02 dez, 2021 - 12:06 • Sandra Afonso
As finanças públicas enfrentam vários desafios a médio/longo prazo, a começar pelos riscos orçamentais. O aviso é do Conselho das Finanças Públicas, que até perspetiva um crescimento real de 1,9% ao ano, em média, até 2035.
No entanto, este valor depende da ausência de choques, da eficiente execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) até 2026 e da absorção dos fundos na economia, segundo o relatório publicado nesta quinta feira, intitulado “Riscos orçamentais e sustentabilidade das Finanças Públicas”.
Há ainda riscos associados à pandemia, nomeadamente, os apoios concedidos à economia para garantir liquidez às famílias e empresas. Os mais comuns foram as garantias públicas em linhas de crédito e as moratórias no crédito bancário.
“De acordo com a informação da Direção-Geral do Orçamento, o stock de garantias concedidas pelas administrações públicas aumentou de 4,8% do PIB em 2019 para 6,4% do PIB em 2020”, refere o relatório.
Outro risco está associado à “eventual incapacidade” das empresas públicas classificadas fora das administrações públicas para fazerem face às suas responsabilidades.
“A dívida gerada por estas entidades representava 3,3% do PIB em 2019, metade do verificado no início da crise financeira 2007-2008”. Com a crise pandémica, a dívida destas entidades aumentou para 3,6% do PIB, “um nível superior ao observado desde 2016”.
A banca e o exterior são responsáveis pela maioria do financiamento destas entidades, quase três quartos, mas é o setor das administrações públicas que mais risco assumiu junto destas entidades (por vezes, designadas por empresas públicas não reclassificadas ou EPNR).
No “2021 Ageing Report” já tinha sido dado o alerta, tendo em conta as projeções de despesa para o médio e longo prazo: “serão necessários esforços adicionais em termos de finanças públicas para manter o nível de benefícios sociais concedidos atualmente”.
No entanto, a situação é muito pior. As despesas associadas ao envelhecimento da população, principalmente com pensões e saúde, têm registado um “aumento contínuo ao longo do tempo, colocando desafios económicos, orçamentais e sociais”, segundo o relatório.
O esforço necessário que tinha sido identificado no ‘2021 Ageing Report’ “poderá até estar subavaliado nesse exercício, uma vez que a diminuição prevista do valor futuro das pensões de velhice do sistema contributivo coloca pressões adicionais no sistema não contributivo”, avisa o CFP.
Numa primeira alusão às medidas de consolidação or(...)
As contas são simples: “À medida que o valor das pensões se aproxima do valor legal mínimo estabelecido, maior o número de beneficiários que terá acesso a prestações complementares previstas no sistema não contributivo”.
É, por isso, necessário avaliar a “adequação dos benefícios futuros atribuídos pelos sistemas de pensões, incluindo os efeitos das reformas adotadas”.
Nas despesas com saúde não estamos melhor. A Comissão Europeia prevê um aumento de 1,6 p.p. do PIB em Portugal, entre 2019 e 2070. É o quarto maior da União Europeia.
A despesa com cuidados continuados deverá passar de 0,4% do PIB em 2019, para 0,8% em 2070. É um aumento de 0,4 p.p. do PIB, que compara com um crescimento de 1,1 pontos percentuais no conjunto da UE.
O alarme tem sido acionado por diferentes organismos e desta vez é o Conselho das Finanças, presidido por Nazaré Cabral, que carrega no botão. Em causa está a contratação de funcionários públicos, que tem aumentado nos últimos anos, para níveis pré-troika.
Em 2019, as despesas com pessoal e as prestações sociais, duas das principais componentes da despesa que podem ser consideradas despesa rígida, “representavam quase três quartos (74,4%) da despesa primária ajustada, um peso que tem vindo a aumentar desde 1995, quando representavam 66,8% desse agregado”.
Esta despesa não pode crescer mais do que a riqueza do país, avisa o relatório.
“Importa acautelar que, tal como sucedeu entre 2014 e 2019, a evolução destas componentes mais rígidas da despesa continuam a não crescer tanto quanto o PIB”. O objetivo é garantir que existe capacidade para realizar “despesa mais flexível, mas não menos necessária, como é o caso da despesa de investimento”, em áreas como o desafio ambiental.
Portugal já aprovou vários planos de ação para cumprir as metas acordadas ao nível europeu que visam a neutralidade carbónica da economia, mas falta explicar quanto vão custar e como serão pagos.
O Conselho das Finanças Públicas crítica a ausência de um “levantamento das necessidades de investimento a realizar, tanto pelo setor público como pelo setor privado, e respetivas fontes de financiamento”.
Alerta ainda que “os riscos descendentes de curto e de longo prazo para a economia e finanças públicas portuguesas deverão aumentar substancialmente, em resultado dos riscos físicos e de transição das alterações climáticas”.
Tribunal de Contas
Entidade fiscalizadora das contas públicas alerta (...)
No cenário base, o CFP projeta a descida da dívida pública ao longo dos próximos 15 anos, atingindo 91,1% do PIB em 2035.
Este cenário pressupõe, implicitamente, alterações de política económica e que os desenvolvimentos económicos e a taxa de juro evoluam em linha com o projetado.
Assume também que existem riscos associados ao elevado nível de endividamento em Portugal: o facto de a dívida estar nos 135,2% do PIB; as necessidades (brutas) de financiamento face ao PIB; a taxa de fertilidade e as projeções para a despesa em saúde e pensões, que “sinalizam uma evidente necessidade de políticas estruturais que corrijam atempadamente os desequilíbrios e alterem o sentido da sua evolução”.
Os juros historicamente baixos são uma “oportunidade única para, com um esforço orçamental sustentado, obter uma redução significativa da dívida em percentagem do PIB”.
Mas o organismo liderado por Nazaré Cabral duvida da capacidade do país em aproveitar esta janela. “Em Portugal, a política orçamental não se tem revelado suficientemente contracíclica na fase favorável (de crescimento) do ciclo económico para construir um espaço orçamental suficientemente alargado que prepare o país para as consequências económicas e orçamentais de um choque desfavorável.”
Numa altura em que o país se prepara para novas eleições, o CFP lembra que “a política orçamental poderia efetivamente estabilizar a economia, minimizando as flutuações cíclicas, em vez de as exacerbar”. É uma opção política do futuro Governo.
“A manutenção da sustentabilidade da dívida está perfeitamente ao alcance do país assim a política orçamental seja conduzida tendo em conta essa restrição”, avisa o relatório.