15 nov, 2021 - 07:58 • Rosário Silva
Filha de portugueses, Jéssica da Costa nasceu na Venezuela há 33 anos. O pai foi presidente do Instituto Português de Cultura na Venezuela, e Jéssica cresceu com Portugal no coração, país que a acolheu entre os 9 e os 11 anos, tendo estudado no Liceu Francês de Lisboa.
Educada e formada para ser “cidadã do mundo”, estudou Engenharia Agrónoma em Portugal e em França, onde concluiu um MBA (Master of Business Administration) em Administração de Empresas, numa modalidade que a levou aos campos de vários países da Europa.
Em início de carreira e com a ambição de complementar a sua formação com mais conhecimento, ao serviço de uma empresa da área, começou por entrar no universo das sementes para o mercado de África, o que a levou a países como o Togo, o Benim, Burkina Faso, Costa do Marfim, Gabão, Sudão ou Quénia.
“Adorei que essa fosse a minha primeira experiência profissional, para abrir os olhos e ter a humildade necessária para perceber o que acontece no mundo, ao nosso redor.”
Nessa altura, “a ideia era perceber as necessidades dos agricultores em África e responder a essas necessidades do ponto de vista das sementes”, recorda Jéssica da Costa que, ao procurar satisfazer uma curiosidade intrínseca, viria a desenvolver competências na área dos fertilizantes.Já em Paris, a trabalhar nos fertilizantes para o mercado francês, a engenheira agrónoma foi convidada a trabalhar na TIMAC Agro, uma multinacional francesa, pertencente ao grupo Roullier, que desenvolve e comercializa fertilizantes de alta tecnologia para a agricultura.
Um desafio que aceitou sem hesitar, sendo há seis meses e meio, responsável na empresa pelo desenvolvimento de produtos e mercados, na área da nutrição de plantas.
Mudou-se para Saint Malo (França), sede da multinacional, onde foi criado o CMI – Centre Mondial de L’Innovation Roullier (Centro Mundial de Inovação Roullier), e onde se concentram os projetos de inovação e desenvolvimento nos domínios das nutrições animal e vegetal.
“No dia-a-dia lidero uma equipa de sete pessoas, em que o nosso trabalho passa por responder às diferentes necessidades, das diferentes filiais, no que diz respeito à nutrição vegetal”, explica-nos a responsável.
“Por exemplo, uma filial está a lançar ou tem uma ideia sobre um produto, então, nós vamos tentar responder a essa necessidade específica. Por vezes, temos a solução de forma rápida, outras vezes é necessário iniciar um processo de investigação, aqui no CMI, o que pode demorar vários anos, mas sempre com a finalidade de irmos ao encontro das necessidades do cliente”, refere.
Um trabalho absolutamente fundamental, numa altura em que são hercúleos, os desafios que se colocam à agricultura. A Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), agência especializada das Nações Unidas para a erradicação da fome no mundo, estima que a população mundial deverá aumentar para 9 mil milhões de pessoas em 2050. “O crescimento do setor agrícola é uma das formas mais eficazes para reduzir a pobreza e alcançar a segurança alimentar”, defende a FAO.
A produção de alimentos para estes milhões, em simultâneo, fazer face às alterações climáticas que estão a mudar a capacidade produtiva, com a limitação dos recursos naturais, é o repto para tornar o planeta mais sustentável nas próximas três décadas.
“2050 é já amanhã”, afirma, à Renascença, Jéssica da Costa, “e a responsabilidade ambiental e social pertence a todos nós, seja de forma individual, seja no coletivo”.
A responsável, em termos internacionais, pelos produtos e mercados da TIMAC AGRO não tem dúvidas de que a “inovação, a tecnologia e a pesquisa” são a resposta”, sempre com o foco, “em primeiro lugar, na segurança alimentar e, depois, conseguindo a sustentabilidade dos nossos sistemas de produção”.
Diz-lhe a experiência que, face às mudanças do clima, “há uma grande vontade de agir”, para combater o fenómeno, sobretudo “a nível individual, com alterações na forma de produzir”, mas “é preciso ir mais longe e abranger toda a sociedade”, alerta.
“Como vamos conseguir garantir a qualidade do nosso solo, produzindo mais e melhor ou como vamos conseguir fazer a utilização mais racional da água?”, questiona a engenheira agrónoma, recordando que são “questões que nos preocupam e nas quais centramos o nosso trabalho, aqui no CMI, com a nossa tecnologia para encontrarmos soluções sustentáveis”.
