prazo, terá um peso que não permitirá ajustar as contas”, defende Francesco Franco, coordenador do estudo.
Nem a imigração resolve o problema estrutural do envelhecimento, nem a promoção da fecundidade. Este trabalho conclui que “pode ser importante para controlar a evolução da população total. Contudo, dentro de valores razoáveis, não impede o envelhecimento.”
Alterar um só imposto ou contribuição nunca será suficiente para assegurar contas sustentáveis. A título de exemplo, este estudo conclui que “a receita de contribuições sociais teria de duplicar permanentemente de forma a recuperar o equilíbrio intertemporal. Ou, como alternativa, as pensões deveriam diminuir permanentemente para menos de metade.”
Tendo como base as previsões do Ministério das Finanças para o Grupo de Trabalho sobre o Envelhecimento da Comissão Europeia, este relatório defende que “seria necessário aumentar cinco vezes mais a idade normal da reforma, para os 76 anos em 2036. Isso mais do que eliminaria o desequilíbrio, mas, provavelmente seria uma política alternativa pouco realista.”
As atuais políticas já preveem o aumento progressivo da idade da reforma e, mais importante, cortes substanciais nas pensões, durante as próximas décadas. É o cenário delineado no último “Ageing Report” (Relatório sobre o Envelhecimento) da UE.
“O mecanismo legislado para aumentos automáticos da idade da reforma conduzirá a menos benefícios e mais impostos ao longo da vida. Só por si, isto permite anular parte dos desequilíbrios orçamentais futuros induzidos pelo envelhecimento”, diz o estudo.
“Este cenário, implica um corte generalizado nos valores das pensões, que se vai tornando maior ao longo do tempo. Isto resolveria completamente os problemas de sustentabilidade que prevemos.”
O prazo para agir está a contar. Segundo este estudo, as alterações demográficas previstas para as próximas décadas não são compatíveis com o perfil instalado de benefícios e impostos. Sem alterações, a partir de 2030 Portugal terá um défice orçamental permanente.
Foram analisados três cenários possíveis e nenhum deles garante a sustentabilidade das contas sem provocar desigualdades entre gerações:
- O crescimento económico “plausível” nunca será suficiente para equilibrar o défice estrutural.
- O aumento da imigração não resolve o problema. Alivia a pressão, a médio prazo, mas também estas pessoas vão envelhecer e a longo prazo agravam a necessidade de benefícios.
- Mexer nas pensões, com cortes no valor ou aumento da idade da reforma, sem diminuir também as contribuições, será impor desigualdades significativas entre gerações.