09 abr, 2022 - 10:11 • Ana Carrilho
“É um desafio que vai levar a um conjunto de medidas futuras que têm que se tomar e antecipo já: a uma nova Lei das Finanças Locais, que terá de ser aprovada, obrigatoriamente nesta legislatura”, diz Ricardo Leão, presidente (socialista) da Câmara de Loures e dirigente da ANMP – Associação Nacional de Municípios Portugueses, em entrevista à Renascença sobre o impacto da transferência de competências do Estado para as autarquias.
Em causa estão domínios como a Educação, a Saúde ou a Ação Social, que nalguns casos implicam, não apenas a transferência de serviços, mas também de trabalhadores, que passam a ter de ser pagos pelas autarquias.
Para Ricardo Leão, estão em causa as próprias competências definidas na lei atual, mas também os orçamentos dos municípios, a sua capacidade de endividamento, quer do ponto de vista dos compromissos, quer do ponto de vista das exigências que a lei impõe às autarquias.
Sem hesitar nas críticas ao anterior executivo CDU, liderado por Bernardino Soares, Ricardo Leão diz que, “aqui em Loures, não tínhamos nada preparado para a receção dessas novas competências”.
Se na área social já existia grande envolvência da autarquia com as IPSS do concelho, na saúde e na educação, segundo o novo presidente, a situação é preocupante.
Ainda assim, o autarca diz que já transmitiu ao ministro da Educação a disponibilidade de Loures em comparticipar financeiramente nas obras que são necessárias fazer no parque escolar do 2.º ciclo e Secundário (que são responsabilidade do Governo).
“Quero fazer parte da solução. Estou disponível, sabendo que é uma decisão do Governo, para participar financeiramente nessas intervenções e acho que esse é um salto positivo face à visão política da anterior Câmara CDU. E o que tenho de resposta do Governo é que irá dar particular atenção aos municípios que avançarem com essas intervenções. Vamos aproveitar o PRR, mas não comparticipa na íntegra”, avança.
Particularmente preocupante para Loures e para a maioria dos municípios é a Ação Social Escolar. Ricardo Leão dá como exemplo as refeições escolares: o Ministério transfere 1,17 euros/refeição e aqui ao lado temos concursos a ser lançados em que as empresas não aceitam menos de 3,80-3,90 euros. Este diferencial, em milhares de refeições, para Loures são quatro milhões de euros/ano”.
O autarca confessa que foi um assunto que lhe “tirou o sono” vários dias, até que o governo garantiu à ANMP que vai criar um Fundo de Descentralização, no âmbito do Orçamento de Estado e que vai permitir maior rapidez na atualização de valores, particularmente numa altura em que se assiste a um enorme aumento do preço de bens, serviços e matérias-primas devido à situação internacional.
Ricardo Leão considera que esta é uma boa forma de os orçamentos municipais não serem postos em causa e, em muitos deles, a regra do equilíbrio orçamental. Adianta ainda que a transferência de verbas será feita através de comissões mistas (Governo-autarquia) sectoriais de monitorização que acompanham os aumentos da despesa.
“A garantia que o Governo deu à ANMP é que vai acompanhar esta matéria através desse Fundo de Descentralização”, refere.
No início do mandato, em outubro do ano passado, o socialista Ricardo Leão deixou claro que “o PRR é para aproveitar ao máximo”. Cinco meses depois não mudou de opinião, mas, à Renascença, reconhece que a dificuldade aumentou.
“Há uma grande instabilidade na economia e particularmente na construção civil e todos sentimos isso na pele. As empreitadas estão a custar 30% a 40% a mais. Uma obra que antes da crise internacional custaria um milhão de euros, agora não custa menos de 1,3-1,4 milhões”, aponta.
Por outro lado, o autarca refere a necessidade de agilizar processos, uma questão que preocupa a Associação Nacional de Municípios e que já está contemplada no “caderno de encargos” a entregar ao novo Governo. Segundo Ricardo Leão, o executivo já terá aceitado a ideia de não ser necessário o visto prévio do Tribunal de Contas “para tudo o que é PRR”, porque é preciso rapidez para aproveitar as verbas até 2025 e com a burocracia associada aos vistos prévios perde-se muito tempo.
Mas sublinha que essa dispensa representa uma responsabilidade acrescida para os autarcas, porque há visto na mesma, ainda que posterior.
No caso de Loures, a ideia é aproveitar o PRR para investir na Habitação. Ricardo Leão adianta que já houve também uma reunião com o Banco Europeu de Investimento (BEI) e o investimento poderá rondar os 50/60 milhões de euros.
O objetivo é apostar em parcerias com privados e cooperativas para a construção de casas para a classe média e jovens, porque “hoje em dia, qualquer cubiculozinho, particularmente em certas zonas do concelho, está por 600/700 euros no mercado de arrendamento”.
Também está prevista a intervenção nos vários bairros municipais de Loures, a maior parte com casas muito degradadas. É mais uma questão em que o autarca acusa o seu antecessor de ter deixado estes bairros ao abandono e de ter permitido que os moradores também o fizessem, deixando de pagar as rendas “por vezes, 5,6, 10 euros por mês”.
É por isso que existe uma dívida acumulada de quase 15 milhões de euros referente a rendas não pagas “e que se intensificou nos últimos anos de gestão CDU”.
Por isso, Ricardo Leão reafirma o terá dito em todos os bairros durante a campanha eleitoral: a Câmara vai assumir as suas responsabilidades enquanto senhoria, vai intervencionar as casas, dando-lhes dignidade (“nalgumas chove dentro ou nem têm sanitas”) mas “apenas para aqueles que estão em situação legal, que pagam a renda. Para os que não pagam, a solução pode passar por acordos de pagamento das rendas em atraso. Nem um cêntimo para quem não quer pagar a renda porque senão torna-se injusto e não há equidade”, argumenta o edil de Loures.
A concretização da ligação por Metro de superfície entre Odivelas e Loures está prevista no PRR e implica um investimento de 250 milhões de euros. Esta é uma obra a cargo do Metro de Lisboa, no âmbito do Plano de Expensão e Modernização do Metropolitano de Lisboa.
No entanto, há obras complementares e despesas com expropriações que ficam a cargo dos municípios. Ricardo Leão explica que será necessário fazer a requalificação do espaço público, construir uma linha rodoviária nova (porque o Metro vai usar a EN8), investir em transportes públicos e construir parques de estacionamento, já que as estações estão longe da malha urbana.
“Só com uma boa oferta de transportes públicos, em horários de ponta da manhã e fim do dia e com várias frequências, a desaguar nas estações de Metro e a construção de parques é que as pessoas vão usar este meio de transporte. Isso tem custos. No caso de Loures, antes da guerra, as estimativas apontavam para 40/50 milhões de euros de despesas extraordinárias”, diz.
Os autarcas de Loures e Odivelas já terão transmitido esta preocupação ao novo ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro. “Terá de se encontrar uma solução no âmbito do PRR ou alguma linha de crédito a que os municípios possam candidatar-se para que a expansão do metro se possa concretizar no prazo normal, ou seja, até 2025-2026”, defende Ricardo Leão.