Para robustecer a inovação, em 2015, o grupo Roullier abriu, em Saint Malo, o seu Centro de Inovação Mundial, onde trabalham investigadores de todo o mundo.
São 8.000 m2 de um espaço, único no setor dos fertilizantes, altamente inovador, que congrega a pesquisa e o desenvolvimento num só espaço e onde é possível reproduzir todas as condições climáticas e tipos de solos para adaptar em qualquer latitude.
Com uma missão centrada na nutrição vegetal e a olhar para os desafios futuros, Jéssica da Costa explica que o objetivo passa por “produzir mais com menos, respeitando o ambiente, mas melhorando a capacidade das plantas”, tornando-as mais resistentes aos fenómenos climáticos.
De que forma é isso possível? “Através de bioestimulantes, compostos derivados de substâncias naturais que, aplicados à planta, vão aumentar o uso de nutrientes e potenciar, por exemplo, a tolerância ao stress hídrico, ampliando o rendimento das culturas e melhorando a qualidade dos produtos”, esclarece.
Na ultima década, no CMI, os investigadores trabalharam para desenvolver uma nova geração de bioestimulantes, num processo que contou com o contributo dos próprios agricultores, incluindo portugueses.
“Nessa investigação, com um determinado produto, conseguimos perceber que ativava até dois mil genes numa planta. A partir daí, procuramos saber para que serve cada um desses genes e fizemos uma cartografia”, exemplifica.
“Nessa pesquisa, verificamos a existência de três grandes famílias de genes ativados”, prossegue Jéssica da Costa, em que “uns vão ajudar a produção, a fotossíntese, outros a tolerância ao stress hídrico, a capacidade de guardar em si a água, e outros vão acelerar melhor a captação de nutrientes no solo”.
Sobre a sua aplicação no terreno, sabe-se que os novos bioestimulantes já foram testados na indústria do tomate, e permitiram aumentar em 7,5% a produtividade por hectare, com uma redução em até 50% na aplicação de fertilizantes.
Para que não existam dúvidas, a responsável sublinha que “um bioestimulante não pode ser confundido com um fertilizante ou com outro produto para controlar doenças”, servindo apenas para “maximizar o efeito das plantas e aumentar o seu potencial genético. Esta é grande inovação”.
Denominada “ADN”, a nova gama começa a ser comercializada em Portugal já no início de 2022.
“Nós queremos produzir cada vez mais e melhor, por isso procuramos soluções que vão nesse sentido, mas que sejam respeitadoras do ambiente”, menciona Rui Rosa, administrador do grupo Roullier em Portugal, que espera “uma grande recetividade aos novos produtos, por parte do setor”, uma vez que se trata “de um conceito inovador e que responde às necessidades da agricultura atual”.
Em Portugal, a TIMAC AGRO é a principal marca da empresa VITAS. Engloba uma diversidade de produtos fabricados na sua plataforma industrial de Setúbal e em unidades de produção do grupo Roullier situadas noutros países.
“No nosso país temos uma equipa de 74 técnicos de campo e visitamos mais de 500 explorações diariamente, para conhecer as necessidades dos produtores e, a partir daí, procurar em conjunto com os nossos parceiros, soluções”, explica o responsável.
À frente da filial portuguesa desde 1998, Rui Rosa está convicto “da pertinência das questões ambientais” e defende a “procura de compromissos” que, não esquecendo o ambiente, “permitam apostar numa agricultura durável e sustentável” para satisfazer as necessidades à escala global.
“A população mundial está a aumentar e temos que a alimentar, por isso os desafios são enormes, também no nosso país, daí estarmos apostados em encontrar boas soluções com menos recursos”, conclui.
A filial do grupo Roullier em Portugal nasceu em 1994, dedicando-se até 2010 à comercialização no nosso país dos produtos do Grupo. Em 2009 inicia a implantação duma plataforma industrial e logística, em Setúbal que entra em funcionamento no ano seguinte.
Atualmente com cerca de 20.000 m2, esta unidade produz todos os fertilizantes sólidos comercializados pela empresa em território nacional na área da nutrição vegetal, bem como inclui uma unidade de produção de complementos minerais para a área de nutrição animal.
Em 2017, no sentido de diversificar atividades dentro do âmbito agrícola, a Vitas adquiriu a empresa vitivinícola Falua, Sociedade de Vinhos SA, situada em Almeirim. Cerca de dois anos depois, comprou uma adega em Monção para produção de vinhos verdes e, já este ano, adquiriu a Quinta do Hospital em Monção para a produção de uvas.