04 nov, 2022 - 07:31 • Daniela Espírito Santo
Foi uma das apps da pandemia. Em 2020, o Reface fintou os receios com a privacidade e proteção de dados e colocou meio mundo a brincar com “deepfakes”, tornando esta tecnologia numa experiência divertida e acessível a todos.
No verão do ano que dificilmente esqueceremos, muitos foram os vídeos e imagens que surgiram na Internet onde as caras de pessoas comuns tomam o lugar das de super heróis e celebridades. As imagens eram manipuladas de forma tão realista que surpreenderam, obrigando-nos a olhar duas vezes.
O CEO e co-criador da Reface, Dima Shvets, passou pela Web Summit esta quinta-feira e esteve à conversa com a Renascença. Confessou que o sucesso da app o apanhou de surpresa.
“Aconteceu. Uns rapazes sonharam que podiam mudar a forma como as pessoas comunicaram e aconteceu. Ninguém acreditava nisso quando criamos a aplicação, mas tornou-se numa coisa com significado para as pessoas, que lhes dava felicidade”, diz.
Shvets esteve presente na cimeira para falar sobre o papel que esta startup ucraniana pode ter no futuro do metaverso, tornando possível a “auto-expressão digital”. No palco Growth Summit, apresentou o “Metahead” que, no futuro, servirá para criar “representações faciais em 3D” hiperrealistas apenas com uma fotografia.
Esta aposta surge porque Dima acredita que o utilizador comum das redes sociais ou dos videojogos não vai aderir facilmente a metaversos complexos onde não se sinta representado.
A solução pode mesmo passar pelo hiper realismo. “As pessoas vão querer ter o seu reflexo, uma representação sua no digital… e vão querer que essa representação seja bastante realista”, vaticina.
No fundo, defende o ucraniano, os utilizadores comuns só vão aderir a “modernices” se se sentirem representados, mas com “superpoderes”. “Quero que a minha identidade digital seja ainda melhor que a minha real. Só assim é que as pessoas se vão mudar para o metaverso”, reforça.
Para chegarmos a esse futuro, no entanto, há que resolver algumas das maiores dificuldades que impedem esta nova realidade. O "uncanny valley" - vale da estranheza, em português - ainda não foi transposto: os seres humanos ainda sentem repulsa por representações robóticas de outros seres humanos e de si mesmos… e esse fenómeno ainda não tem solução à vista. O hiper realismo que Dima promete é um em que o utilizador “pode realmente se associar” ao seu avatar.
Para tal, o controlo tem de estar nos utilizadores e estes nossos “gémeos” virtuais precisam de estar disponíveis em diferentes plataformas. “O hiper realismo é fundamental. Também precisamos de ter o controlo e interoperabilidade - serão essas as chaves para acontecer uma mudança do público em geral da web para a web3 e para as experiências no metaverso”.
O metaverso como extensão positiva da realidade é algo que ocupa a cabeça de Dima, longe da Ucrânia, onde deixou amigos e família. Criar infraestruturas onde um utilizador possa fazer uma espécie de videochamada com as pessoas de quem mais gosta é algo que o entusiasma. “Queria dar aos utilizadores a possibilidade de serem quem quiserem, mas também de participarem em chamadas de Zoom onde pudessem encontrar alguém que amam, como, por exemplo, família e amigos que estão na Ucrânia. E queria que essa experiência fosse tão natural como a vida real”, desabafa.
Shvets assegura que estas duas possibilidades “não entram em conflito”: no metaverso do futuro podemos ser quem somos… ou algo completamente diferente e isso não será um problema. “É uma boa maneira de ajudar as pessoas a mudar para alguns metaversos, até porque a ideia não é trocar uma realidade por outra”, assegura.
A Reface é uma das mais conhecidas aplicações a sair da Ucrânia e, para Dima, é “um privilégio e uma alegria” poder representar o seu país numa cimeira como a Web Summit. “Gosto mesmo do meu país e acredito que somos um povo excelente e muito resiliente”.
Quanto às críticas que o mundo do “deepfake” possa ter trazido, Dima parece imune. “Aceito isso. É normal, faz parte do processo de adoção de novas tecnologias”, diz.
Faz tudo parte das “dores de crescimento” de todas as novidades. O caminho ainda vai ser longo até porque, salienta, as experiências que vemos hoje em dia nesse campo não passam de “ambientes em 3D”.
Para Dima, metaverso ainda é só “uma boa palavra”.